CADERNOB

Cia La Vaca propõe olhar a ancestralidade da comunidade LGBTQIA+

...

Por CADERNO B
cadernob@jb.com.br

Publicado em 10/03/2023 às 18:02

Renato Turnes em cena de 'Homens pink' Foto: Cristiano Prim

Estreia no Sesc Copacabana a peça “Homens pink”, trabalho da Cia La Vaca, sediada em Florianópolis, que está completando 15 anos de intenso trabalho em vários territórios das artes cênicas. “Homens pink” privilegia um diálogo original com a diversidade de corpos, linguagens e mentes de homens gays com mais de 60 anos, que vivem em São Paulo e Florianópolis. O olhar central é o etarismo e seus desdobramentos na vida pública e privada. Em torno desse olhar, surge uma ousada oferta de acontecimentos que captura a atenção tanto do espectador do documentário como do espectador na plateia da performance. Ambos os objetos criados se comunicam. O documentário, que foi contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2017/2018, está acessível no canal da La Vaca no Youtube.

É a partir dos relatos do documentário que Turnes elabora a performance de teatro documentário “Homens pink”, que antes de chegar ao Rio de Janeiro fez temporada no Sesc Belenzinho, em São Paulo. A temporada no Rio de Janeiro acontece através do edital Sesc Pulsar 2022/2023. Sessões acessíveis em Libras toda sexta-feira. La Vaca é uma companhia brasileira de teatro criada pelos artistas Milena Moraes e Renato Turnes, em Florianópolis. Em 2008, a companhia iniciou sua trajetória estabelecendo parcerias com dramaturgos da nova cena latino-americana. Desenvolveu projetos que incluem linguagens diversas, expandindo a experiência com o palco tradicional para o teatro contemporâneo, intervenções urbanas, performance e audiovisual, firmando relações criativas e profissionais com artistas de outros coletivos. Em pouco mais de uma década de atuação, segue investindo na produção de trabalhos politicamente comprometidos, que buscam o diálogo potente com os espectadores.

Renato Turnes está sempre às voltas com roteiros de cinema, livros, dramaturgia e ideias. Acaba de participar do livro “Cartilagem”, da Dark Side. Nele, divide com os também cineastas catarinenses Marko Martinez, Vander Colombo e arte do também consagrado ilustrador Eloar Guazzelli uma HQ de terror. Pesquisador do teatro popular, dirigiu documentários sobre circo-teatro, entre eles “É bucha! 40 anos do Teatro Biriba” e publicou o livro “O baú do Biriba: dramas”, sobre dramaturgia circense. Com especial interesse na ancestralidade LGBTQIA+, dirigiu espetáculos e filmes como “Não representadas”, “Finas & caricatas” e “O amigo do meu tio”, e roteirizou curtas como “Selma depois da chuva” e os inéditos “Bloco dos corações valentes” e “Da cabeça aos pés”.

Entre diversos prêmios, recebeu a Medalha do Mérito Cultural Francisco Dias Velho, o Prêmio Waldir Brazil e o Troféu Isnard Azevedo em reconhecimento à sua trajetória como artista de teatro. Seu filme documentário “Homens pink”, lançado em 2020, recebeu o Prêmio Especial do Júri no Digo - Festival Internacional de Cinema da Diversidade Sexual e de Gênero – 2020 e o Prêmio de Melhor Média Metragem no Arquivo em Cartaz - Festival Internacional de Filmes de Arquivo 2020.

Mas agora a notícia é sobre “Homens pink”. ”É um documentário que trata sobre memória da comunidade LGBTQIA+, que surgiu da minha inquietação pessoal, depois dos 40 anos. Foi quando resolvi procurar homens gays mais velhos que eu que me contassem suas histórias. Entrevistamos em Florianópolis e São Paulo um grupo de senhores gays dispostos a falar sobre vários temas. E a partir do depoimentos deles construímos esses dois objetos artísticos. O documentário e a peça são obras independentes que dialogam porque surgem da mesma fonte”, explica.

Segundo ele, a ideia inicial de falar das especificidades do envelhecimento dentro da comunidade LGBTQIA+ acabou se ampliando. “Percebi que estava falando de coisas muito mais abrangentes, sobre a ancestralidade, a partir dessas experiências individuais, representando uma experiência coletiva, que todos os membros da comunidade, de alguma forma, conseguem se relacionar em algum momento. Fico muito contente com isso. O documentário colabora para uma reparação histórica ao resgatar narrativas de vozes que, durante tanto tempo, foram tão silenciadas”, analisa.

A ideia é que o público possa conhecer os “Homens pink” e expandir a própria experiência. Em 2020 e 2021 foi exibido em festivais online por causa da pandemia. Um dos festivais foi em Bangkok, na Tailândia. 

“Na época de minha adolescência, tinha uma geração mais velha que já era conectada com o universo LGBTQIA+. Eles sabiam as melhores músicas, tinham mais conhecimento da moda, eram um modelo para nós, mais jovens. Com o passar dos anos, comecei a questionar por onde andavam essas pessoas e iniciaram-se reflexões sobre o processo de envelhecimento e invisibilidade. O fato de não se sentir mais confortável em certos ambientes. Assim como toda a sociedade, esta comunidade também é atingida por não estar mais nos padrões de beleza e consumo. Foram encontrados momentos de convergência como a explosão da epidemia da Aids. São narrativas que se distanciam e se tocam ao mesmo tempo”, ressalta o ator.

Durante a pesquisa, Renato Turnes encontrou, em São Paulo e em Florianópolis, os convidados para o documentário. São eles: Carlos Eduardo Valente, Celso Curi, José Ronaldo, Julio Rosa, Eduardo Fraga, Luis Baron, Tony Alano, Paulinho Gouvêa e Wladimir Soares. Fotos, projeções e objetos dos próprios entrevistados compõem os elementos de cenário e figurino que fortalecem as cenas de “Homens pink”. São 50 minutos de duração, tempo em que Renato Turnes atravessa com uma potência de muitos corpos e histórias. Apenas uma cadeira e poucos elementos de cena estão no palco, envolvido por um telão que traz uma imersão ao público em várias camadas de fruição. “São características que reforçam o tom agridoce do espetáculo em meio aos fragmentos narrativos”, diz o artista.

Ator, diretor de teatro e cinema, roteirista e documentarista, Turnes como ator se destacou com a criação da “Trilogia Lugosi”, série de solos de terror a partir de textos de Poe, Lovecraft e Bonassi. Como diretor artístico da La Vaca Cia de Artes Cênicas dirigiu “Mi Muñequita”, “Kassandra”, e “Uz”, além de atuar em “Le Frigô” e “Ilusões”.

Fora da cia, dirigiu diversos trabalhos, tais como “Emoções baratas” (Cia Experimentus), “Eu faço uma dança que a minha mãe odeia”, “Parte da paisagem” e “Eco” (Karin Serafin), “Dona Bilica naquele tempo” (documentário e espetáculo - Pé de Vento Teatro), “Cartografia do assédio” (Coletivo Karma) e “Rinha” (Grupo Risco). Nos últimos anos tem investigado as relações entre filme documentário, corpo-arquivo e documento performativo, em diversos projetos.

 

'Histórias sendo contadas por nós mesmos'

A construção da dramaturgia do solo teatral atravessa a história de cada um dos 9 homens gays entrevistados. Há uma passagem sobre a expulsão da casa da família, só com a roupa do corpo, tão logo a homossexualidade foi descoberta. Em outro momento, é possível saber que uma mãe muito confiante na cura gay enviou o filho para sessões de “salvação” em Campinas, onde tomou por meses uma vacina com fama de “curar”. Muitos fatos costuram a ação e a dramaturgia também leva em conta aspectos da vida do próprio Renato Turnes.

A Cia La Vaca também estreou o documentário "O amigo do meu tio", em 2022, que conversa com a peça "Homens pink". Por meio de imagens antigas de fitas VHS, é mostrada a história da infância de uma criança LGBTQIA+. O filme foi vencedor do 29º Festival Mix Brasil na categoria Prêmio Canal Brasil de Curtas.

“Nossas histórias eram contadas por um grupo hegemônico, passando pelos mesmos temas e abordagens. Todavia, nos últimos anos, houve uma mudança de perspectiva. Finalmente a história tem sido contada por nós mesmos. A comunidade LGBTQIA+ tem mostrado suas vidas, gerando novas facetas envolvendo idade, raça. 'Homens pink' é uma reverência para aqueles que vieram antes, os pioneiros na luta por uma série de direitos”, enfatiza Turnes. 

Durante a temporada no Sesc Copacabana, a Companhia disponibilizará o filme documentário gratuitamente em seu canal do Youtube, com versões acessíveis em Libras e audiodescrição. A ideia é que o público possa conhecer os “Homens Pink” e expandir a própria experiência.

 

SERVIÇO: HOMENS PINK – Cia La Vaca - Direção artística, texto e performance: Renato Turnes; Datas: até 2 de abril/2023, de quinta a domingo, às 19h; Acessibilidade: às sextas-feiras a apresentação será acessível em Libras; Horário: 19h; Local: Sala Multiuso do Sesc Copacabana; Ingressos: R$ 7,50 (associado do Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira); Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 - Copacabana, Rio de Janeiro - RJ; Informações: (21) 2547-0156; Bilheteria - Horário de funcionamento: Terça a sexta - de 9h às 20h; Sábados, domingos e feriados - das 13h30 às 20h; Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos; Duração: 50 minutos; Lotação: 40 lugares; Gênero: Teatro documentário.

Tags: