Flip 2023: a beleza das pedras molhadas de Paraty
A Festa Literária de Paraty, a Flip 2023, terminou neste domingo, depois de cinco dias, com um público de 27 mil pessoas, 10% a mais do que o registrado no ano passado. Recebeu visitantes de áreas diversas e de várias regiões do país, com uma característica tão óbvia quanto comum: o gosto pelos livros. E é claro que eles, os livros, estavam lá, por todos os lados, prontos para dialogar com quem olhasse para as suas capas, tocasse em suas páginas e passasse os olhos pelas suas histórias, poemas, artigos, ideias, ilustrações.
Por onde se andava, via-se beleza. Ela também estava lá. Estampada. Nos rostos de todas as idades e cores. Nas tendas e casas especiais montadas para encontros e debates. Nas pedras molhadas pela chuva que ia e vinha. No céu ora cinza ora azul. Nas cores dos guarda-chuvas que se esbarravam graciosamente pela cidade. O ar charmoso, alegre, instigante e inteligente circulou por todas as estreitas ruas da poética Paraty.
Quem não pôde ir a Paraty levou Paraty para a tela do computador ou do celular. O canal no Youtube da Festa Literária Internacional de Paraty teve 25 mil visualizações este ano. Em 2022, foram 18 mil. E olha que 2022 foi o primeiro presencial depois de dois anos de Flip remota, por causa da pandemia. Pela lógica, no evento deste ano o público já deveria ter descartado de vez o acompanhamento virtual, já que a Flip estava lá fisicamente, ao alcance de quem quisesse e pudesse ir até ela. Mas como observamos no dia a dia, em diversas outras ocasiões, o espectador remoto veio para ficar. E tudo bem, porque leitor, debatedor e plateia interativa na construção do conhecimento nunca é demais.
Em um balanço literário, uma das escritoras mais festejadas foi Conceição Evaristo, acompanhada por olhares cheios de admiração, aplausos, abraços e telas de celulares por onde passava. O mesmo fenômeno cercou Itamar Vieira Júnior, que já pode ser considerado uma celebridade para além do mercado editorial. A fila de autógrafos para o seu novo livro – Salvar o fogo, pela Todavia – deu voltas e mais voltas pelo Centro Histórico de Paraty. O público esperou cerca de quatro horas para ter um exemplar autografado. Debaixo de garoa e resistindo ao frio.
Itamar foi elevado ao patamar de estrela, que brilha da academia às redes sociais, desde o lançamento de Torto Arado, em 2019, também pela Todavia. E nunca mais saiu de lá. É um dos autores mais lidos do país. Torto Arado liderou todas as listas de mais vendidos, o que se repete com Salvar o fogo, entre os mais vendidos da Flip 2023.
A homenageada deste ano foi a escritora, jornalista, feminista e militante política Pagu, um dos principais símbolos do movimento modernista no Brasil. Sobre ela, um dos destaques foi a publicação de Os cadernos de Pagu – manuscritos inéditos de Patrícia Galvão, pela Editora Reformatório. Lindo de ver e, certamente, de ler. Mal posso esperar para escrever sobre ele aqui neste espaço.
Entre apagão (sim, teve), chuva, sol, calor extremo (teve também, claro), escorregões nas tradicionais pedras redondas de Paraty, galochas e muitos pés molhados, salvou-se – mais uma vez – a literatura, a cultura, a beleza do diálogo e do conhecimento. Obrigada, Flip 2023. Até 2024.
Lídice Leão é jornalista, pesquisadora e mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo