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Raízes dos cantos negros no CCBB/RJ

Projeto valoriza os cantos seculares criados por escravizados negros, em uma proposta de resgatar as origens comuns das músicas brasileira e americana

Por CADERNO B
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Publicado em 04/12/2024 às 17:17

Alissa Sanders e Sérgio Pererê Foto Pablo Bernardo

As raízes tanto da música brasileira quanto da música norte-americana estão nos cantos de pessoas negras escravizadas que entoaram canções como forma de preservar suas culturas e como potentes mecanismos de sobrevivência e resistência. Inspirados por essa origem musical comum ao Brasil e aos Estados Unidos no processo de criação da diáspora africana para a América, os artistas Sérgio Pererê e Alissa Sanders conceberam o projeto “Vissungos e Spirituals: Vozes Ancestrais Negras das Américas”, que será apresentado no Rio de Janeiro, no Centro Cultural Banco do Brasil, de quinta (5) a domingo (8). O projeto seguirá para o CCBB Brasília após a passagem pelo Rio. “Vissungos e Spirituals: Vozes Ancestrais Negras das Américas” conta com patrocínio do Banco do Brasil, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet).

“Vozes Ancestrais” dá nome ao show que celebra um encontro entre os cantos do Vissungo (cantigas em língua africana) e dos Reinados de Minas, que marcam a trajetória artística e pessoal do cantor e multiartista mineiro Sérgio Pererê, com os spirituals, cantos de trabalho e folclóricos presentes na história dos escravizados negros norte-americanos, que fazem parte da herança de Alissa Sanders, nascida em Los Angeles (EUA) e radicada no Brasil há quase três décadas.

Em ambos os casos, as músicas ecoadas pelos ancestrais de Alissa e Pererê, seja no ciclo do ouro de Minas Gerais ou nas lavouras americanas, carregam um peso afetivo em comum. “Os cantos do vissungo e dos spirituals são o jeito de viver africano. A partir da filosofia Bantu, existe uma herança africana que diz: ‘para tudo se canta’. Não é apenas para trabalhar que se canta, se canta para comer, para dormir, para agradecer, para xingar. Para tudo”, explica Pererê.

Ao mesmo tempo, as músicas também estão repletas de códigos de sobrevivência, usados como estratégia de fuga e proteção do povo negro. “Os negros e negras escravizados foram obrigados a aprender a Bíblia. E tiraram das histórias do povo israelita muitas coincidências com as suas histórias. Há cantos sobre a abertura do Mar Vermelho por Moisés, que é uma referência para fugir. Há canções que mencionam um lugar seguro com luz na janela, e era um código que indicava que essas casas abrigavam pessoas em fuga”, revela Alissa.

Shows
Nos shows, Sérgio Pererê e Alissa Sanders recuperam músicas em português e inglês, inspiradas pelos vissungos e pelos spirituals, além de outros cantos negros tradicionais. O repertório se desdobra em uma confluência de gêneros que inclui o blues, a congada, o folk, o samba, o catopê, o pop, o jazz e o ring shout, gênero nascido na região Gullah, no Sul dos nos Estados Unidos, a partir de rituais religiosos marcados pelos gritos, batidas de palma e dança em roda.

A sonoridade do show mistura os clássicos tambores de Pererê, incluindo também o instrumento melódico mbira, junto ao banjo americano, à percussão corporal e aos efeitos eletrônicos de looper sintetizados por Alissa Sanders. A banda é complementada pelo mineiro Acauã Rane (violão e baixo) e pelo baiano Bruno Aranha (piano). Na temporada do Rio de Janeiro, as apresentações terão as participações dos cariocas Jonathan Ferr (piano e voz) no sábado (7) e Elias Rosa (percussão) no domingo (8), além da dançarina paulistana Vanessa Soares, integrante da Funmilayo Afrobeat Orquestra, na quinta (5).

“Vozes Ancestrais” ainda abre espaço para músicas autorais e frescas dos artistas, como canções compostas por Sanders durante sua recente viagem para Mali e Senegal, na África, e a exemplo do cancioneiro de Pererê que resgata cantos dos Reinados de Minas, assim como fazem as músicas do recente disco “Velhos de Coroa” (2023).

“Sinto que esse espetáculo conversa com vários estilos e tradições do mundo todo. Para quem for assistir, será muito intrigante porque eu diria que nenhuma das músicas é só brasileira, americana ou africana. São todas muito misturadas. É um toque de gospel dentro do samba e junto dos tambores”, avalia Sanders.

“Será interessante mostrar para as pessoas que, quando a gente pensa em música popular, no mundo todo, no sentido comercial de tocar no rádio, quase toda a música vem dessas raízes. O rock, o blues, o samba, o choro, a música pop, tudo vai passar por essa conhecida célula de batidas de palmas e pés marcada nos cantos de pessoas pretas que foram escravizadas”, complementa Pererê.

Oficinas
Além dos shows, os artistas também vão oferecer ao público carioca duas oficinas relacionadas aos cantos. Comandada por Sérgio Pererê, a oficina “Labidumba” propõe um passeio pelo universo vocal de culturas tradicionais do Brasil e do mundo, explorando as possibilidades dos cantos disfônicos e polifônicos. O encontro acontece nessa quinta (5), às 17h, e é aberto para todos, desde crianças a partir de 8 anos, até contadores de histórias, cantores, arte-educadores e demais público interessado.

Na outra oficina, “Cantando as raízes da música negra americana”, Alissa Sanders explora os gêneros da música norte-americana executados no show. Baseada nos métodos pedagógicos do músico estadunidense Bobby McFerrin, a atividade convida os participantes a se conectarem em uma experiência de canto coletiva, aberta a todos a partir de 12 anos. Durante a oficina, a artista também contará a história por trás de algumas músicas que serão trabalhadas. A atividade acontece no sábado (7)), às 11h.

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