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Masp tem exposição 'Histórias LGBTQIA+' até abril
Por CADERNO B
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Publicado em 29/12/2024 às 10:14
Alterado em 29/12/2024 às 10:14
Por Letycia Bond - Em uma das diversas paredes com o rosa predominante, a curadoria da exposição Histórias LGBTQIA+, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), diz que, "embora alguns artistas da exposição tenham morrido de complicações ligadas à aids, há outros contemporâneos que seguem vivendo com HIV e florescendo". A afirmação deixa implícita a frase: trata-se da comunidade LGBTQIA+, que sempre sofreu perseguições, que ainda precisa ir à luta para contestar a heteronormatividade, sobretudo pelo estigma originado nos anos 1980, quando o vírus foi detectado. Desde aquela época, muitas pessoas associam-no a essa parcela populacional.
A exposição procura traduzir tanto o que se passa em universos privativos, como o que ocorre quando membros da comunidade se auto-organizam em defesa de si mesmos e de outros corpos dissidentes que os acompanham. Ao todo, são 150 obras de artistas de diversos países e itens de acervos especializados na temática, como fotografias e recortes de jornais.
A exposição fecha o ciclo deste ano, reservado pelo Masp às Histórias da Diversidade LGBTQIA+. Nos meses que antecederam sua abertura, os visitantes puderam conhecer mais sobre as pinturas do irlandês Francis Bacon, que inscreveram os efeitos da criminalização da homossexualidade na sociedade britânica até 1967, e a as criações do brasileiro Mário de Andrade, cuja orientação sexual e negritude foram apagadas por muitos anos.
Em Histórias LGBTQIA+, há tanta diversidade de cada uma das letras que compõem a sigla quanto variedade de plataformas. A artista Mayara Ferrão, por exemplo, utiliza inteligência artificial para conceber narrativas lésbicas negras, mas há quem tenha preferido fazer um desenho digital sobre papel ou manipular um toco de umburana, madeira nobre, para fazer um autorretrato nu, exposição corporal que, nesse contexto, é resistência e também causa convulsão nos conservadores que atacam a comunidade.
Há ainda a necessidade constante de quebrar as manilhas que buscam conter os que contestam e se refazem, em novas tentativas de repressão. E eles respondem com corpos protestos, corpos marikas. A artista Elian Chali afirma: "Nadie sabe lo que puede un cuerpo que no puede". O que lembra o filósofo Baruch Spinoza, que questionava "O que pode o corpo?".
Em todas as oito seções da exposição, há uma sensação de urgência, de modos distintos. Os núcleos são Amor e desejo; Ícones e musas; Espaços e territórios; Ecossexualidades e fantasias transcendentais; Sagrado e profano; Abstrações; Arquivos; e Biblioteca Cuir.
A curadoria revela também as divergências dentro da comunidade LGBTQIA+, como é o caso das feministas radicais (radfem), que desprezam as mulheres trans e as travestis. O ensaio fotográfico de Angela Jimenez vem acompanhado de legenda que explica que as mulheres retratadas formaram equipes que montaram os palcos do Michigan Womyn's Music Festival e que muitas delas eram contra a participação de mulheres representadas pela letra T da sigla da comunidade. O festival, tradicional entre as lésbicas feministas dos Estados Unidos, teve sua primeira edição em 1976, mas encerrou as atividades em 2015, por conta dos boicotes que surgiram como reação à exclusão das trans e travestis.
Ao mesmo tempo que fala de práticas como o "banheirão", que é quando gays se encontram em banheiros públicos para ter relações sexuais, a exposição também revela outras facetas dos LGBTQIA+, fazendo homenagens a militantes assassinados, como a artista lésbica Mónica Briones Puccio, executada por militares em 1984. Existe ainda boa seleção de obras que funcionam bem para atenuar ideias estereotipadas sobre essas pessoas.
Entre antropólogos, discute-se o que se resume como fabricação de corpos. No caso dos LGBTQIA+, isso, muitas vezes, custa a sanidade, a família, a paz interior de quem passa por descobrimentos e assunções, sejam essas para si somente, sejam públicas.