Música é a resposta

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Por CAIO BUCKER

Caio Bucker

Esse título é bem interessante. É da mesma linha do escritor e poeta Ferreira Gullar que disse: "A arte existe porque a vida não basta”. E do filósofo Friedrich Nietzsche com sua frase “A arte existe para que a verdade não nos destrua”. Ambos viam a vida como um constante criar e recriar sem uma teleologia pré-definida. A arte expressa de forma transparente o que a vida é, pois é justamente o processo de criação e recriação sem uma finalidade para além da própria criação. Na perspectiva do artista criador está sempre inconclusa, logo, não para de criar, de realizar e exteriorizar sentimentos, emoções e ideologias. Na medida em que os valores contrapostos são uma “mentira” necessária para suportar a existência, em sua inversão da realidade encontra-se a verdadeira realidade em inúmeras realidades criadas. E assim é a música: uma linguagem, uma forma de expressão que remonta às origens da humanidade. É como um idioma dos sentimentos e sensações, capaz de traduzir artisticamente ou mesmo que sem palavras o conteúdo impresso em cada alma humana.

 

 

Muita filosofia e um pouco de fritação, mas isso tudo começou por conta de um festival inédito - MITA: Music Is The Answer - que aconteceu no último final de semana em São Paulo, e acontece neste final de semana próximo no Rio de Janeiro. O nome é maravilhoso, e vem carregado de significados, ainda mais no momento em que vivemos. A arte é a resposta, logo, a música também. Mas, resposta de que exatamente? São tantas coisas que a lista não caberia neste jornal. Resposta à amores não correspondidos e amores traídos. À amores platônicos e os ditos eternos. Resposta à censura e falta de liberdade, ou ao excesso dela. Resposta também à movimentos que vão contra a democracia, à política mal feita, ao machismo, racismo e homofobia. Resposta à uma sociedade careta e primitiva. Às relações incompreendidas e causos intermináveis. Ao culto ritualístico como forma de devoção, e para reafirmar posições, ideologias e desejos. Para celebrar e confraternizar. Para adorar e sepultar. Comunicar, conquistar e também reconquistar. Uma resposta às culturas, seitas e movimentos. Uma resposta ao povo, para o povo, do povo e pelo povo.

A música é tão antiga quanto o homem, e está presente em qualquer civilização desde a antiguidade, ou seja, surgiu muito antes da própria linguagem do homem. Isso prova que exteriorizar sentimentos, sejam eles de qualquer produção artística, acontece sem que seja necessário qualquer tipo de linguagem, a não ser a emocional. Assim, são exorcizados sentimentos e anseios que permeiam em nosso ser. Quando ouve-se uma canção, geralmente associa-se a algum acontecimento, lugar, pessoa, fase da vida ou até aquela sensação de “saudades do que eu não vivi”. O nome do festival - Music Is The Answer - é também o nome de uma música de Mike Vale, que diz: “A música é a resposta para seus problemas. Continue avançando, então você pode resolvê-los. Se você sente que não aguenta mais, e seus pés estão se dirigindo para a porta: Música é a resposta.” A música é a porta de saída de nossas emoções, e através dessa porta, conseguimos realizar coisas infinitas, as quais podemos dar o nome de arte. Começando pela nossa própria existência, um mistério tão gostoso, que pode ser resumido como a arte de viver. A arte de "Ser" e sentir.

No último final de semana estive no MITA em São Paulo. Foi incrivelmente maravilhoso, em boas companhias, um dia lindo, organização e abundância, além da programação que dispensa comentários. Gilberto Gil me emocionou em seu show “in concert”. Lindo ver a potência do nosso mestre baiano, tão vivo, tão bonito, e mais que necessário. Que bom que temos Gil! Que bom que temos tanta gente incrível nos representando e usando realmente a música como resposta. Falando com força, da forma mais democrática possível, e transformando ao redor. A música boa vem como um abraço, um afago carinhoso que impulsiona com vigor. Dá a oportunidade de descarregar pensamentos e ideias, resolver conflitos, contestar e manifestar. Neste mundo tóxico em que vivemos, a música é um protesto. Como na ditadura militar, que expressava com tristeza crítica as barbáries cometidas, nos serve hoje como um registro histórico, sedimentando problemas de uma época e ajudando a construir identidades. Onde estiver, a música vai ser e estar. Respondendo para o mundo e principalmente para nós mesmos. Respondendo até coisas que nem saberíamos perguntar, mas com emoção e seus acordes, cumpre seu papel. A música é arte. Mais do que isso, a arte é música. Sem letra e com poesia, melodia e afinação. Então, eu aumento o volume e deixo fluir, pois assim as respostas virão.