CAIO BUCKER
Acabou a mamata
Por CAIO BUCKER
Publicado em 02/06/2022 às 10:16
Alterado em 02/06/2022 às 10:17
O ódio de Bolsonaro, seus aliados e a trupe bolsonarista contra artistas e intelectuais vem de muito tempo. Já é sabido que ele não governa e vive em férias eternas desde o início de seu mandato, trocando o gabinete por passeios de jet ski e pastel de camarão. Aliás, isso vem desde que entrou para a política, pois como deputado federal, nada fez também. É uma vergonha tanto tempo ocupando uma cadeira sem projetos, sem leis, sem trabalho. Para piorar a situação, vem seu desprezo pela cultura, pela arte e por quem sobrevive e se alimenta dela. Covardia com o povo brasileiro, contra tudo e contra todos. A classe artística sempre foi alvo da política bolsonarista, assim como a Educação, a Saúde, os direitos humanos, a democracia... São ataques constantes via setor público, promovendo censura e corte de verbas. Curioso, ou nem tanto, é que na ascensão do nazismo na Alemanha, nos anos 30, os primeiros ataques foram justamente contra a educação e os artistas. Essa guerra cultural que vivemos se beneficia de uma técnica discursiva - a retórica do ódio - que leva o país ao caos social, ao analfabetismo ideológico, à negação da realidade e ao desprezo pela ciência. Sem essa guerra, eles não conseguem manter as massas digitais mobilizadas.
Desde muito tempo observa-se uma campanha anti Lei Rouanet. Eu mesmo, dando aula, já ouvi coisas como “os artistas mamam na teta da Lei Rouanet” ou “tem que botar esses vagabundos para trabalhar”. Oi? Eu estou aqui, tá? É sabido que sempre existiram problemas no fomento da cultura no país, assim como em outras áreas. Tetos absurdos em projetos irrelevantes e injustificáveis, o cartel entre produtoras e empresas, sempre fechando entre si patrocínios e comprando editais e licitações com o famoso “bolão”, e muitas irregularidades na prestação de contas. Com a instrução normativa em 2019 muitas coisas mudaram, umas interessantes até, como o aumento da quantidade de ingressos gratuitos e a exigência de preços populares. A lei existe e é um direito de todo mundo, desde que usada corretamente, é claro. Infelizmente, a verdade é que foi criada de forma muito mais interessante e complexa do que é executada, e além desses percalços, só foi colocada em prática no vetor do mecenato. Mas nada disso justifica o ódio e o desprezo dessa gente por nós, que lutamos diariamente pelo nosso pão com a arte e projetos que educam bem mais que as escolas militares que eles acreditam ser a salvação da juventude.
Recentemente, o presidente vetou a Lei Aldir Blanc 2, que prevê repasses do governo federal para apoio à Cultura, uma das áreas econômicas mais atingidas pela pandemia. O Brasil de Bolsonaro vive na destruição, no ódio e na dor. Vive na fome, que hoje assola 116 milhões de pessoas em insegurança alimentar. Vive na inflação e na gasolina mais cara da história. Vive no desemprego que não cede. Vive na morte de mais de 600 mil brasileiros graças à gestão genocida durante a pandemia. Em vez de soluções, preferem usar velhas táticas milicianas de coação para quem se posiciona publicamente contra. Falam tanto em democracia, mas cadê? Definam vossa democracia! Dizem que é liberdade de expressão, mas só de um lado? Que liberdade é essa? É só se manifestar contra eles e pronto: vira alvo. Eu mesmo já fui, e escrevi sobre isso aqui, quando me chamaram de “comunista caviar” pelo fato de revitalizar e reabrir o restaurante La Fiorentina, reduto de quem? Dos artistas! Usam expressões miseráveis e chulas, e vão repetindo e espalhando entre si. Já entendi que o que move essa gente não é nenhuma ideologia ou pensamento progressista, e sim o culto ao ódio, à ignorância, ao negacionismo. Como disse o colega Camilo Vannuchi, e parafraseio pela segunda vez neste jornal: “Ele quer fuzilar a petralhada, mandar a esquerda para a ponta da praia, convencido de que o erro da ditadura foi torturar e não matar. E quem é de esquerda que tome tubaína.”
Digo isso tudo para chegar ao fato do momento: o cantor de sertanejo universitário Zé Neto, durante um show, resolveu provocar dizendo que não depende da Lei Rouanet e que “artistas precisam fazer tatuagem no toba” para mostrar se estão bem ou mal, se referindo à cantora Anitta, militante contra o desgoverno bolsonarista. Essa fala deselegante e infeliz do cantor abriu uma caixa de pandora, revelando - e sem nenhuma surpresa, pelo menos para mim - que eles, os que falam tanto contra a Lei e contra a arte, recebem cachês milionários com dinheiro público, na maioria das vezes sem licitação. Quanta hipocrisia, né? Vários casos estão indo à tona, investigações estão sendo feitas e shows cancelados. Bom para o público que não vai precisar ouvir sofrência. Alguém explica pro Zé Neto, com todo carinho e paciência do mundo, que as captações feitas por meio da Lei Rouanet não utilizam verbas públicas? Mas ele sim, utiliza e recebe valores superfaturados. Ele e outros cantores sim, fazem contratos com as prefeituras por meio de contratação direta e sem concorrência, tirando dinheiro do caixa das cidades para pagamento dos cachês. Eles sim, não estão nem um pouco preocupados com o povo, com a situação do país e do mundo, e só pensam em encher o bolso de dinheiro. Dinheiro este que vem sangrando com a falta nas escolas, nos hospitais e nas cozinhas de tanta gente.
Eu fico chocado com tamanha cara de pau e hipocrisia. Se tiver algo errado com algum projeto via Lei de Incentivo, deve ser investigado, assim como qualquer tipo de contratação envolvendo órgãos públicos. Mas, para eles, da trupe bolsonarista que odeia a arte de verdade e a cultura genuína do país, “parem na Lei Rouanet e não venham até nós.” Porque aí o bicho pega. Anitta, brilhante, e uma das maiores artistas do Brasil e do mundo, não precisou de muito para colocar à tona comentários e investigações sobre o fato. É tão engraçado e ridículo ver pessoas como Gusttavo Lima chorando desesperado, com medo que uma hora dê ruim. Os machões que fazem arminha na mão mudam completamente e se fazem de coitadinhos. Ué, não são os artistas os vagabundos? Por que choras, sertanojo? A técnica de achincalhar a classe e demonizar a arte o tempo todo para desviar a atenção não deu mais certo. Assumam as tretas de vocês. Como brincou Marcelo Adnet numa paródia: "Chegou a hora do meu gado sossegar o facho e aprender que o buraco é mais embaixo. Esse povo da cidade me irrita, maldita hora que eu lacrei com o furico da Anitta. Fui criticar seu tóba e o meu mundo desabou, meus cachês com prefeituras...a imprensa divulgou!" Quem sabe assim começa uma nova história? Tenho esperança que tudo isso vai mudar, e finalmente, quem vai dizer que “acabou a mamata” somos nós. Só que agora é de verdade.