Isto não é um cachimbo
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“Ceci n’est pas une pipe”. Em português: isto não é um cachimbo. A obra é “A traição das imagens” (1929), do pintor surrealista belga René Magritte (1898-1967). Por meio da combinação de palavras e imagens, o artista destaca o hiato entre linguagem e significado, levando ao questionamento acerca dessas conexões existentes. Dizem que ele copiou esse cachimbo do livro “Por uma arquitetura” (1923), do arquiteto Le Corbusier. O questionamento principal é que isto não é um cachimbo real, e sim a pintura de um. Tende-se a ver as imagens como encarnações daquilo que elas representam. Por isso, essa imagem apresenta um paradoxo entre a ilusão e a realidade. Pintado com tintas suaves e fluidas, cores naturais e tons contrastantes, o quadro representa um objeto real. Mas, não é o próprio objeto. Magritte expressou suas dúvidas sobre as possibilidades de representar a realidade, questionando nossa própria percepção dela. Em suma, não temos o objeto, mas uma imagem dele. É uma constatação de que a arte deveria ser entendida não como a realidade que estamos, mas como uma representação desta. Há uma tensão entre natureza e artifício, verdade e ficção, o real e o surreal.
Além disso, esse quadro pode nos fazer pensar sobre o problema da verdade, muito discutido na Filosofia. O significante “verdade” nos dias de hoje invade nosso cotidiano, com escândalos na esfera política, com os meios de comunicação de massa e as redes sociais que nos achincalham com fake news, com a propagação da mentira pública e a falsa moralidade corrupta, que tão verdadeiramente se manifesta. Vivemos de relações com outras pessoas, logo, com outros aparelhos de linguagem. É por meio destas relações que aprendemos a associar linguagem à objetos. A verdade aqui adquire forma e significado na mente, e atribuímos ao mundo por meio de uma construção no convívio social em que estamos inseridos. Esta realidade significa como pensamos na linguagem. Isso pode levar a outro ponto, sobre a identidade. Richard Sennett pode nos acrescentar com seu questionamento em “O declínio do homem público”. Para ele, uma identidade é o ponto de encontro entre quem uma pessoa quer ser e o que o mundo permite que ela seja. Nem as circunstâncias apenas, nem somente o desejo, poderiam constituir o lugar de alguém num cenário formado por interseções de circunstâncias e desejos. A imagem, embora evocadora, é incompleta, uma vez que por detrás dela, conferindo-lhe substância, há uma ideia mais fundamental: a expressão como apresentação de emoções.
A coluna de hoje era outra mas tive que suspender para falar isso. Ontem, dia 7 de Setembro, estava numa pesquisa com Foucault, e ao sair de casa me deparei com o que poderia ser a torcida do Brasil durante a Copa do Mundo. Motoqueiros passavam buzinando com camisas verde e amarelas; carros com bandeiras balançavam ao vento; e um pequeno rebanho gritava “mito” com latas de cerveja na mão. Que vergonha. Estragaram camisas, cores, uma pequena frase e a nação inteira. Não enxergam ou não querem enxergar? Sério que isso tudo é apenas por ódio ao passado, onde a governança era bem mais democrática? Não vou ficar listando todos os pontos deste desgoverno. Já basta zapear o instagram e ver notícia com memes o tempo todo. Foucault questiona sobre a obra de Magritte e intuitivamente associo ao momento que vivemos. No poder, um personagem cuja linguagem para a sociedade é a do militar no comando da sua tropa de ministros, e viva a família tradicional brasileira. Mas o resultado é um conflito incontornável entre pensamento e realidade. Aqui, não me deito sobre a obra do cachimbo. Mas sobre essa política fascista. Repito o que disse anteriormente: tende-se a ver as imagens como encarnações daquilo que elas representam. Logo o paradoxo entre a ilusão e a realidade. Acordem! Não temos um líder digno de estar na presidência, mas a imagem de um. Eis novamente a tensão entre natureza e artifício, verdade e ficção, o real e o surreal. Isto não é um cachimbo. E isto não é um presidente.