CINEMA
‘Onde eu Moro’ concorre ao Oscar/2022
Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 28/02/2022 às 11:46
Alterado em 28/02/2022 às 11:46
O filme faz uma reflexão sobre o aumento da população em situação de rua nos Estados Unidos. Através de registros e depoimentos, os diretores compuseram um retrato comovente do cotidiano de pessoas que não têm um lugar digno para morar. Muitas com problemas de saúde mental, mulheres que sofreram abusos, artistas de rua, uma faxineira que à noite procura um abrigo para dormir porque o que ganha não é suficiente para alugar um quarto, enfim, são diversas, tristes e chocantes histórias.
A cerimônia do Oscar acontecerá em 27 de março quando a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anunciará os premiados de sua edição 2022.
O longa-metragem “Deserto Particular”, de Aly Muritiba, e o curta “Seiva Bruta”, de Gustavo Milan, ficaram de fora da disputa do cobiçado troféu, mas “Onde eu Moro” abre uma possibilidade para que o Brasil figure na premiação.
Kos nasceu no Rio de Janeiro e está radicado em Los Angeles (CA). O diretor e montador de 44 anos era ainda um adolescente quando foi para os Estados Unidos com os pais. Cursou o ensino médio em Miami e posteriormente fez faculdade em Yale.
Em 2002, teve oportunidade no cinema como assistente de pós-produção no drama “Frida”, dirigido por Julie Taymor e estrelado por Salma Hayek. Na ocasião, foi para Los Angeles trabalhar na finalização do filme e decidiu ficar na cidade.
Kos tem no currículo 14 créditos como montador, entre os quais, um dos mais importantes é “Lixo Extraordinário”, de Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim. O filme ganhou o prêmio do público no Festival de Sundance; o de audiência na Mostra Panorama, do Festival de Berlim, e o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de melhor documentário e de montagem para Kos.
Sua estreia na direção de longas se deu em 2017, com “Parceiros da Saúde”, codirigido por Kief Davidson. Em 2021, realizou “Rebel Hearts”, sobre um grupo de freiras de Los Angeles que desafiou o patriarcado da Igreja Católica. O documentário concorreu ao Grande Prêmio do Júri no Festival de Sundance.
Em entrevista ao Jornal do Brasil, o cineasta contou como recebeu a notícia que “Onde eu Moro” iria concorrer ao Oscar, a motivação para realizá-lo e os resultados que ele e Shenk esperam com o filme, que está disponível para streaming na Netflix.
JORNAL DO BRASIL - Como foi receber a notícia que o filme dirigido por você e Shenk iria disputar o Oscar na categoria de melhor documentário de curta-metragem?
PEDRO KOS - Foi maravilhoso. Eu estava em São Francisco com meu codiretor, Jon Shenk, e nossa produtora, Bonni Cohen, e às 5:40 da manhã fomos acordados com uma ligação da produtora executiva avisando da indicação. Ficamos extremamente emocionados, principalmente por poder dividir essa homenagem com as pessoas retratadas no filme, que ficaram muito comovidas em saber que suas histórias compartilhadas têm gerado uma repercussão positiva e continuam tocando o mundo afora, inclusive os membros da Academia.
O tema do filme é muito importante e extremamente oportuno. O que principalmente os motivou para contar a história dessas pessoas no curta “Onde eu Moro”?
O que nos motivou foi o fato de que Jon, Bonni e eu moramos em cidades que lidam com um aumento muito expressivo de moradores de rua, tema que vem sendo bastante debatido nos Estados Unidos. Mas o que está sendo ignorado neste debate é a humanidade dos nossos vizinhos que estão atualmente sem teto. Nós queríamos estabelecer uma conexão com eles de uma maneira humana, retratando-os com empatia e rompendo as barreiras que dividem nossa sociedade atualmente.
Após a realização de um filme tão sensível e delicado, algumas coisas podem mudar na cabeça das pessoas. Aconteceu isso com vocês?
Com certeza! O processo de realização do filme foi extremamente impactante para nós. O privilégio de conhecer pessoas incríveis nas ruas das cidades, como Luis, Tiffany e Futuristic, mudou nossa perspectiva do mundo e desse modelo quebrado em que vivemos. Durante as gravações, por exemplo, passávamos o dia com Luis, e depois voltávamos para nossas casas confortáveis, enquanto ele voltava para uma barraca. Eu pensava bastante nele e nesse sistema falho e desumanizador que impede pessoas de terem um lugar digno onde morar. Somos todos humanos e todos nós vivemos e sonhamos com um futuro melhor.
Qual contribuição vocês acham que o filme pode trazer para mudar esse quadro tão adverso?
Espero que seja um convite para que as pessoas e autoridades olhem esse assunto de uma maneira diferente e não neguem a humanidade de cada um. Quando falamos sobre soluções para os sem tetos, nunca devemos deixar de escutar a perspectiva deles, que são vítimas de um sistema falho e que, na maioria das vezes, não têm culpa pela situação em que se encontram. Se continuarem sendo marginalizados assim, será impossível resolver esse problema, então devemos sempre levar em consideração suas experiências e histórias, buscando entender com compaixão as inúmeras razões pelas quais essas pessoas acabaram em situação de rua. É muito comum ocorrer uma visão estereotipada desses problemas, mas assim como as cores do arco-íris, as causas e motivos são extremamente diversos.
E o resultado com os espectadores – como tem sido?
Tem sido incrível presenciar a comoção que o filme vem causando no público ao redor do mundo. Nosso grande sonho era justamente compartilhar essas histórias e tocar o coração das pessoas.