CINEMA

'Meu nome é Gal' não busca dar uma geral na vida pessoal de Gal Costa

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Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 26/10/2023 às 09:05

Alterado em 26/10/2023 às 09:08

Lô Politi, diretora – junto com Dandara Ferreira – de 'Meu nome é Gal' Foto: Davi Campana

“Meu nome é Gal”, de Dandara Ferreira e Lô Politi, chegou aos cinemas no dia 12 de outubro; é a cinebiografia de Gal Costa, interpretada por Sophie Charlotte.

Gal foi uma das maiores cantoras brasileiras e um nome emblemático na área cultural. E esse talvez tenha sido o maior desafio para as realizadoras: como retratar uma personagem tão rica com uma carreira de 60 anos em um filme de duas horas, e num período marcado pela formação da Tropicália, movimento cultural revolucionário do qual ela foi uma das representantes, ao lado de grandes nomes da música brasileira como Caetano Veloso e Gilberto Gil? Sem deixar de considerar que o movimento da Tropicália não teve a ver apenas com música, mas com todo o contexto de uma quebra de paradigmas, de comportamentos e de mudança cultural.

O filme não busca dar uma geral na vida pessoal de Gal. Mas como o período é o início dos anos 1970, um momento de repressão no qual surgiram canções emblemáticas e inesquecíveis que marcaram a cena musical, muitas na voz dela, tem também dados importantes de sua vida como pessoa.

O nome de Gal era Maria da Graça Penna Burgos Costa. O apelido lhe foi dado por Guilherme Araújo, que é uma abreviação de “Guilherme Araújo Limitada”.

Em última análise, o filme é também uma homenagem e um documento sobre o importante legado que ela deixou.

Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, a diretora Lô Politi contou o que a motivou a realizar o filme com Dandara, falou sobre a narrativa, que procurou fugir um pouco das cinebiografias tradicionais, além de novos projetos.

 

Qual a principal motivação para ter realizado – com Dandara Ferreira – “Meu nome é Gal”?

Olha, eu acho que a principal motivação foi a própria Gal, porque é uma figura absolutamente interessante, icônica. Assim, eu tenho uma admiração profunda pela Gal desde que nasci, porque meus pais já escutavam Gal. E fora isso, eu mesma acompanhei bastante da carreira da Gal, desde muito cedo. E eu tinha muito, muito, muito interesse em todos eles, na verdade, na Gal, no Caetano, no Gil e na Bethânia. Quando a gente começou a chegar perto do filme e eu comecei a me aprofundar mais em Gal, comecei a me apaixonar profundamente por ela, assim, pelos mistérios da Gal, sabe, pela coisa interna dela, pela dificuldade até de acessá-la. A gente sabia muito pouco dela. Tinha muito pouco registro do que a Gal pensava, de como ela era realmente. Tudo era muito para fora, as notícias que a gente tinha da Gal eram mais da carreira dela e ela era muito reservada. Então, ela era sempre uma figura cheia de muito mistério. E aí foi muito fascinante chegar nessa pessoa, pesquisar e mergulhar nesse universo da Gal que a gente apresenta no filme, porque é uma Gal lá do começo, uma Gal lá da juventude, do despertar dela. Então, fica mais interessante ainda, porque tem esse conflito de uma menina tímida, muito para dentro, muito introspectiva, que tinha muita dificuldade de se posicionar, de se colocar num momento que era exigido muito que os artistas se posicionassem e que ela se colocasse para fora de uma maneira que nunca tinha conseguido antes. Então, foi muito fascinante essa aproximação com a Gal.


Por sua colocação, entendo como foi difícil fazer um filme sobre a Gal, realmente uma das figuras mais icônicas da música brasileira. Fale um pouco mais sobre isso.

Olha, foi bem difícil, mesmo. Acho que respondi um pouco disso na pergunta anterior, porque a gente teve acesso a tudo que pôde ter sobre a Gal, mas é muito pouco do ponto de vista da personalidade dela, do ponto de vista interior. As entrevistas dela são muito vagas, ela era uma pessoa muito reservada, foi uma pessoa muito reservada e muito tímida a vida inteira. Então, foi difícil, porque a gente não tinha muito como acessar. Então, tivemos que fazer uma pesquisa muito profunda e se jogar para dentro da Gal de uma maneira muito delicada, porque a gente não sabia muito bem por onde ir. Assim, fomos conversando com os amigos dela, lendo tudo o que a gente podia ler, mas tinha muito pouco sobre ela mesma. E aí, acho que as músicas dela ajudaram muito e a gente conseguiu entender um pouco do funcionamento interno dela para poder fazer esse filme. Mas foi bem difícil, precisou de muito tempo, muita dedicação, muito estudo, muita conceituação. Mas, no final, acho que acabou bem, acho que deu certo.


Você confirma que houve a intenção de fugir um pouco do clichê de uma cinebiografia?

Sim, a gente tentou evitar ao máximo o que é o clichê da cinebiografia, o que é a cinebiografia tradicional, que normalmente tem um recorte de tempo amplo, que vai desde o comecinho da carreira até o final, até a pessoa morrer ou até acontecer algum problema. Ou pelo menos até o sucesso, até a pessoa fazer bastante sucesso. A gente optou por um recorte muito específico de tempo, de 66 a 71, que é o momento no qual ela desabrocha, o momento que ela fura a bolha da timidez. Ela era uma pessoa muito introspectiva, com muita dificuldade de se colocar, de se posicionar, e o momento exigia muito isso dela: o momento da ditadura, o momento da Tropicália, que era um movimento cultural muito forte, muito potente, e que exigia que as pessoas se posicionassem contra o que estava acontecendo, que era muito violento. Então, para a Gal, para a característica dela, isso foi muito difícil. Na verdade, isso acabou tendo uma força no filme, que para a gente, como cinema, era muito mais interessante do que uma cinebiografia tradicional que fosse conduzida pelos altos e baixos da carreira, por sucessos e fracassos e tal, que é algo que acaba deixando o filme mais superficial. A gente queria um filme que fosse levado pelo movimento interno da personagem, que viesse com mais força, com mais potência, e aí a carreira vem automaticamente junto, as músicas vêm junto e tudo, mas que o principal fosse essa potência interna da Gal, que precisava se jogar para fora, e essa era a dificuldade. Esse conflito era a dificuldade dela, esse era o conflito dela. Então, a gente acaba saindo – e queríamos isso – do que é o tradicional da cinebiografia. Então optamos por esse caminho.


Tem algum projeto novo em mente?

Sim, ele se chama Apneia, estou terminando de escrevê-lo, estou começando a levantar os recursos pra filmar. Eu espero filmar logo, talvez no ano que vem. Ele se passa em 1975 e é a história de uma menina de 10 anos, uma menina que tem fascínio pelo irmão. Queria ser como irmão, queria ser livre como irmão, e aí na piscina do clube onde ela está passando umas férias no verão, ela se encanta por um menino que faz apneia (ele tenta ficar o máximo de tempo debaixo da água). E através desse menino, através da apneia, ela começa a se libertar dessa obsessão que tem pelo irmão e a achar essa potência dentro dela mesma. Então é isso, é o meu próximo projeto, que deve sair em breve.

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