A guerra civil no Equador
Alexandre Braga , Jornal do Brasil
RIO - Uma guerra civil de proporções ainda não calculadas poderá assolar o Equador e retardar o processo de crescimento civilizatório jamais visto nessa região andina. Processo que tem a alcunha de Socialismo do Século 21, e cujo ideólogo é o presidente da Venezuela, Hugo Chávez; suas várias medidas trouxeram estabilidade política ao país, já que, após 30 anos, o Equador conseguiu reeleger um presidente na esteira da reabertura democrática, promulgou uma nova Carta constitucional, sancionou uma série de políticas em prol da promoção da igualdade racial e tem intensa agenda de ações no setor de desenvolvimento econômico. Mas, apesar do clima de otimismo que toma conta das pessoas nas ruas e comunidades afro e indígena , com essa nova realidade política, o fantasma do separatismo e de um possível golpe de Estado não é expectativa de tempos passados. Isso porque os grupos descontentes que saíram derrotados nas recentes eleições parlamentares equatorianas, muitos deles representantes do setor financista e das velhas camadas da elite, ainda mantêm vivas as esperanças da volta ao poder central para frear os avanços sociais que o Equador está trilhando a duras penas.
Liderada por Jaime Nebot, do Partido PSC e prefeito de Guaiaquil, um dos maiores centros da especulação econômica da América Latina, e por Madera Guerrero, essa pequena fração das oligarquias ainda controla boa parte da economia e dos meios de comunicação e exerce certa influência na opinião dos cidadãos equatorianos. Nebot se reelegeu prefeito de Guaiaquil com exatamente 68,44% dos votos contra os 44,62% da candidata apoiada por Rafael Correa, María Duarte.
O impasse começou ainda nos pré-lançamentos das candidaturas eleitorais no pleito convocado para escolher 124 membros da Assembleia Nacional, 23 governadores, 221 prefeitos e 1.581 vereadores, além do próprio mandatário principal, o presidente da República. Correa sagrou-se vitorioso ainda no primeiro turno das eleições com 51,99%, tornando-se presidente do Equador pela segunda vez. Em janeiro, sua coligação Pais lança a candidatura de María Duarte a prefeita de Guaiaquil para enfrentar Jaime Nebot e Madera Guerrero, que conta com o apoio maciço do empresariado local e tem como triunfo o badalado Malécon um centro turístico de 2,5 km inaugurado quando Nebot foi chefe da municipalidade no ano 2000. Nebot e Guerrero vencem e lançam brutal campanha contra a decisão do presidente Rafael Correa de renegociar o contrato de prestação de serviços da companhia distribuidora de água Interagua por abusos nos preços dos serviços prestados. Os opositores de Correa reclamam ainda uma dívida de 34 milhões de dólares, que supostamente o governo do presidente teria com a cidade de Guaiaquil. Jaime Nebot chama o governo de Rafael Correa de irresponsável e ineficiente , e por causa dessa decisão utiliza a propalada pendência para insuflar os moradores contra o governo central.
Para piorar os ânimos dessa guerra anunciada, um grupo de camelôs e trabalhadores informais reivindica o livre exercício profissional nas ruas da cidade. Nebot alega que isso traria mais prejuízo ao comércio, mas articula uma revolta desses comerciantes informais contra o governo; para tanto organiza um exército de mais de 100 mil comitês cívicos para lutar contra Rafael Correa. Essas ações já provocaram diversos confrontos tanto com a Polícia Metropolitana quanto com a Polícia Nacional. No interior do Equador, a oposição é encabeçada pelo empresário e homem mais rico do país, Álvaro Noboa, candidato derrotado nas eleições gerais de abril de 2009 e membro do Partido Renovador. Por causa da aplicação do Projeto de Soberania Energética, que deve consumir a cifra de 152 milhões de dólares na melhoria do sistema elétrico equatoriano, tem havido alguns casos de apagões em Guaiaquil, Quito, Miraflores e Guayas, pois nessas localidades acontece a interrupção temporária da energia para a troca de novas turbinas pela Transeletric Companhia Elétrica do Equador (Celec). Os oposicionistas Nebot, Álvaro Noboa e consortes têm procurado insuflar a população contra essas atualizações no setor. O caso mais recente é o dos meios de comunicação, nos quais está em curso o Projeto das Telecomunicações, que visa corrigir históricas distorções e colocar em prática a justiça midiática. A turba oposicionista tentou usar o fechamento temporário da Rádio Voz de Arutam, na cidade de Morona Santiago, como motivo para que grupos indígenas se rebelassem contra o governo Correa.
Muitos desses grupos mostraram que isso ocorreu porque a rádio usava dos conteúdos violentos e atentava contra os valores das crianças e adolescentes, crime que mundialmente é condenável.
Vi, ouvi e presenciei um Equador com todos os ingredientes de uma guerra civil à flor da pele. Em que pesem os ótimos compromissos públicos da gestão de Rafael Correa com seu povo, o clima de conspiração e separatismo é muito forte, pois setores importantes do sistema financeiro, especulativo e empresarial e da elite não se conformam em ver em ascensão o poder popular para beneficiar os pobres e historicamente excluídos. Guaiaquil prepara-se silenciosamente para ser o mais novo país latino-americano, a República de Guaiaquil, com o beneplácito dos Estados Unidos e incentivo do Banco Mundial.
Há inclusive um plano, já pronto, de divisão territorial com sete zonas principais encabeçadas por Esmeraldas, Pichincha, Cotopaxi, Manabí, Guayas, Cañar e El Oro. Portanto, as notícias oficiosas divulgadas pelas Farc, e reiteradas pelo camarada Hugo Chávez, de que a Colômbia prepara intento militar contra a soberania do Equador, não são nada desprezíveis.
Alexandre Braga é relações-públicas, articulista e coordenador de Comunicação da União de Negros pela Igualdade (Unegro) - Minas Gerais/Brasil.