Agenda pós-Copenhague

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Aloizio Mercadante *, Jornal do Brasil

BRASÍLIA - A reunião de Copenhague encerrou-se sob clima de grande frustração. Com efeito, muitos esperavam que a COP 15 resultasse num acordo juridicamente vinculante, que comprometesse todos os países com metas ambiciosas de redução das emissões dos gases do efeito estufa, de modo a salvar o planeta e a população humana das sérias consequências do aquecimento global. O acordo político possível resultante da COP 15 acena, entretanto, com alguma esperança para o planeta, caso as pomposas declarações e as metas voluntárias sejam plasmadas num tratado internacional que aprofunde e amplie o Protocolo de Kyoto.

Porém, o relativo fracasso da COP 15 oculta avanços significativos. O mais relevante, do nosso ponto de vista, tange à mudança na posição brasileira. Até tempos recentes, o Brasil, a exemplo de outros países em desenvolvimento, vinha adotando atitude eminentemente defensiva nos debates internacionais relativos às questões ambientais. Tal atitude devia-se ao fato de que as causas ambientais foram marcadas durante muito tempo por certo neomalthusianismo que tendia a comprometer o desenvolvimento dos países periféricos.

Na Primeira Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, no ano de 1972, houve um forte conflito de posições entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Os primeiros, congregados no chamado Clube de Roma, questionaram a forma de desenvolvimento dos países emergentes, especialmente no que tange ao desmatamento, e chegaram até a pedir a internacionalização da Amazônia e de outras florestas tropicais. Inspirados por uma visão restritiva do desenvolvimento, os ambientalistas dos países avançados tendiam, assim, a demandar limites para o crescimento dos países emergentes, contrapondo o meio ambiente ao desenvolvimento.

O Brasil e outros países reagiram duramente a essa visão simplista e injusta. Nosso país alegou, com razão, que a maior parte dos danos aos biomas e à biodiversidade havia sido ocasionada justamente pelos países desenvolvidos, nos quais as formações nativas foram quase que totalmente dizimadas. Desse modo, as nações avançadas deveriam reconhecer a sua responsabilidade histórica com o desequilíbrio ambiental e cooperar com os países em desenvolvimento. A tese preservacionista só faria aumentar as enormes assimetrias entre os países.

Esse conflito entre preservacionistas e desenvolvimentistas marcou profundamente o debate sobre o meio ambiente no cenário mundial, principalmente ao longo das décadas de 70 e 80, e levou o Brasil e outros países emergentes a adotarem posição eminentemente defensiva na questão ambiental.

Não obstante essa posição historicamente defensiva, os avanços internos que se observaram em nosso país na área ambiental possibilitaram uma notável inflexão na posição brasileira, assumida por ocasião da reunião da COP 15. Com efeito, o Brasil levou a Copenhague o compromisso de reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões de gases de efeito estufa e o desmatamento na Amazônia em substanciais 80%. Passamos a ter, desse modo, posição mais propositiva na questão ambiental, que deve ser mantida e aprofundada na próxima reunião da COP no México.

O Brasil reúne todas as condições para se colocar na vanguarda da conciliação entre meio ambiente equilibrado e o direito ao desenvolvimento. Temos matriz energética relativamente limpa e possuímos a maior biodiversidade do planeta. Somos liderança mundial no uso de energias renováveis e temos condições de estimular o uso mundial de biocombustíveis, sem prejudicar a produção de alimentos e a preservação dos biomas. Assim, para o nosso país a necessária transição de uma economia baseada no carbono para uma economia verde representa mais oportunidades do que riscos. Podemos, nessa transição, acelerar nosso desenvolvimento e gerar um bom número de empregos verdes .

No plano internacional, contudo, falta resolver a questão do financiamento. Há um impasse: os países mais pobres não aceitam arcar com os custos do combate ao aquecimento global, se não receberem auxílio financeiro. Já os países ricos, muito afetados pela crise global, não têm como disponibilizar esse auxílio na escala necessária. Precisamos, assim, de nova e robusta fonte de recursos. Por isso, venho propondo, desde 2007, a criação de um novo Fundo Ambiental Mundial.

A ideia é simples, mas inovadora: cada país cobraria taxa de até 1% do valor de suas importações, desonerando os bens ecologicamente saudáveis e onerando os bens que têm maior impacto ambiental. Como medida complementar, poder-se-ia transformar o Pnuma em agência especializada da ONU, para gerir os recursos arrecadados.

Com potencial arrecadador de até US$ 100 bilhões/ano, esse fundo, além de não comprometer o equilíbrio macroeconômico, complementaria as fontes existentes para financiar o combate às mudanças climáticas e contribuiria para solucionar o impasse que impede a celebração de um grande acordo internacional sobre o tema. É uma proposta que poderia ser assumida pelo Brasil, levando esperança ao mundo pós-Copenhague. Caso haja um.

* Senador (PT-SP)