Família e Espiritualidade
O relato de São João sobre as Bodas de Caná (Cap.2,1-11), embora tendo um alcance mais amplo como sinal do Reino, nos coloca, no entanto, diante de um momento de início de uma nova família. Nas Escrituras muitas vezes encontramos os relatos sobre família, significando o relacionamento do povo com Deus. Mas olhemos o relato sobre o ângulo da presença de Cristo junto à família. Ele quis iniciar o anúncio do Reino em um casamento, mostrando que a família é importante para Ele.
A família é a base, o esteio, o sustento da sociedade. Recorda-nos São João Paulo II que o futuro da humanidade passa pela família. No entanto, ao longo da história da humanidade, olhando em geral, assistimos à destruição de nações, ideologias e reinos que se tornaram apenas um fato passado depois que decaíram nos costumes, na corrupção e na desvalorização da família.
Hoje, a aliança entre o casal foi abalada para se tornar apenas um contrato temporário, e os filhos, necessitados do carinho dos pais, ficam a mercê de julgamentos judiciário sobre direitos e tempo de companhia, quando não também com problemas de disputa financeira. Assistimos o contrário do que sonhamos como família: filhos drogados matam ou mandam matar os pais, pais matam filhos por motivos fúteis, mães se desfazem de seus bebês, quando não cometem o aborto quando a criança não tem como se defender, divisões e divergências as mais variadas no interior das famílias. Os filhos sentem a necessidade dos pais. O Ser humano nasce dependente de tudo e de todos. Não sobrevivemos sozinhos. E isso desde o nascimento até o final de nossas vidas. Quando pensamos que somos independentes, muitas vezes nos isolamos ou nos colocamos em litígios de uns contra os outros.
O amor está sendo retirado do coração dos homens e das mulheres. A possibilidade do perdão e da unidade tornou-se um sonho longínquo. A vingança e as brigas, muitas vezes físicas, destroem os relacionamentos. E, em consequência disto, a família está perdendo a sua unidade e a sua dignidade. Isto acarreta a dissolução dos costumes. A família decai e a sociedade decai. Precisamos compreender e nos lembrar sempre de que Deus nos deu uma família a fim de que, num âmbito menor, nós pudéssemos aprender a amar todos os nossos semelhantes.
O desenvolvimento tecnológico tem seus pontos benéficos. Facilitou a vida das pessoas. Basta pensar na comunicação, transporte, ciências, medicina entre outras situações. Embora se possa questionar sobre a mercantilização de tudo isso, não se pode deixar de salientar as facilidades de hoje. Porém, isso desencadeou também uma mentalidade da “lei do menor esforço” que grassa em todos nós. Mas também nos assustamos em ver a proporção que tomou a violência e guerras em nossa sociedade. Para viver em paz é preciso perdoar, compreender, dialogar, encontrar-se – e isso exige esforço.
Na passagem das Bodas de Caná, Jesus transformou a água em vinho, em bom vinho. Ele poderia ter tirado o vinho do nada, mas Ele quis a participação humana. Por isto, mandou que enchessem as talhas de água.
Hoje também Ele quer que nós enchamos a talha de nossa vida, a nossa existência, de água que Ele transformará no melhor vinho. Aliás, foi assim também com os cinco pães e dois peixes. Precisamos nos colocar nas mãos do Senhor. E Ele fará as maravilhas.
Isso quer dizer que precisamos colocar amor em nossa vida, em nossa família, para que Ele reine entre nós trazendo a comunhão trinitária. Não é fácil cultivar o amor. Mas o difícil, quando conquistado, tem um valor inestimável. Temos prova disto. Viver em família, viver em união dentro da família não é fácil. Mas fácil não é sinônimo de bom.
A família precisa de amor para ser bem estruturada. A sociedade precisa das famílias para realizar a justiça e a paz, porque a sociedade é uma família amplificada. Falta o vinho para as nossas famílias. Esse vinho é o amor. Que os pais assumam verdadeiramente o seu papel. Apesar de ser bem árdua a tarefa dos pais no mundo de hoje, não se pode desanimar. É necessária e urgente a ação dos pais. O jovem é, por natureza, irrequieto, quer ser independente. Desperta para o mundo e seus problemas e questiona tudo. Mas os pais precisam participar de sua vida de uma maneira ou de outra, porque, mesmo errando, algumas vezes, ainda assim, os pais têm capacidade de orientar e ajudar os filhos. Não se pode deixar tudo por conta dos companheiros, da escola, da sociedade ou de sua própria solidão.
Os pais devem fazer o acompanhamento dos filhos, procurar saber o que está acontecendo com eles, tentar ajudar de várias maneiras: com orientações, com atitudes exemplares, com o diálogo e com orações.
Muitas vezes, os pais se sentem impotentes. Muitas vezes, achamos que já fizemos tudo e que nada conseguimos. Entretanto, o Senhor nos pede que enchamos as nossas talhas de água e nos coloquemos diante Dele. Façamos a nossa parte, isso quer dizer. E Maria já estará falando com o Filho: "Eles não têm vinho." E Jesus virá nos transformar, transformar a nossa água em bom vinho, transformar a nossa dificuldade em vitória.
Na família reside a esperança de tempos novos, do futuro da humanidade. Nesta Semana Nacional da Família, quando refletimos sobre a importância da espiritualidade na família, somos convidados a espalhar esse amor como sementes de um mundo novo em nossa sociedade.
Que o Senhor abençoe todas as nossas famílias e as faça felizes e iluminadas, transmitindo com entusiasmo a vida de fé aos seus filhos.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist. - Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ