Baianas do carnaval enfrentam maratona para marcar presença na Sapucaí

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A idade, entre 60 e 80 anos, não é empecilho para um grupo 20 de senhoras que gosta de desfilar em mais de uma escola de samba, no mesmo ano. Mas não basta passar na avenida. Precisa ser em um espaço específico no enredo de cada uma das agremiações: a ala das baianas.

Umas, vestidas com o figurino próprio, já começam a extravasar a alegria em blocos de rua que antecedem o início do carnaval, mas na Marquês de Sapucaí, a partida para a maratona é na sexta-feira (9) no grupo da série A, continua no domingo (10) e na segunda (11) no Grupo Especial, sem esquecer das escolas das séries B, C, D e E, que saem na Estrada Intendente Magalhães, no bairro do Campinho, na zona norte, entre sábado (10) e terça-feira (13). A programação da agenda é minuciosa para não ter problemas com os horários.

Depois de passar em todas as escolas programadas, que este ano são cinco, Tia Verinha, de 66 anos, ainda terá fôlego para o bloco do bairro, mesmo com uma fratura na costela. “Eu caí na rua. Levei um tombo bobo”.

Nos anos 80 Tia Verinha era passista, mas a falta de uma baiana na escola a fez atender ao pedido para compor a ala e nunca mais saiu. “A baiana é a mãe da escola”, disse, vaidosa, destacando que gosta da cerimônia para a entrada das baianas e da velha guarda nos ensaios das escolas de samba."É muito respeito".

Orgulho de ser baiana

Todas as baianas têm a sua escola do coração, mas isso não impede de desfilar em outra agremiação. O que move tanta disposição não é pertencer à ala das baianas de uma escola específica, e sim ser baiana. “Ninguém tem baiana. As baianas são do samba. Elas são livres para desfilar em todas as escolas. Todas as baianas representam uma arte, que é a arte de girar, de passar alegria e entusiasmo na avenida”, diz Tia Sandra, que coordena de um grupo de baianas há muito tempo: foram 30 anos na Porto da Pedra, do município de São Gonçalo, na região metropolitana, e agora tem cinco anos que atua na Paraíso do Tuiuti, de São Cristóvão, bairro da zona norte do Rio.

Para Tia Sandra, saber que cada uma das suas “meninas” tem necessidades diferentes é o que mantém a união de todas. Tem que entender as circunstâncias diversas entre elas, como o tempo para participar dos ensaios, a distância para se deslocar para a quadra da escola, as atividades que desenvolvem para manter o orçamento da família, a falta de segurança na comunidade onde moram.

“É saber administrar tudo isso, os problemas, e conseguir contornar tudo. Passar para a diretoria que mesmo que não tenham vindo um dia, elas sabem o samba e estão ensaiando forte. A gente tem um grupo no Whatsapp e eu passo para elas as orientações da diretoria. A coordenadora Sandra não é nada, se elas não estiverem me apoiando”, afirmou, mostrando como administra o grupo.

A alegria nos olhos delas é visível quando comentam o momento especial do desfile, quando o ritmo do samba enredo facilita o giro da baiana. A coreografia do grupo costuma emocionar o público.

O desafio do figurino

Mas a vida de baiana tem também suas dificuldades. Uma delas é o figurino. “O carnavalesco não pensa que dentro daquela roupa estão senhoras de 60, 70, 80 anos. Ele pensa que todas elas têm no máximo 20 anos para carregar aquela coisa toda, aqueles enfeites”, disse.

Para evitar que o peso da roupa prejudique a evolução da ala e garantir o efeito visual esperado, Tia Sandra adotou a estratégia de se aproximar do carnavalesco. Logo que são apresentadas as fantasias das alas, no início da preparação para o carnaval do ano, Tia Sandra pega o protótipo e faz experiências.

“Na Porto da Pedra, todos os carnavalescos que passavam por lá já me conheciam e, por trabalhar durante muito tempo, eu me intrometia na roupa. Eu vestia, rodava para lá e rodava para e dizia para o carnavalesco: olha, não dá para fazer o que você quer com essa roupa. Aí a gente saía mudando a roupa, não tirando o brilho que ele planejava, mas mudando alguns tecidos e algumas coisas que tornasse a fantasia mais acessível para elas [as baianas] vestirem. Nos cinco anos que estou aqui [Tuiuti], mostrei a minha cara para o carnavalesco e ele tem me escutado”, contou.

Tia Sandra reconheceu que o formato dos chapéus ou o tipo de sapato da fantasia podem incomodar durante o desfile, mas não teve dúvida para apontar o peso das ombreiras com “esplendores gigantescos” nas costas como a maior dificuldade para uma baiana.

“Baiana propriamente dita tem um chapéu, um pano nas costas diferenciado. Agora, [o carnavalesco] acha que tem que carregar adereços enormes, coisas nas mãos, que não têm muito a ver com o simbolismo de uma baiana, é muito difícil”, avaliou.

A ala da Tuiuti, formada por 80 baianas, promete muita empolgação para este ano, e não quer nem saber da rigidez dos diretores de harmonia, que têm a responsabilidade de não permitir espaços entre os componentes da escola.

“Escola de samba não é um quartel, é uma coisa leve, descontraída. A gente vem para mostrar a nossa roupa e agradecer ao público que está lá nos assistindo. Para fazer isso a gente precisa evoluir,brincar e estar linda para o povo gostar daquilo está vendo. Então, a gente vai ter muitas surpresas com a Tuiuti este ano”, revelou.

O enredo da escola este ano é Meu Deus, Meu Deus, está extinta a escravidão?. Com ele a escola pretende fazer pensar que, apesar de ter ocorrido a libertação dos escravos, não houve integração, igualdade de direitos e cidadania. “A gente precisa mostrar isso com o nosso canto, soltar a nossa voz para verem que o nosso samba, neste Brasil de hoje, é muito atual. Fazer a pergunta para a população, se a gente está liberto ou não”, defendeu Tia Sandra, destacando que as baianas representam a nobreza africana dentro do enredo.