Borboleta-guerreira-das-pedras: uma nova espécie nas serras de Minas Gerais
A espécie recém-descrita corresponde a um novo gênero e foi encontrada apenas nas montanhas desprotegidas do leste mineiro, já sob ameaça de extinção
Duda Menegassi - Em meio às grandes montanhas do leste de Minas Gerais, um pequeno ser se sobrepôs à paisagem e capturou o interesse dos pesquisadores durante uma expedição científica. Tratava-se de uma borboleta de menos de três centímetros de uma ponta a outra de suas asas castanho-avermelhadas. Dois a três machos bailavam no ar, travando batalhas um contra o outro. Este comportamento, muito provavelmente para defender o território, chamou atenção e foi dele que nasceu o nome da espécie recém-descrita: borboleta-guerreira-das-pedras (Agojie rupicola).
Entre o primeiro encontro com a borboleta nas montanhas, em 2020, até a confirmação de que se tratava de uma nova espécie, houve um longo processo. A coleta foi feita pelo entomólogo Danilo Cordeiro, do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), que integrava a expedição do instituto, com o objetivo de mapear os ecossistemas rochosos da Mata Atlântica.
Do campo para o laboratório, a especialista Thamara Zacca, professora do Departamento de Entomologia do Museu Nacional (UFRJ), suspeitou, assim que recebeu os exemplares, que aquela borboleta era algo inédito para a ciência. Entretanto, foram necessárias análises e um estudo minucioso para confirmar a identidade da pequena guerreira – tão peculiar pelo formato das suas asas e sua genitália que justificou a proposição de um novo gênero para encaixar sua classificação.
A descrição da nova espécie e do gênero Agojie foi publicada em artigo na revista científica Zootaxa na última sexta-feira (15), assinado por Danilo e Thamara, junto com o botânico Paulo Gonella, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
O nome do gênero – e da espécie – foi uma referência às guerreiras Agojie, do reino de Daomé, da África Ocidental, história real na qual é baseado o filme “A Mulher Rei”, estrelado por Viola Davis. “Quando assisti ao filme ‘A Mulher Rei’, adorei o papel de liderança da Viola e a união das guerreiras Agojie. Achei que essa seria uma excelente oportunidade para fazer tal homenagem e também unir ciência à cultura pop”, compartilha a pesquisadora Thamara.
Já o “rupicola” é uma referência aos habitats onde essa espécie foi encontrada: os ambientes rochosos da Mata Atlântica, neste caso as Serras do Padre Ângelo, do Parado e da Palha Branca, além da Pedra de Santa Rita, todas no leste de Minas Gerais.
Da junção dos dois conceitos nasceu o nome científico Agojie rupicola, a borboleta-guerreira-das-pedras.
O mesmo ambiente que está agora impresso no seu batismo representa uma preocupação dos pesquisadores. “Isso porque essa espécie, apesar de acabar de ter sido descoberta, já se encontra ameaçada de extinção pelo desmatamento, fogo e invasão dos seus habitats por gramíneas africanas”, alerta Danilo.
Por enquanto, a espécie foi encontrada apenas nas serras dos municípios mineiros de Conselheiro Pena e Santa Rita do Itueto, uma ocorrência restrita que reforça a preocupação dos pesquisadores com sua conservação. No artigo, eles sugerem que a espécie seja classificada como Em Perigo de extinção.
Além disso, todos os 18 espécimes coletados são machos, o que representa uma lacuna para compreensão da espécie como um todo. Por isso, os pesquisadores orientam que em futuros trabalhos de campo a prioridade seja coletar fêmeas e indivíduos juvenis.
Serras únicas e desprotegidas
Desprotegidas e vulneráveis, as montanhas do leste de Minas Gerais abrigam vários habitantes peculiares além da borboleta-guerreira. Duas novas espécies de plantas, a bromélia-enigmática, descrita em março deste ano, e um raro maracujá-das-pedras, em janeiro de 2022, reforçam a importância da região.
“Essas descobertas se seguiram à descoberta da maior planta carnívora das Américas, a Drosera magnifica, em uma montanha da região, nomeada em 2015″, lembra o botânico Paulo Gonella.
Devido a sua relevância ambiental, os pesquisadores reforçam a necessidade de criar uma unidade de conservação que garanta a proteção das montanhas e suas espécies tão únicas. “Temos conversado com a comunidade, os órgãos ambientais e o poder público local para pensar na melhor estratégia de proteção das montanhas da região. Uma proposta de Unidade de Conservação está sendo elaborada com o auxílio do Plano de Ação Territorial Capixaba-Gerais, uma importante ferramenta para pensar coletivamente em ações para proteger espécies ameaçadas de extinção”, conta Gonella.
Para chamar atenção da sociedade, o INMA produziu um mini-documentário chamado “Terra de Gigantes” (parte 1 e parte 2), sobre as espécies da serra e sua beleza cênica.