Estudo impulsiona física experimental de neutrinos no Brasil 

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Em março, o experimento internacional Double Chooz publicou na Physical Review Letters seus primeiros resultados, que incluíram uma importante descoberta relacionada à chamada oscilação de neutrinos. A descoberta foi considerada como um passo importante em direção à compreensão de fenômenos que poderão ajudar a explicar a origem da assimetria entre matéria e antimatéria no Universo.

De acordo com os cientistas brasileiros que contribuíram com o artigo, a participação brasileira no Double Chooz permitirá que o país desenvolva, no Brasil, a Física Experimental de Neutrinos, considerada uma das mais importantes áreas de pesquisa da atualidade.

Com o sucesso obtido nas primeiras medições, o Double Chooz, que começou a obter dados em 2011, continuará a aprimorar as pesquisas. Um novo artigo acaba de ser submetido à Physical Review Letters, também com participação da equipe brasileira, que envolve cientistas do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Um dos coautores do artigo que descreve os primeiros resultados do Double Chooz, Ernesto Kemp, professor do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia da Unicamp, explica que o experimento procura medir oscilações de neutrinos com precisão sem precedentes, ao observar antineutrinos produzidos em um reator nuclear em Chooz, na região das Ardenas, na França.

"O experimento obteve uma indicação de desaparecimento de antineutrinos do elétron durante sua propagação entre o reator nuclear de Chooz e um detector situado a 1 km de distância. Esse resultado nos permitiu estabelecer uma primeira medida do chamado ângulo de mistura theta13", disse Kemp.

A participação brasileira teve apoio da Fapesp na modalidade Auxílio à Pesquisa - Regular, com o projeto "Medidas de neutrinos em usinas nucleares", coordenado por Pietro Chimenti, da UFABC. João dos Anjos coordenou a equipe do CBPF.

Chimenti e Anjos também são coautores do artigo, que teve participação de cientistas da França, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Rússia. Kemp é um dos pesquisadores principais do Projeto Temático "Estudo dos raios cósmicos de mais altas energias com o Observatório Pierre Auger", coordenado por Carola Chinellato, também professora do Instituto de Física da Unicamp.

A medida do ângulo de mistura theta13, segundo Kemp, é crucial para futuros experimentos destinados a medir a diferença entre oscilações de neutrinos e antineutrinos e a verificação de fenômenos que poderiam vir a explicar a origem da assimetria entre matéria e antimatéria no Universo.

"A grande conquista já foi realizada, ao provar que o ângulo theta13 tem valor diferente de zero. Havia muita especulação sobre a medida desse ângulo e, caso o valor fosse zero - indicando a ausência da mistura de neutrinos -, isso teria inúmeras implicações na física, especialmente em cosmologia e astrofísica de partículas. As próximas etapas da missão consistem em refinar cada vez mais esse valor, aumentando a precisão da medição do ângulo", afirmou Kemp.

A contribuição brasileira consistiu no desenvolvimento e construção de uma eletrônica capaz de medir a energia dos múons cósmicos que cruzam o detector - os múons são partículas da família dos léptons, como os elétrons e os taus.

"Isto possibilitará identificar e rotular múons altamente energéticos e candidatos a produzir nêutrons por espalação, uma das fontes mais importantes de ruído para eventos de neutrinos", afirmou Kemp.

A eliminação desse ruído permitirá reduzir os erros sistemáticos na medida de theta13. A eletrônica foi projetada no CBPF e os módulos para o detector mais distante estão sendo construídos em cooperação com indústrias brasileiras e serão adicionados ao detector central em 2012 por ocasião de uma parada para manutenção, segundo Kemp.

Caminho aberto para novas descobertas

O próximo passo das pesquisas no Double Chooz consistirá em aprimorar a precisão da medida do ângulo de mistura para estabelecer um valor definido.

De acordo com Kemp, a principal consequência da descoberta de que o ângulo é diferente de zero está associada ao que os cientistas chamam de "fase de CP". De acordo com Kemp, "C" é uma transformação de carga das partículas e "P" é uma transformação de paridade.

"Uma transformação de CP inverte o comportamento espacial das partículas, como em um espelho. 'C' troca a carga elétrica das partículas envolvidas na interação. A fase de CP determina quanto existe de assimetria nas interações fundamentais que levam à criação de matéria e antimatéria", explicou Kemp.

A medida do ângulo de mistura theta13 é crucial para futuros experimentos que verifiquem a existência de violação de CP no setor leptônico. "A compreensão desse fenômeno nos abrirá as portas para explicar por que, quando se tem interações fundamentais gerando léptons, ocorre uma assimetria que leva o surgimento de matéria a superar o de antimatéria", disse.

As observações científicas até hoje mostram que há muito mais matéria que antimatéria no Universo, mas até agora os pesquisadores não conseguiram explicar esse fato. As novas descobertas proporcionam condições para que se chegue a uma teoria mais efetiva sobre esse problema. "Se o valor do ângulo theta13 fosse zero, jamais teríamos acesso a uma medida para medir a fase de CP. Seria definitivamente impossível desvendar um dia o mistério da desproporção entre matéria e antimatéria que observamos na natureza", disse Kemp.

"Com nossos resultados, poderemos estabelecer critérios e experimentos para elaborar medidas e ter acesso experimental ao número de violação da fase de CP. Não será fácil, mas agora sabemos que não estamos em um beco sem saída científico", disse.

Com informações da Agência Fapesp