A poesia que chega no saco de pão
Embalagens ganham vida com os versos de crianças e adolescentes
Que tal ir até a padaria e comprar alguns pães embalados por poesia? Na região metropolitana de Belo Horizonte, as embalagens ganham vida com os versos de crianças e adolescentes. Trata-se do projeto Pão e Poesia, uma iniciativa criada pelo mineiro Diovani Mendonça, que já aproximou alunos de 22 escolas públicas da literatura. Com oficinas de sensibilização poética, os estudantes são estimulados a ler e produzir poemas que ultrapassam os muros da sala de aula.
“Eu pensei em colocar os poemas no saquinho de pão porque as pessoas vão todos os dias à padaria”, explicou o idealizador do projeto. Para ele, os versos podem estar muito mais próximos do cotidiano das pessoas do que das estantes de bibliotecas. Analista de sistemas autodidata, Mendonça estudou apenas até a sétima série, mas isso não o impediu de se tornar um poeta apaixonado pelos versos. E coincidência ou não, o mineiro ainda carrega consigo o orgulho de ter nascido em 12 de outubro, o dia nacional da leitura.
No período da infância e da adolescência, ele costumava passar os dias no colégio para acompanhar a mãe, que trabalhava como servente escolar. Em uma tarde, durante uma de suas andanças pela escola, um livro aberto deixado na biblioteca chamou sua atenção.
A obra era uma adaptação de Dom Quixote feita por Monteiro Lobato. Sem pensar muito, o garoto levou o livro para casa. “A partir disso, eu comecei a me interessar e ler tudo o que eu via pela frente”, lembrou.
Mesmo encantado pelo universo das letras, deixou a escola desmotivado pelas brincadeiras de mau gosto feitas por colegas de classe e as humilhações sofridas por ter dificuldade em matemática. Quem diria que, após muito anos, aquele mesmo garoto que não concluiu o ensino fundamental iria aproximar mais de 500 crianças e adolescentes da literatura. Hoje, com o Pão e Poesia, ele já distribuiu gratuitamente mais de 1 milhão de saquinhos por padarias da região.
Na primeira edição, realizada em 2008, o projeto estampava versos de poetas de renome e desenhos de artistas plásticos homenageados. Além disso, Mendonça também incluiu a seleção de alguns poemas que foram enviados pelas pessoas. Inicialmente foram feitas 300 mil embalagens, todas produzidas na base da colaboração. O amigo Renan Rocha, que trabalhava no ramo de embalagens, cedeu o papel, outra pessoa se prontificou a ajudar com as tintas e a partir daí o projeto ganhou forma. Ele se manteve assim até conseguir uma verba de incentivo à cultura, conquistada após ganhar o primeiro lugar no concurso Pontos de Mídia Livre, em 2009. Um ano depois, a iniciativa também foi reconhecida pelo Ministério da Cultura e conquistou o título de Selo Cultura Viva.
Quando a primeira leva de embalagens acabou, o mineiro quis plastificar as poucas unidades que sobraram e decidiu levar até as escolas da região para expor o seu projeto. Dessa aproximação, surgiu a ideia de desenvolver oficinas de literatura com os estudantes, passando a estampar a produção feita por eles nos saquinhos de pão. “Eu pensei em uma forma de levar a poesia até as pessoas de uma forma que não fosse por livros”, contou. Durante períodos de aproximadamente duas horas, com os chamados “momentos de sensibilização poética”, os estudantes adquirem o contato com a poesia e são estimulados por a se arriscar na produção dos primeiros versos.
O analista de sistemas conta que esse processo é totalmente livre e pode variar de escola para escola. Tudo vai depender do momento e a percepção dos oficineiros responsáveis pela sensibilização poética dos alunos. “Para mim, as coisas formalizadas demais não servem”, contou. De acordo com ele, o mais importante dessa atividade não é estimular a leitura ou a escrita. “Eu quero fazer com que esses alunos consigam pensar fora da caixinha.”
Atualmente, o projeto Pão e Poesia não está realizando novas oficinas. Porém, os saquinhos de pão produzidos pelos alunos da última edição ainda estão em circulação. Segundo Mendonça, existem planos de promover novas turmas e expandir o projeto para algumas cidades de São Paulo e do Paraná. Além disso, ele também tem organizado outros projetos ligados à poesia, como a grafitada poética e a distribuição de poemas em praças públicas – sempre com a intenção de levar a poesia ao cotidiano das pessoas.