Pesquisadores brasileiros desenvolvem microchip para o acelerador de partículas
Pesquisadores do Instituto de Física (IF) e da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estão desenvolvendo um microchip para ser usado em um dos experimentos do maior acelerador de partículas do mundo: o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN), na Suíça.
A segunda versão do protótipo do chip, desenvolvido no âmbito do “Projeto de um Asic de aquisição e processamento digital de sinais para o Time Projection Chamber do Experimento ALICE”, apoiado pela FAPESP, deverá ser concluída no próximo mês de julho.
“A ideia é que essa segunda versão do protótipo do chip seja testada em setembro e, se tudo der certo, a produção seja iniciada em 2016”, disse Marcelo Gameiro Munhoz, professor do IF-USP e participante do projeto, à Agência FAPESP.
De acordo com o professor, o chip, batizado como Sampa, será usado no ALICE (sigla de A Large Ion Collider Experiment) – um dos quatro grandes experimentos do LHC, que envolve cerca de 1,3 mil cientistas de mais de 30 instituições de pesquisas ao redor do mundo, incluindo o IF-USP.
O experimento deverá passar nos próximos anos por um processo de atualização com o objetivo de estudar fenômenos mais raros a partir de partículas produzidas em colisões de íons pesados a partir de 2020, quando será aumentada a taxa de produção de colisões no LHC de 500 hertz (Hz) para cerca de 50 quilohertz (kHz).
“O LHC interrompeu as atividades em 2013 e está retomando-as agora para aumentar a energia no centro de massa do colisor [de entre 7 e 8 teraelétrons-volts (TeV) para 13 TeV]”, explicou Munhoz.
“Entre 2018 e 2019 está prevista uma nova paralisação para aumentar a taxa de colisão do acelerador. Para isso, o ALICE também precisa passar por um processo de atualização porque o atual sistema de detecção do experimento não conseguirá funcionar com o aumento da taxa de colisões”, afirmou.
Segundo o professor, uma das mudanças que deverão ser feitas no ALICE nos próximos anos é nos dispositivos microeletrônicos – os chips – integrados a dois dos detectores usados pelo experimento: o TPC (sigla de Time Projection Chamber) – o principal sistema de reconstrução de trajetórias das partículas do experimento – e o Muon Chamber – um detector frontal de múons (partículas parecidas com elétrons, mas 200 vezes mais pesadas).
A fim de conseguir detectar o alto número de colisões de íons pesados que serão geradas no LHC a partir de 2020, os chips conectados ao TPC e ao Muon Chamber precisarão funcionar continuamente, sem usar o chamado trigger ou gatilho, em português – sistema utilizado para identificar os eventos em um detector de partículas que devem ser gravados para análise posterior.
“O trigger dispara um sinal de que houve uma colisão de partículas no detector e, normalmente, os chips conectados ao TPC e ao Muon Chamber só começam a processar e armazenar dados quando chega esse sinal”, explicou Munhoz.
“Com o aumento da taxa de colisões, os chips precisarão passar a adquirir dados de forma contínua, sem precisar de um gatilho que indique quando devem começar a operar”, afirmou.
Múltiplas funções
De acordo com Munhoz, o chip Sampa foi projetado para fazer a leitura de dados de detectores a gás, como o TPC e o Muon Chamber.
Os dois detectores possuem uma câmera com gás que, ao ser atravessado por uma partícula, é ionizado – tem os elétrons arrancados pela partícula.
Um sensor, situado na extremidade dos detectores, multiplica o número de elétrons arrancados do gás e gera um pulso de carga que é captado por um conjunto de chips conectados hoje ao TPC e ao Muon Chamber, que amplifica e dá forma a esse sinal.
Em seguida, outro grupo de chips transforma esse sinal em um conjunto de bits e faz um pré-processamento digital desses dados, a fim de diminuir a quantidade de informação a ser armazenada e analisada posteriormente pelos pesquisadores participantes do experimento, explicou Munhoz.
“O grande desafio do Sampa será integrar em um único circuito eletrônico esse conjunto de funções que hoje são desempenhadas por vários chips”, afirmou.
Serão produzidos 80 mil chips para instrumentalizar os detectores TPC e Muon Chamber, com custo estimado de US$ 1 milhão.
Feito em silício e medindo 9 milímetros (mm) de comprimento por 9 mm de largura, o chip será fabricado por uma empresa em Taiwan, uma vez que não há uma indústria no Brasil com capacidade de produzir chips com as especificações do Sampa.
“Como o desafio do Sampa é integrar várias funções em um único chip, é preciso tecnologia avançada para fazer com que caiba tudo em um único circuito eletrônico”, disse Munhoz.
De acordo com o professor, o investimento de US$ 1 milhão que será feito para produzir o chip representará 0,5% do custo total do ALICE, orçado em US$ 200 milhões, e será a primeira contribuição em instrumentação para o experimento do grupo de pesquisadores brasileiros no experimento.
“Nos integramos ao ALICE em 2006 e, desde então, temos acesso aos mesmos dados de qualquer outro colaborador do experimento e realizado pesquisas científicas em colaboração. Mas, até então, não tínhamos conseguido colaborar na construção dos detectores”, afirmou Munhoz.
O experimento ALICE é voltado a estudar o chamado plasma de quarks e glúons – um estado da matéria que estima-se ter existido durante os primeiros microssegundos após o nascimento do Universo, no Big Bang.
Os quarks e glúons estão sempre confinados dentro de hádrons – como são chamadas partículas de grande massa, como prótons, nêutrons e o méson pi –, que nunca foram observados em estado livre, fora dessas partículas.
Ao formar um plasma de quarks e glúons em laboratório seria possível criar uma "sopa" dessas partículas não confinadas nos hádrons e estudar esse fenômeno do confinamento, que ainda é um mistério para a Física, afirmou Munhoz.
“Como o ALICE está mais interessado em medir a trajetória das partículas produzidas em colisões de núcleos, que são centenas de vezes mais numerosas do que em colisões de prótons, o experimento gera um conjunto maior de dados por colisão do que outros experimentos do LHC, como o ATLAS e o CMS [que comprovaram, em 2012, a existência do bóson de Higgs – partícula que explica a origem da massa das partículas elementares], afirmou.
“O chip Sampa terá que lidar com uma quantidade ainda maior de dados que deverão ser gerados pelo experimento a partir de 2020”, avaliou.
De acordo com ele, além do ALICE, há outros experimentos fora do LHC interessados no chip Sampa, como o Solenoidal Tracker At RHIC (Star) do acelerador Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC), localizado nos Estados Unidos.
E, além do uso em detectores de partículas, o chip está sendo estudado em outras aplicações, como para produzir imagens de raios X “coloridos” – que registram a frequência dos raios X emitidos – e para medição de nêutrons emitidos em reatores nucleares.
“Como o chip Sampa é bastante compacto, o dispositivo é muito útil para instrumentalizar detectores grandes, como os do experimento ALICE, e também detectores de nêutrons voltados à realização de neutrongrafia [técnica de obtenção de imagem por nêutrons]”, afirmou Munhoz.