Estudo detalha funcionamento de proteína-chave para desenvolvimento do cancro cítrico
Pesquisadores do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) desvendaram detalhes da estrutura e do funcionamento de uma proteína-chave para o desenvolvimento do cancro cítrico – doença que afeta as principais espécies de citros de importância comercial.
Causada pela bactéria Xanthomonas citri, a doença se caracteriza pelo crescimento descontrolado das células vegetais, o que gera tumores na superfície de folhas, frutos e ramos. Por meio dessas lesões, a bactéria se dissemina e, dependendo do grau de infecção, a doença pode provocar a queda precoce de frutos e folhas, comprometendo a produtividade das plantas.
“Para que essas lesões se desenvolvam, o patógeno precisa neutralizar uma proteína da célula hospedeira chamada MAF1, responsável pelo controle do crescimento celular. Nesse trabalho, exploramos as vias de regulação da MAF1 de citros e também as regiões de sua estrutura molecular que são importantes para a função antitumoral”, disse Celso Benedetti, coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP e professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Os resultados foram publicados na revista Structure.
O grupo de Benedetti tem investigado há mais de 10 anos no LNBio – que integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas – os mecanismos pelos quais a Xanthomonas citri causa doença em plantas do gênero Citrus.
Os pesquisadores têm estudado principalmente os “fatores de patogenicidade”, ou seja, moléculas liberadas pela bactéria para “driblar” o sistema de defesa da célula hospedeira e favorecer a infecção.
“Em um estudo anterior, demonstramos que a bactéria injeta dentro da célula hospedeira proteínas conhecidas como ‘efetores TAL’ (transcription activator-like effectors, na sigla em inglês), que reprogramam o crescimento celular na planta. Nossos resultados sugerem que essa reprogramação ocorre muito em função da inativação da proteína MAF1 de citros”, disse Benedetti.
Proteínas da família MAF têm sido amplamente estudadas em leveduras, drosófila e mamíferos – humanos e camundongos principalmente – por estarem envolvidas em doenças como câncer e obesidade.
As evidências da literatura científica indicam que MAF1 controla a transcrição gênica e o crescimento celular por se ligar ao complexo proteico da RNA polimerase 3, responsável por fabricar os “ingredientes” necessários para a síntese de proteínas.
“Para crescer, a célula necessita de proteínas e, para isso, aciona a RNA polimerase 3 para fabricar ribossomos e tRNAs [RNA transportador] necessários para a síntese proteica. A MAF1 é um regulador da atividade da RNA polimerase 3 e, quando ela para de funcionar, o crescimento e a divisão celular ficam induzidos”, explicou Benedetti.
Até a publicação do artigo na Structure, a literatura científica contava apenas com a descrição da estrutura da MAF1 humana – obtida pela técnica de cristalografia por difração de raios X (que consiste em cristalizar proteínas e observar como esse cristal difrata a radiação emitida sobre ele).
A estrutura cristalográfica da proteína MAF1 de citros obtida agora pelo grupo do LNBio revela elementos estruturais ausentes na estrutura da MAF1 humana. Além disso, mapeia regiões da molécula que são importantes para a sua interação com a RNA polimerase 3.
“A atividade da MAF1 depende de um processo conhecido como fosforilação [adição de grupos fosfato à cadeia polipeptídica]. Quando a MAF1 é fosforilada [recebe os adornos de fosfato], ela se ‘desliga’ da RNA polimerase 3, que então se torna ativa. Nossos dados indicam que a fosforilação da MAF1 de citros é mediada pela quinase TOR, uma das quinases mais importantes”, disse Benedetti.
São conhecidas como quinases as proteínas que têm como principal função fosforilar outras proteínas e, assim, regular sua atividade. De acordo com Benedetti, a via de sinalização celular mediada pela quinase TOR já havia sido descrita para a MAF1 humana, mas ainda não se sabia que em plantas o processo era semelhante ao de humanos.
Os novos achados permitiram ao grupo do LNBio elucidar a cascata de sinalização associada à proliferação celular em plantas que, em última instância, é controlada por um hormônio conhecido desde os tempos do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882): a auxina.
“Há muito tempo se sabe que a auxina controla o crescimento celular em plantas, mas não se entendia exatamente como. Nossos dados estão sugerindo que a auxina regula a atividade da quinase TOR, que, por sua vez, regula a atividade repressora de MAF1 sobre a RNA polimerase 3. Esse conhecimento pode ter grandes implicações na pesquisa voltada à produção de biomassa para geração de energia”, disse Benedetti.
Conhecimento aplicado
A fim de provar o papel central de TOR na regulação do crescimento celular em plantas, o grupo realizou um experimento com folhas de laranjeira (Citrus sinensis), que foram infectadas com X. citri e expostas a uma solução contendo um composto capaz de inibir a atividade dessa quinase.
“O tratamento com o inibidor de TOR impediu quase que totalmente a formação do cancro cítrico, enquanto nas folhas infectadas e tratadas com uma solução contendo apenas placebo a lesão se desenvolveu como o esperado”, disse Benedetti.
Atualmente, o grupo do LNBio investiga a possibilidade de usar esse inibidor – bem como outros compostos que atuam na via de regulação da TOR/MAF1 – no controle da doença.
“Entretanto, qualquer substância que venha a apresentar um efeito inibitório sobre a quinase TOR em citros precisa se mostrar inócua à planta, aos seres humanos, aos animais e ao meio ambiente. Além disso, para ser economicamente viável, o composto precisaria ter baixo custo de produção, ou elevaria de maneira considerável o preço final do produto, inviabilizando sua aplicação nos pomares”, explicou.
Atualmente, não há métodos totalmente eficazes para eliminar o cancro cítrico. O controle da doença é feito pelos próprios citricultores, por meio do sistema de mitigação de risco, segundo normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que entraram em vigor em março de 2017.
São indicadas medidas como pulverizações do pomar com produtos à base de cobre, substituição de plantas infectadas com mudas sadias e de variedades mais resistentes, uso de quebra-ventos, além do controle do minador-dos-citros, inseto que facilita a disseminação do cancro cítrico.
Embora a nova legislação permita a presença de plantas com cancro cítrico nos pomares – não sendo mais obrigatória a sua erradicação –, os citricultores estão proibidos de comercializar frutos com lesão ou sintomas da doença. “Nesse novo cenário de convívio com a doença, novas medidas de controle são importantes”, disse Benedetti.
*jornal da Unicamp