A guerra das drogas
Em editorial de sua edição do dia 23 de agosto, Le Monde adverte contra a espiral da barbárie no México. Durante os últimos seis anos, sob a presidência de Felipe Calderón, calcula-se que 120 mil pessoas foram assassinadas no país, pelos bandos rivais de traficantes de drogas. A maioria absoluta dos mortos nada tinha a ver com o assunto. Os bandos executam em massa para “dar um recado” a seus adversários e intimidar os cidadãos. Em sua lógica pervertida, não ter o lado de uma gangue é estar do lado da outra — ou das poucas forças do governo que os combatem.
Como sempre, os jornalistas são as vítimas preferenciais — e, entre eles, os repórteres fotográficos. Dezenas de profissionais morreram, em atentados bem planejados, e sem qualquer chance de defesa. Ainda que a violência seja endêmica na América Latina — particularmente no México — a situação se agravou nos últimos seis anos, pela decisão do presidente Calderón de militarizar a repressão às drogas. O resultado efetivo foi a contaminação das Forças Armadas pelo poder do dinheiro do crime organizado, e o fortalecimento de suas facções.
O tráfico de entorpecentes se tornou a questão mais grave de nosso tempo, e está associado à miséria e às desigualdades sociais. Segundo a Brookings Institution, de 40 a 50% da população mexicana vivem, direta ou indiretamente, do tráfico de drogas, que movimenta de 3 a 4% do PIB nacional.
A peste da violência se espalha pelo nosso continente. Domingo último, em Belo Horizonte, quatro jovens foram mortos e outros tantos feridos em chacina atribuída ao tráfico de drogas em um dos bairros da periferia. Os massacres se repetem em todas as grandes cidades brasileiras e começam a ocorrer nas cidades médias e menores do interior.
Não há outra solução que não seja a de legalizar o uso das drogas. Será difícil para a sociedade aceitar que qualquer pessoa adulta vá a uma farmácia — tal como ocorria na primeira metade do século passado — e compre sua droga. Com isso, as substâncias naturais estarão sob controle das autoridades sanitárias, com os usuários recebendo assistência médica e social. O consumo de derivados mais danosos, como o crack, ou das drogas sintéticas, deixará de existir ou será reduzido ao mínimo. Assim, poderemos vencer a grande guerra civil, a do confronto do Estado com os narcotraficantes, que está, pelo número de baixas, sendo vencida por eles.
Em muitos lugares, os criminosos dispõem de armamento superior ao dos policiais. No local do atentado de domingo, em Belo Horizonte, foi encontrada uma submetralhadora. Bazucas e pequenos mísseis já fazem parte do armamento nos morros do Rio de Janeiro.
O consumo e o tráfico de drogas são consequências naturais do sistema capitalista ultraliberal. Os entorpecentes se tornaram uma mercadoria, como qualquer outra, e de valor mais elevado, porque está formalmente proibida. Como a civilização contemporânea perdeu os seus rumos e valores, muitas pessoas, angustiadas, se refugiam em seu consumo ou nas seitas da moda.
Quando o fumo atravessou o Atlântico, houve governos que o coibiram de maneira radical. Na Turquia e na Pérsia, seu uso chegou a ser punido com a amputação parcial do nariz — e mesmo com a pena de morte. Isso não impediu que os países colonizadores europeus ganhassem milhões com o seu comércio, que se estendeu ao mundo inteiro. E foram a França e a Inglaterra que impuseram, mediante duas guerras, o consumo de ópio na China a fim de lucrar com o tráfico — isso há apenas 150 anos (a segunda guerra do ópio ocorreu entre 1856 e 1860).
Hoje, as campanhas educativas têm reduzido o interesse das pessoas, e, ao que se espera, em poucas décadas, o fumo deixará de ser um problema de saúde pública. Os agrotóxicos usados na produção do tabaco rivalizam com as toxinas do cigarro e, provavelmente, estejam matando tanto os produtores quanto os fumantes.
É preciso ter coragem para descriminalizar o uso das drogas, e preparar o país e a sociedade previamente para o grande passo, mas o seu consumo não pode continuar proibido, como hoje. Se as pessoas, conhecendo todos os perigos, quiserem drogar-se, é melhor que se droguem, sob vigilância sanitária. Assim, a sociedade se protegerá contra a violência, que assassina a esmo e a imobiliza pelo medo.
O Brasil pode tornar-se um novo México em sua escalada infinita da violência. É necessário pensar e agir já, a tempo de salvar milhões de vidas, as dos usuários de crack e outras drogas mortíferas e a dos que tombam para que os chefes do tráfico afirmem o seu poder. E impedir que se continue a “lavar” o dinheiro do narcotráfico, obtido no sofrimento dos pais, na enfermidade dos filhos e no sangue dos inocentes.