O sermão das crianças

Por Elisa Lucinda

Sempre admirei crianças, segura de que são um ninho permanente de poesia caso lhes ofereçam o jardim rico da natureza como realidade e o afeto como construção de identidade. Das crianças espero as melhores notícias, são os arautos do inédito, as que estreiam em cada aparente repetição. Nunca escondi de ninguém o quanto delas me sinto muitas vezes aprendiz. Sempre achei também que esse negócio de criar filho sem esse afeto bordando a comunicação, fazendo o trançado do amor e do ensinamento ao mesmo tempo, corria-se o risco desse ser ficar perdido, não achar luz no fim do túnel existencial .A ideia de uma família onde cada um está no seu canto absorto pelo seu brinquedinho eletrônico sempre me apavorou. Me incomoda muito uma família numa mesa de restaurante conectada ao mundo e desconectada entre si. O que nunca imaginei era que as crianças fossem reagir. O que eu não consegui prever, e isso me põe mais fã da garotada, é que se organizaria através dessa mesma rede para se encontrar ao vivo e protestar contra a doença que atende pelo nome de comportamento do adulto.

Tudo começou, ao que me parece, por uma menina sueca, Greta Thunberg, que protestou em frente ao parlamento do seu país contra o desastre climático que o desenvolvimento da “civilização” provoca. A onda vem tomando boa parte do mundo e a agenda dos muito jovens aumenta: “Larguem os seus celulares e olhem para nós!” Bradam os meninos franceses diante da tragédia de filhos se afogando enquanto pais, abduzidos pelas suas telas virtuais, perdem os filhos afogados na praia. Seus cartazes ostentam uma verdade incontestável: A educação da civilização deu ruim, deu errado; É considerado crime, sem vergonhice andar pelado, porém, não se considera ofensivo secar os rios, sufocar as fontes, poluir os mares? Então o homem desmata o planeta para plantar carne? Para plantar picanha? Transforma o mundo num grande pasto e depois não sabe como se livrar dos ventos? Da desordem das chuvas, da fúria dos tufões? As crianças estão pedindo que os adultos que mandam no mundo e o coordenam se reeduquem urgentemente. Porque, adultos civilizados, acham feio falar de sexo mas há feiura maior do que a corrupção? O roubo do dinheiro público, a máscara do ladrão rico sorrindo da miséria que produz? As crianças estão mais espertas e estão sacando que vai faltar água, que os níveis de poluição da Terra já passaram do razoável e querem um planeta verde para elas, porque o planeta também é delas. Que vergonha, gente! Que feio! E que sorte a nossa levarmos este sermão dos pequenos conscientes. Espero mesmo que tomem o poder e cortem a violência dos videogames, o uso das armas, a homicida desigualdade.

De tempos em tempos quando o fascismo, a ganância aperta muito a mente da humanidade, surge uma força proporcional a tal recrudescimento. É historicamente recente a revolução que jovens, maiores um pouco do que os de agora, fizeram em 68 no mundo. A revolução pelo “paz e amor”, pela vida livre, pelo amor livre, tirou de órbita, na época conservadores de plantão. Deste sacode o mundo renasceu mais humano, mais altruísta e mais coletivista.

Agora vivemos de novo um novo abalo sociológico exatamente quando do fascistas avançam no mundo outra vez. Os países desenvolvidos tampouco sabem o que fazer com o suicídio de seus jovens.Por enquanto crianças e adolescentes exigem uma reformulação dos princípios. Se recusam a assistir passivos à barbárie, à devastação do verde. Percebem como os adultos estão preferindo combater o sintoma à causa. Aqui em Madrid, na ponte de Segóvia, o número de suicidas aumentou muitíssimo. A solução encontrada foi colocar uma cerca protetora na ponte, providência que não impede outras formas de acabar com a própria vida, e nem tampouco se investiga porque.até em países ricos, jovens e crianças querem interromper seu fluxo vital. Estarão se sentindo mortos já? Por causa do Massacre de Sharpeville, na África do Sul, a ONU elegeu o dia 21 de março como data da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Velho problema que afeta o mundo novo. Se estamos entendendo o recado dos jovens mestres, podemos começar a autocorreção por este quesito, por exemplo. Sugiro, que cada um, à sua maneira, desperte da letargia em que nos metemos. LCom sua receita antidepressiva, com seu anestesiamento de emoções, a humanidade segue trôpega em busca de uma solução milagrosa externa que não virá de outro lugar que de novas atitudes nossas. Não há outra matemática. O mundo se tornou irrespirável e extremamente desigual. É hora de tomar aulas com nossos filhos e aprender bem a lição. As novas mentes estão apontando a saída, e avisam que são herdeiros legítimos do planeta que estamos destruindo em nome do que chamamos evolução. Se não der certo, não esperemos outra punição, pois, de castigo, nós já estamos. Meninos e meninas estão alarmados com o que chamamos de vida saudável estando o planeta em frangalhos. As crianças estão lutando para que honremos a palavra vida.