Quais são suas intenções com nossas crianças, Dona Civilização?
O que pretende a humanidade com esta febre desenfreada de vestir as criancinhas como adultos? O que pensa que está fazendo a civilização com a cabeça dos pequenos? Vampiros da infância, os adultos vêem deformando os guris e produzindo neles em larga escala, violentos e frios seres. Ora, tenho visto coisas de arrepiar! Outro dia, no aeroporto, vi uma menina de 5 anos aprisionada numa calça jeans tão justa que mal a deixava caminhar; o salto da sandalhinha, para completar, gerava uma espécie de equilíbrio corcunda na base da coluna; cabelos de escova, maquiagem, e não era brincadeira. No banheiro, depois de observar sua difícil caminhada pelo saguão eu a reencontrei com dificuldades para desabotoar a referida atarracada calça . Com cuidado, olhei para mãe que curiosamente usava o mesmo modelito e indaguei: Me perdoe, mas não está muito apertada essa roupinha nela? – “Ah, mas é assim mesmo, é mulher e tem que saber logo que beleza é sacrifício.” Retruquei na hora: mas é uma criança! Nos despedimos. Deixei o toilete com aquelas palavras me ferindo o coração. Por que meu Deus, empurrar as crianças nestes abismos? Já é tão difícil lidar com a vaidade até quando a gente já sabe quem a gente é, que dirá sem saber, e depois, que história é essa de beleza e sacrifício? Esse ideal de eterna juventude me enche e é um crime que a este custo nos sintamos no direito de envelhecer as crianças. Tem roupa de infância com palhacinhos, florzinhas, barquinhos, aviõezinhos, elefantinhos, joaninhas, etc.. Então, por que amordaçar os pequenos com miniaturas de nossos uniformes de adultos, cheias de grifes e aparências?
Vi uma foto da filha de uma atriz hollywoodiana numa dessas revistas de celebridades: “Amanda Schubert esbanjando charme no seu modelo de inverno”, dizia a legenda para se referir a uma menina de 5 anos! Como assim? Cuidado! Isso pode realizar fantasias dos pedófilos! Sem contar, criança cujo guarda roupa só tem cinza, preto e bege, para aprender a ter “bom gosto” desde sempre. Bem, quando então será a época de usarmos o coloridinho descombinado? Se não na infância, onde a liberdade de agirmos de acordo com nossa natureza e sentimento? Estou preocupada. Lá na Casa Poema e nas oficinas que dou pelo país, conheço vários adultos vítimas de uma Escola que não prioriza a espontaneidade, a criatividade, a originalidade, e a arte da vida. Porque foram tolhidos em sua sensibilidade, tiveram à força seus choros engolidos, porque não foram considerados quando viram, sentiram ou assistiram a guerra dos adultos, que muitas vezes tem seus pais como protagonistas. É gente grande que não sabe ler em voz alta, que não sabe receber uma crítica, e que não sabe sair bem e de improviso daquilo que escapa à seu mapa de seguridade. A situação é grave. Junta-se ao quadro atual a quantidade enorme de jogos violentos, sangrentos, agressivos que vem fazendo a cabeça dos futuros cidadãos do mundo a todo momento. Soma-se a isso uma insana corrida do ouro que faz do dinheiro um culto, uma igreja, um Deus. Ai, ai, ai, deu nisso! Já tentamos esse modelo de adultizar as crianças nos séculos que nos antecederam e não deu certo. Reis com trono, cetro e reino aos seis anos; príncipes, enfiados em seus pequenos ternos de corte inglês, sendo adolescentes e poderosos ao mesmo tempo.
Precisamos mudar a rota e o método, pois talvez a loucura de hoje seja fruto daquelas crianças que cresceram. Talvez sejamos herdeiros daquelas crianças violadas nos seus direitos de sê-lo. Sei lá, estou tentando entender como tudo resultou nessa civilização comandada por arrogantes idiotas e tiranos ricos que pensam que são os donos do mundo, com sua receita única de felicidade, repleta de carros sem vagas nos estacionamentos e um Frontal por cima da insônia para aguentar.