Um começo de desafios
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Vistos, mas ainda não perfeitamente assimilados os estragos da barbárie daquele domingo, quando da invasão do Congresso Nacional, fato é que, entre outras consequências, serviram para reduzir a tranquilidade nacional e arranhar o prestígio do Brasil no Exterior. É, pois, o momento adequado para refletir sobre a conduta que o governo Lula terá de adotar, já agora instado por aqueles acontecimentos, que chegaram antes mesmo de seu mandato vencer a primeira quinzena. O presidente está convidado a encarar sinais de desafios que têm tudo para comprometer seu sossego. E não seria cabível, diante da gravidade, tentar forjar clima de controle e tranquilidade, porque isso não existe. E confesse ele ou não, é impossível governar sob esse clima de guerra entre esquerda e direita. Reconheçamos que o Brasil tem todos os ingredientes para se dar mal - muito mal - se caminhar para essa terrível encruzilhada, que quer empurrá-lo para escolher entre o autoritarismo fascista da direita e o autoritarismo socialista da esquerda. Cruel dicotomia.
2 - No rastro das consequências que vieram com o dia 8, longe de elas se bastarem com o trabalho de arrumar ou tentar arrumar as casas invadidas e depredadas, o presidente está diante de gigantescas provocações. Entre elas, não custa considerar três das principais. A primeira é conscientizar-se logo de que sua sobrevivência política, num futuro imediato, vai depender da presença e da lealdade de um ministério de alto nível, preparado para enfrentar crises políticas recheadas de intolerância ideológica. Chegará o momento em que vai clamar por uma base sólida e harmoniosa, diferentemente da atual que o sustenta, marcada pelas concessões políticas a apoiadores ou caçadores de sinecuras. Porque na hora em que dela mais necessitar, o governo vai sentir na pele o preço da perigosa fragilidade. Acautele-se, pois logo vai depender, em seu redor, da presença de alguns homens e mulheres de alta competência e seriedade para conduzir a nação à paz.
O sinistro teste dominical mostrou que a capacidade desse primeiro escalão não foi além do dever de assustar-se. E pouco mais que isso.
3 - Outra questão, com indiscutível pertinência, é o presidente colocar a serviço do país agentes com real capacidade para mostrar aos investidores, sobretudo estrangeiros, que a verdadeira fisionomia do Brasil não é apenas um cenário de barbárie e conflitos ideológicos. Independente daquele episódio e outros semelhantes, acontecidos ou por acontecer, o país continua se servindo de instituições capazes de dar garantias a quem trabalha e empreende.
A boa imagem é indispensável. O Brasil merece ser acolhido, depois daquelas violências, com o mesmo respeito com que, em dias recentes, estava sendo celebrado em todo o mundo como terra-mãe do gênio Pelé.
4 - Terceiro ponto para refletir, uma questão não menos importante, porque diz respeito à estabilidade geral, é a avaliação das relações do presidente, seu governo e seus assessores imediatos com as Forças Armadas e outros segmentos da segurança. Neste particular, o que Lula tem, na linha de objetividade ainda não perfeitamente visível, é o discurso pacificante de um ministro civil em cargo militar, que, sem embargo de belas intenções, não repercutiu sinais de êxito imediato, além de esbarrar na escassa simpatia dos companheiros petistas.
Quando as sedes dos três poderes foram invadidas, obra de militâncias descontentes e agentes infiltrados, também ficou evidente a mordomez dos serviços de segurança frente a ameaças que estavam amplamente identificadas de véspera. Para uma justa avaliação, é preciso partir do fato de que as culpas pela insegurança não couberam apenas ao governo do Distrito Federal, como querem alguns. É de todos sabido que as culpas vão mais longe e mais fundo.
5 - Muitas vezes, o governante é levado a negar a gravidade dos problemas que o atormentam, pensando que, ao esconder e conferir desprezo pelas dificuldades, pode vencê-las pelo cansaço ou pelo esquecimento. Costuma dar certo, mas ao presidente convém não arriscar, porque, se apenas está começando uma complicada gestão, os males de hoje podem acabar evoluindo para a catarse.
Não seria prudente confiar demais em deficiências autocorretivas do ministério.
Exercício de diálogo
Mais uma quinzena, e os interlocutores da Presidência da República terão de se haver com a nova composição legislativa, sem direito a ignorar a presença de uma expressão bolsonarista capaz de provocar resistências. Principalmente no Senado.
Há questões essenciais cuja tramitação no Congresso vai demandar habilidade de trato e capacidade de argumentação. O que faz estranhar o fato de alguns ministros estarem empenhados em manter viva a presença política do ex-presidente, que, quanto mais aceso e lembrado, maior será sua capacidade de articulação junto a deputados e senadores que lhe devotaram lealdade na eleição passada. Mesmo que não seja por resistentes amores ao bolsonarismo, eles podem jogar dificuldades, e com elas valorizar a conversa com o ministério.
Certo que, considerados os planos do Palácio do Planalto, um diálogo produtivo com os opositores passa por remove a presença da influência do ex-presidente, exatamente o que não se tem feito; como se a força de quem o sucedeu dependesse de colocar fogo no passado recente.
Sente-se facilmente que os amigos de Lula reagem à aposentadoria política de Bolsonaro. Ao contrário, trabalham para que mantenha vigor e influência junto a dezenas de parlamentares que ganharam mandato à sombra do amigo. Eles e, em algumas vezes o próprio presidente, alimentam polêmicas com o antecessor perfeitamente desaconselháveis para este momento de conturbação.
Na hora de ir à mesa com os parlamentares o governo não deve se enganar. A primeira missão da polêmica com os adversários não é apenas convencer, muito menos atacar: mas fazer-se compreender.