Encruzilhada no campo
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É quase abismal a diferença nas experiências vividas pelo PT, quando a avaliação se faz em relação aos projetos de reforma agrária. Nas suas três primeiras passagens pela Presidência da República foram quase 500 invasões de terra, que acabaram acomodadas ou, se reprimidas, operaram-se com ações pouco agressivas. O volume das ocupações decresceu nos anos seguintes, reduzidas para nove no governo Bolsonaro. Hoje, o avanço dos sem-terra sobre a propriedade privada vai empurrando o governo para a desconfortável pendência entre ocupações e agronegócio, este, já transformado num vértice da economia, não pode ser desconsiderado, pois responde por 25% da produção nacional. Não se desconhece o potencial da organização política, econômica e estratégica do agro, longe de ser apenas um amontoado de fazendeiros. Na sua quase totalidade identificado com a direita, contra o governo.
Apesar de alguns casos de retomada das propriedades invadidas, permanece um clima de tensão na maioria dos estados produtivos, como revelam os governadores de Mato Grosso e Minas, ameaçando reação armada em defesa da propriedade privada. Longe, portanto, de o quadro atual ser definido como resultado de “casos isolados”, de acordo com o ministro do Desenvolvimento Agrário. Há muitos sinais de iminente confronto, exatamente o que o Brasil menos precisa neste momento.
É um quadro que leva a duas constatações. Salvo melhores juízos, a primeira é, como se disse, o governo petista chamado a enfrentar, no campo e nas ansiedades, um cenário bem diferente das anteriores experiências. A segunda conclusão é que, posta a realidade dos nossos dias, a reforma agrária precisa ser pensada com um ânimo até agora pouco perceptível. Reforma, bem entendida, sem o comodismo de contentar-se com a distribuição de glebas, confiadas a famílias carentes de recursos para produção mínima, não apenas de subsistência, mas com alguma condição de participar do mercado.
Fala-se nos espaços desocupados, mas é oportuno lembrar que eles também existem, abundantemente, como propriedade da União, o que exclui do governo o direito de apenas castigar os demais improdutivos. Ou, não sendo seu desejo preservar terras, promova suficientes desapropriações para alojamentos, como se fez, 58 anos atrás, na desapropriação do completo usineiro de Caxangá. Se a reforma não prosperou, culpe-se não a terra, mas seu mau aproveitamento.
É longa a peleja em torno do destino social das terras. Muito antes, 1788, José de Arrouche de Toledo já engenhava solução na capitania de São Paulo.”O poder público deve tomar as terras não aproveitadas para a criação de gado e da agricultura”. Hoje, passados 235 anos, as coisas não são tão simples assim, mas servem para mostrar que a reforma sempre foi um desafio.
Reféns do palanque
Semana passada, o Republicanos abriu a temporada de propaganda política, assumindo inserções em rádio e TV, e, com isso, juntamente com os demais partidos organizados, abre-se uma longa jornada de divulgação, que se estenderá até 2024. Poucos dias antes, circulava a primeira pesquisa sobre as tendências dos paulistanos em relação à prefeitura, o que, com tamanha antecedência, nenhum valor tem. E os partidos, com as urnas ainda tão distantes, têm pouco a mostrar, além das promessas de sempre, com programas repetitivos de coisas que certamente não realizarão.
Mas, por que despertar o assunto, que a muitos possa parecer desimportante? Porque, ao menos, serve para revelar que, com eleições de dois em dois anos, o Brasil não consegue descer do palanque, mergulhado em permanentes campanhas, com todas as motivações que não cessam, pois se realizam em períodos tão curtos.
O governo federal, com apenas três meses, pode confirmar. Se ainda enfrenta conflitos por causa do apetite dos que o apoiaram e querem recompensas, observa-se que muitos dos 450 cargos a preencher no segundo e terceiro escalões estão à espera de acertos de novos pretendentes e dos partidos, todos de olho na eleição dos prefeitos, ano que vem. Vê-se que, nem bem saídos de uma eleição, os interesses do país já mergulham na disputa seguinte, e o governo Lula condenado ao papel de trampolim político.
Não há quem ignore os problemas causados por eleições que se acumulam umas sobre as outras, com a inconveniência mais grave de uma pretender, na seguinte, reparar fracassos da anterior.
As gavetas do Senado e da Câmara dos Deputados são fartas de projetos que propõem a unificação das datas, de forma que, num único dia, possam ser votados os candidatos a presidente da República, governador, prefeito, senador, deputado e vereador. Antigos e novos projetos recomendam eleições de quatro anos, contrariando o argumento pueril de que, quanto mais se vota mais se aprende. Convenhamos, não é o que nossa realidade tem revelado.
Outras razões podem ser lembradas para justificar a retomada das discussões de iniciativas em torno dessa matéria. Não só de agora. Uma que merece atenção veio do senador Roberto Muniz ( PP-BA), faz sete anos, ao considerar que mais uma grande virtude da unificação seria a coincidência dos orçamentos nos níveis de executivo municipal, estadual e federal, o que resultaria numa dinâmica altamente proveitosa. Um detalhe que, por si só, justifica interesse no trato dessa questão.