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Tragédia de muitos erros

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Publicado em 07/05/2023 às 06:23

Alterado em 07/05/2023 às 08:18

Celular de Bolsonaro está com a Polícia Federal Foto: Reuters / Adriano Machado

As redes bolsonaristas, que estavam se preparando para voltar à ativa depois do grande revés pós 8 de janeiro, com o ex-presidente à frente, a partir da sua reaparição na abertura da Agrishow, a maior feira do agronegócio brasileiro em Ribeirão Preto (SP), em 1º de maio, mal tiveram tempo de comemorar essa “reentrée”. A comemoração se estendeu ao dia seguinte quando a oposição na Câmara derrubou as mudanças propostas pelo presidente Lula no Marco do Saneamento Básico. A desarticulação da base política do governo na Câmara ainda levou à suspensão da votação do PL 2.630/2020. Inicialmente proposto no Senado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), deveria ser votado na Câmara em junho. Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), antecipou a votação em um mês. Aparentemente a manobra visava provar que o governo Lula estava desarticulado na Câmara. Aí, teria de liberar verbas a deputados e devolver parte do poder que o presidente da Câmara tinha com Bolsonaro.

O relator da matéria na Câmara, com o nome oficial de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, foi o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Mas os bolsonaristas, que seriam os mais atingidos, ao lado das empresas que abusam da aplicação de algoritmo para faturarem anúncios na leitura de “fake news” alardeadas pelos radicais, trataram a proposta como o “PL da Censura”. E dispararam versões, amplamente apoiadas pelas empresas que controlam o Twitter, o Instagram, o Facebook e o Whatsapp, e ainda o Tik Tok. Após a derrota no Marco do Saneamento, o governo resolveu esperar a votação do “PL das fake News. O risco era comprometer votações mais importantes como o arcabouço fiscal e a futura tramitação da reforma tributária que vai mexer com os mais ricos.

Mas, como ia dizendo, não houve muito tempo para comemorações. Na manhã de 4ª feira, 3 de maio, a Polícia Federal, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deflagrou a “Operação Venire” que levou à prisão várias pessoas em Brasília e no Rio de Janeiro. O que era uma operação para confirmar toscas fraudes na emissão de certificados de vacinação para a Covid-19 envolvendo o então presidente Jair Bolsonaro e sua filha menor, Laura, além de seu ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, e família, acabou capturando trunfos valiosos, como o celular do ex-presidente. As primeiras investigações, além de fornecer elementos capazes de fazer tanto corar de vergonha como chorar de raiva milhares de brasileiros que perderam parentes e amigos na pandemia, pelo insistente negacionismo de Bolsonaro, vai permitir à PF e ao ministro Alexandre de Moraes unir as pontas que faltam ou as peças para montar os quebra-cabeças das diversas articulações golpistas urdidas no governo passado.

O troco em Chico Buarque

Chega a ser risível que os bolsonaristas mais empedernidos, quando foram surpreendidos com o escândalo da tentativa de emissões de certificados falsos de vacinação na secretaria de Saúde de Duque de Caxias (RJ), mas impressos no computador da Ajudância de Ordens do Palácio do Planalto, comandada por Mauro Cid, tenham reagido nas redes sociais tentando ferir nada menos que Chico Buarque de Holanda. Não, leitor, não estou delirando: como se sabe, Chico Buarque recebeu, uma semana antes, em 24 de abril de 2023, mas com atraso de quatro anos, o prêmio da 31ª edição do Prêmio Luiz Vaz de Camões de Literatura, o mais importante da língua portuguesa, outorgado por júri com representantes do Brasil, Portugal, Angola e Moçambique. Mas o diploma não foi assinado pelo ex-presidente. Na entrega, em Lisboa, a celebração foi tripla: além do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, o diploma teve a assinatura do presidente Lula e coincidiu com o 49º aniversário da “Revolução dos Cravos”, que sacramentou a redemocratização de Portugal após décadas de salazarismo. Chico, que fez duas músicas invejando o fato em plena ditadura militar (“Fado Tropical” e “Tanto Mar”), agradeceu, com fina ironia, o fato de “o ex-presidente não ter sujado o diploma, deixando espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula”.

Pois não é que o troco tosco dos bolsonaristas nas redes foi divulgar novamente uma antiga montagem de uma entrevista de Chico Buarque na qual ele “confessa” que plagiava músicas?!... Seria cômico se eles não levassem a sério a “fake news”. É sabido que no governo Geisel, depois de sucessivos vetos da censura ao conteúdo de suas músicas, para terminar um disco, Francisco Buarque de Holanda se valeu de um artifício. Assumiu a persona de “Julinho da Adelaide”, com músicas de pegada de samba. Uma das músicas de seu “alter ego” foi “Jorge Maravilha”, na qual fustiga o general Geisel, cuja filha, Amália Lucy, uma discreta estudante da PUC, era sua fã declarada. Numa das estrofes, cantadas por Chico, a música diz: “Você não gosta de mim; mas sua filha gosta...”. Em vez de defender o presidente apanhado nas fraudes engendradas por seu ajudante de ordens, resolvem atacar falsamente Chico.

Mas ri melhor quem ri por último. Com a desmoralização de Jair Bolsonaro, pelas fraudes em seus cartões de vacinação, a direita portuguesa aninhada no Chega, partido de ultra-direita que puxou a vaia a Lula e Chico na cerimônia do Prêmio Camões, resolveu adiar as cimeira internacional que realizaria dias 13 e 14 de maio em Lisboa. Afinal, faria “forfait” uma das estrelas do encontro: Jair Bolsonaro. Por falta de vacina para viajar e/ou arranhão na credibilidade.

Moraes e PF estão nas pistas

Se o famoso detetive Sherlock Holmes (que “esteve” no Brasil, segundo a pena do saudoso Jô Soares em “O Xangô de Baker Street”) voltasse a “ajudar” a PF e ao ministro Moraes, diante de tantas provas e indícios diria: “é elementar, meu caro Moraes!”. O ministro concentra em suas mãos os inquéritos sobre as “fake news”, a participação de arruaceiros e bolsonaristas nas manifestações terroristas de 12 de dezembro, ainda no governo de Jair Bolsonaro (dia da diplomação do presidente Lula e do vice, Geraldo Alkmin no Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Moraes), quando manifestantes contra a eleição de Lula incendiaram carros e ônibus, depredaram uma delegacia civil do Distrito Federal e a portaria da sede da Polícia Federal, mas ninguém foi preso pela PM do DF – numa amostragem do que viria a ser a omissão oficial, na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro, da polícia do DF e da estrutura do Gabinete de Segurança Institucional, que controla a Guarda Presidencial).

Vale dizer que dois personagens importantes estavam sempre próximos ou ligados aos fatos apurados, mas agora estão presos. O 1º, Anderson Torres. Até abril de 2020 era Secretário de Segurança do Distrito Federal, com responsabilidade sobre a segurança da capital federal. Nomeado ministro da Justiça e Segurança Pública por Jair Bolsonaro, após a renúncia de Sérgio Moro, Torres estava no governo como responsável principal pela PF e a Polícia Rodoviária Federal, muito diligentes na revista dos ônibus que levariam eleitores às urnas no 2º turno, sobretudo no Nordeste e, especialmente, na Bahia, onde Lula teve a maior vantagem no 1º turno. Quando Bolsonaro perdeu a eleição e não reconheceu a vitória de Lula, insistindo nas acusações de fraudes das urnas eletrônicas, o presidente deu a senha para seus apoiadores ficarem acampados diante dos quarteis e do QG do Exército em Brasília. E a volta de Torres ao comando da Secretaria de Segurança Pública do DF, a convite do governador reeleito Ibaneis Rocha, acendeu a luz amarela no governo Lula. O esquema especial, montando pelo ministro Flávio Dino, sucessor de Torres, garantiu um cinturão de segurança no entorno de Brasília e na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios.

Mas as forças de segurança do DF e do GSI (ainda não “desbolsonarizado” após a gestão golpista do general Augusto Heleno) facilitou o reagrupamento das forças golpistas em 8 de janeiro. Apesar das mensagens que ataque ao Planalto, a PF e a PRF, desta vez, foram na revista dos ônibus de invasores que começaram a acampar no QG do Exército em Brasília, vindos de vários estados do Brasil. Anderson Torres simplesmente tinha se evadido dos locais dos atentados à Democracia, antecipando as férias (a partir de 9 de janeiro), e indo se refugiar justamente em Orlando, onde já estava Jair Bolsonaro desde 30 de dezembro. Com ordem de prisão decretada por Moraes, Anderson Torres voltou ao Brasil uma semana depois do 8 de janeiro, mas, convenientemente, “esqueceu” o celular nos EUA. Na prisão, alegou surto psicológico e "esqueceu" todas as senhas quando a PF tentou averiguar os conteúdos na “nuvem”.

Com a prisão do tenente-coronel Mauro Cid, o mesmo que tentou até 19 de dezembro “liberar” as joias de R$ 16,5 milhões destinadas à primeira-dama, Michele Bolsonaro, mas que foram apreendidas na Alfândega do aeroporto de Guarulhos em outubro de 2021, escondidas em bagagem de mão de assessor do então ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, Moraes e a PF, vão juntar pistas. Mauro Cid fora nomeado por Bolsonaro para comandar o 1º Batalhão de Forças Especiais, que inclui a Brigada de Paraquedistas, em Goiânia, mas Lula revogou o decreto. Não sem antes demitir, dia 21 de janeiro, o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, substituído pelo general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, por ter se recusado a acatar a ordem do Comandante em Chefe das Forças Armadas. Pois as primeiras investigações no celular de Mauro Cid indicaram que batalhão (o de maior mobilidade no Planalto Central) estava no cerne de conspirações golpistas contra a posse de Lula, em dezembro do ano passado, quando Bolsonaro estava arredio às aparições públicas, mas parecia agir nos bastidores. O cruzamento das mensagens dos celulares de Mauro Cid com as do ex-sargento dos paraquedistas, Anderson Barros, e ainda o celular do ex-presidente, poderá fornecer informações preciosas sobre as teias do Golpe abordado de 8 de janeiro.

Nos Estados Unidos, a Justiça já condenou a seis anos de prisão quatro invasores do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. E a Fox News foi condenada a pagar indenização de US$ 787 milhões à Dominiun, que produz urnas eletrônicas. A Fox ainda demitiu o âncora Tucker Carlson, que espalhava “fake News” sobre fraudes nas urnas sustentadas por Donald Trump.

Muita gente investe, por aqui, contra o cerco às "fake news", por serem partes interessados (como foi a Fox, até certo ponto) em surfar e ganhar dinheiro com os algoritimos turbinados pelas redes sociais. Pois na Europa os principais países estão cercando as "fake news" e o mesmo também se passa nos Estados Unidos e no Canadá. Está na hora de união entre a imprensa e as forças democráticas para separar o joio do trigo. Este gera pão da vida, o outro, aquele que o diabo amassou.

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