A última volta do ponteiro
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Waldir Amaral, famoso locutor esportivo, que acumulava a função com a de diretor comercial da Rádio Globo, já sem voz para narrar o jogo e a lista de anúncios/reclames ao longo das partidas, criou uma série de artifícios para descansar a garganta e beber uma água em meio às partidas. Uma das tiradas era “O relógio marca”, para dizer o tempo do jogo. Outra, para disfarçar o atraso na descrição de jogadas de área (que não conseguia acompanhar, fazendo tantos reclames), era o “Tem bololô na área”, para que o repórter postado atrás do gol informasse, como se fosse um vídeo-tape, o que se passava na área. Pois os casos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e sua trupe, e ainda os últimos mandados de prisão ordenados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que enfeixa em sua mão os inquéritos das “fake news” contra as urnas eletrônicas e a tentativa de golpe militar de 8 de janeiro, incluindo os ensaios anteriores de golpe, tornam a situação tão fluida que vou dar uma de Waldir Amaral e bradar “tem bololô na área”, para esperar maiores esclarecimentos dos fatos. Está claro que Bolsonaro está querendo fugir das responsabilidades.
E à parte o disse-me-disse dos advogados requisitados pela família Bolsonaro para desfazer a péssima impressão causada na opinião pública pelas ações de peculato com a venda de bens públicos no exterior e a posterior tentativa de recompra dos relógios – após a decisão do TCU de exigir a entrega dos bens em uma semana - pelo advogado particular, o notório Frederick Wassef (o mesmo que escondeu, por dois meses em seu sítio em Atibaia (SP), o foragido ex-sargento da PM Fabrício Queiroz, o operador das “rachadinhas” do filho 01, quando era deputado estadual na Alerj e desviava em proveito próprio parte dos salários dos servidores lotados em seu gabinete na Aler), é interessante querer entender o significado de uma manifestação do pastor Silas Malafaia na última sexta-feira, quando o ex-presidente parecia com a reputação nas cordas.
Em vídeo postado nas suas redes sociais, o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo saiu em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-ajudante de ordens tenente-coronel Mauro Cid. O pastor disse que não é normal “militares presos há mais de 100 dias” pelos casos dos cartões de vacinação fraudados e o desvio das joias presenteadas ao Brasil. Para Malafaia, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, quer atingir Bolsonaro e tentar prendê-lo a todo custo. O pastor também saiu em defesa dos golpistas presos desde 8 de janeiro, alvos dos inquéritos que apuram o ato bolsonarista que destruiu as sedes dos Três Poderes. “Mais de 100 brasileiros que estão há meses presos sem nenhuma prova de que participaram das badernas. Ele [Moraes] tem lado”, disse o pastor, que terminou seu vídeo fazendo um “alerta” ao ministro do Supremo Tribunal Federal: “Ditador Alexandre de Moraes, a sua casa vai cair. Ou pela mão de Deus, ou pela justiça legal que o Senado vai te impor, ou pelo povo que é o supremo poder”, ameaçou.
É verdade. Alexandre de Moraes tem lado: a defesa da Lei maior do país, a Constituição Federal de 1988. E em matéria de casa cair, taí uma expressão equivocada. Diz um velho ditado que não se deve falar em corda em casa de enforcado. Condenado pela Justiça, na década passada, a suspender seu plano de “venda de casa própria no céu”, picaretagem que iludiu milhares de fiéis, Malafaia não devia falar em “casa cair” de quem quer que seja. Com o cerco se fechando ao ex-presidente e à ex-primeira-dama, a partir das quebras dos sigilos bancário e fiscal do casal e do confisco dos telefones de Wassef e dos demais envolvidos nas operações de venda e recompra das joias e relógios de luxo cravejados de brilhantes, seria mais aconselhável que Silas Malafaia orasse pelos “irmãos” e não atiçasse os fiéis contra a Justiça.
Quem tira da tomada?
CPI ou investigação nem sempre chega onde seus mentores imaginam. Veja, caro leitor, o caso da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que os deputados e senadores bolsonaristas impuseram ao Congresso tentando provar que foi o governo Lula que incentivou o quebra-quebra na invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no domingo, 8 de janeiro. O governo Lula, que tomara liderança das investigações, pelo Ministério da Justiça e a Polícia Federal, sobre as omissões nas forças de segurança do governo do Distrito Federal e nas forças federais (o Batalhão de Guardas e o Gabinete de Segurança Institucional - GSI, que foram chefiados por quatro anos pelo general Augusto Heleno, adversário visceral de Lula), tentou bloquear a CPMI. Mas a verdade é que o feitiço virou contra o feiticeiro.
A convocação, pela deputada federal Carla Zambelli, do “hacker” de Araraquara (SP), Walter Delgatti, para se juntar à cruzada para desacreditar as urnas eletrônicas, foi um tremendo gol contra. A CPMI está revelando as entranhas e tramas do golpe. Ganhou escalada quando o falsário digital foi levado ao Palácio presidencial e instado pelo presidente da República a invadir a rede social do Conselho Nacional de Justiça e “decretar a prisão de Alexandre de Moraes” (sic), por ordem do próprio ministro do Supremo Tribunal Federal. Delgatti é o mesmo que invadiu as redes sociais da “República de Curitiba” e contribuiu para desvendar os métodos ilegais dos promotores da Lava-Jato e do então juiz Sérgio Moro, levando ao desmantelamento da Operação Lava-Jato” e a anulação de processos contra Lula, com o reconhecimento do STF de que qualquer cidadão pode defender sua inocência até a última instância (Superior Tribunal de Justiça e STF)
Já seria rematada tolice tentar convencer a opinião pública de que o governo Lula ganharia algo com a frustração do golpe. Na verdade, tudo caminhou como planejaram os aliados de Bolsonaro incrustrados nas forças armadas e nas forças de segurança do DF, comandada pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, Anderson Torres, que antecipou férias para os Estados Unidos na sexta-feira, 6 de janeiro, deixando acéfalo o comando da segurança da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes, em Brasília. O que deu errado é que Lula não engoliu a isca de, diante do caos, invocar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para convocar as forças armadas. Seria transferir o comando de seu governo às forças armadas. Esperto, aconselhado pelo ministro Flávio Dino, decretou intervenção na Segurança do Distrito Federal, e o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão, por até 90 dias, do governador de Brasília, Ibaneis Rocha.
Pois os depoimentos de Delgatti – que voltou a ser inquirido pela PF para esclarecer o que antes omitira em longo interrogatório à autoridade federal – podem completar as peças do enorme quebra-cabeças que o ministro Alexandre de Moraes, sua equipe de assessores e mais a Polícia Federal vêm completando com pertinácia e paciência. A imprensa está ávida para encurtar os passos e incriminar rapidamente o ex-presidente Jair Bolsonaro. Crimes não faltam, mas Moraes dá passos seguros para que o inquérito não se perca como os da investigação da “rachadinha” do filho 01, ou mesmo de parte dos inquéritos da Lava-Jato envolvendo os políticos. Até aqui, não se tem notícia de que confissões de operadores oficiais ou de diretores e gerentes de empresas que pagaram subornos, tenham sido anuladas.
Alta voltagem
O caro leitor que veio até aqui deve estar se perguntando por que usei eletricidade nesse entretítulo? Por questões dúbias: sem dúvida, Bolsonaro e seu clã estão em tremendo curto-circuito, e alguém precisa cumprir os conselhos dos advogados e dos operadores do PL e fazê-los submergir. Ou seja, desligá-los da tomada. Mas a questão é que o apagão de energia do país na manhã de terça-feira seria um tema a ser explorado esta semana, se os fatos não o tornassem subalterno.
Tão logo ocorreu o problema numa subestação da ligação Quixadá-Fortaleza, no Ceará, que foi provocando um efeito dominó, foi desligando os grandes subsistemas interligados por longas linhas de transmissão. Como em 8 de janeiro houve tentativa simultânea de sabotagem das torres de energia, que estavam sendo serradas para provocar um apagão e o caos geral (levando, como supunham os mentores, à GLO), o ministro das Minas Energia, Alexandre Silveira, deduziu que poderia estar se repetindo sabotagem semelhante. As investigações ainda vão demorar um tempo e a sabotagem não deve ser descartada do rol de suspeitas.
Um fato do qual o ministro só tomou conhecimento na noite da véspera, pela imprensa, a demissão do presidente da Eletrobrás (privatizada há um ano), Wilson Ferreira Junior, reforçou as desconfianças. O enxugamento de pessoal, com sucessivos Planos de Demissão Voluntária (PDV), deixou muitos empregados, que estão perdendo funções no antigo sistema Eletrobrás, revoltados. Podiam deixar de reagir com precisão a um evento extraordinário, já que a empresa está trocando funções de supervisão por “câmeras, um vigia e um cachorro”. Obviamente, nenhum dos três tem condições de reagir a uma emergência. As razões para a demissão de Wilson Ferreira, destituído pelo presidente do Conselho de Administração, Ivan Monteiro (ex-Banco do Brasil e ex-Petrobras), indicam que Wilson, que comandou a Eletrobrás estatal e foi mantido no comando da empresa privatizada, de modo muito peculiar se sentia dono dela e não acatava as orientações do CA, que pediu a demissão de um diretor. [o governo que tinha o controle -51% das ações – pediu mesa do aumento de capital e deixou que o bloco de acionistas privados assumisse o controle; uma decisão da AGU tenta recuperar o poder de voto da União da companhia, reduzido a 10%, embora tenha 46% das ações].
Há muito, quem acompanha as mudanças na Eletrobrás, que ainda responde por 36% da geração hidroelétrica do país, estranha a ausência de um engenheiro elétrico na diretoria ou no CA. Há muitos desafios na gestão da empresa que ficou paralisada nos preparativos do governo Bolsonaro para a sua privatização e deixou de fazer melhorias técnicas primordiais. É inegável que, ao lado das grandes usinas do Norte do país, interligadas ao centro consumidor do Sudeste por linhões (desde as usinas do Acre e de Belo Monte, no Pará, houve nos últimos anos uma miríade de geração autônoma de energia eólica no NE, em especial no Rio Grande do Norte, e de energia solar nas chamadas “fazendas” de energia que se espalharam por vários estados do país. A própria instalação de placas solares nas casas e edifícios de várias regiões contribui para gerar instabilidades permanentes. As distribuidoras de energia que recebem essa carga precisam estar preparadas para isso.
Mas há muito mais a ser discutido. O Ministério das Minas Energia do governo Bolsonaro, quando era comandado pelo almirante Bento Albuquerque, perdia tempo e energia com o tráfico de joias sauditas. Quando Bolsonaro, desesperado com o estrago que a alta dos combustíveis (decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia, que ele imagina impedir na sua ida a Moscou duas semanas antes) fazia em sua candidatura, demitiu o almirante e colocou em seu lugar um aliado de Paulo Guedes, o economista Adolfo Sachsida, que se empenhou pela privatização da Eletrobrás e anunciou a intenção da privatização da Petrobras, caso Bolsonaro fosse reeleito. Para reverter as chances eleitorais, cortou, com Guedes, impostos federais e estaduais em combustíveis, energia elétrica e comunicações. Não adiantou. Deu Lula.
Mas o país perdeu quatro anos sem tomar uma atitude em direção à transição energética. Há muito o que ser feito para mudar a matriz energética brasileira. Mesmo com forte participação da geração hídrica, e das renováveis (solar e eólica), se houver um avanço do uso do carro elétrico no país ou do veículo híbrido. Há que se aumentar muito a geração de energia limpa. Há um erro de se comparar a eficiência do etanol de cana do Brasil com o etanol de milho dos Estados Unidos (lá menos poluente). Mais do que suspeitas, o governo precisa ter estudos sérios para indicar problemas pontuais e estruturais.