Muito barulho por quase nada

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Lula, Randolfe Rodrigues e Jaques Wagner: fogo amigo?

Decididamente é muito triste, um jornalista prestes a fazer 74 anos em janeiro e com mais de meio século de profissão, lamentar os descaminhos da imprensa. A notícia, mote detonador da imprensa (opiniões são os acessórios que devem ajudar o leitor a avaliar melhor os fatos, abordados os prós e contras ou os dois lados eventualmente envolvidos), corre o risco de ser superada pela ação deletéria das “fake news”, ou dos “fatos alternativos”, como prefere Donald Trump. Conheço muita gente, bolsonarista raiz, que não segue o noticiário da grande imprensa. Sequer sintoniza qualquer canal de TV controlado pelas Organizações Globo (isso inclui os jogos das eliminatórias da Copa do Mundo). Não pela frustração da má fama da camisa verde-amarela, alvo das ordens de prisão do Supremo Tribunal Federal após a tentativa de golpe do 8 de janeiro.

Numa conversa enviesada de minha mulher com um velho conhecido, quando ela lhe indicou uma série da Globoplay, deu para ouvir no celular a resposta de que “não ouve, não lê e não vê nada ligado à Globo”. Nem à CNN. Prefere se “informar” pela JovemPan, ou pelos sites da Revista Oeste, que reúne o esquadrão da direita defenestrado pelo dono da JovemPan quando Bolsonaro perdeu o 1º turno e muitas empresas pararam de anunciar na emissora. Ou seja, uma parte da população, inconformada com a derrota do Messias Bolsonaro (Jair Messias Bolsonaro é seu nome completo), segue se informando pelas “fake news” das redes sociais, ou dos pastores, sem conferir se as “notícias” são verdadeiras. Basta busca rápida no Google para ver se a grande mídia noticiara o “fato”. Se não é fato, é fake. Simples assim.

Mas há o risco de a Inteligência Artificial tomar o lugar dos jornalistas sérios e conscienciosos. O risco aumenta quando a “burrice natural” domina o noticiário. Se as “fakes” correm soltas nas redes e o noticiário dito mais sério entra em clima de Datena, no “Cidade Alerta”, salve-se quem puder. Vou citar dois casos.

A guerra dos combustíveis

No dia 17, uma sexta-feira, depois de o barril de petróleo do tipo Brent para entrega no vencimento futuro (um mês à frente, em média) ter caído a US$ 77,42 na véspera (16), o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, em entrevista à GloboNews, tratou de fustigar publicamente o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, cobrando-lhe nova queda nos combustíveis (gasolina e diesel), porque o Brent estava em US$ 92 quando da redução anterior. Até aí era verdade.

Só que, no mesmo dia em que defendeu a queda, o barril do Brent voltou a subir. Chegou a US$ 82,45 (alta de 6,5%) na terça-feira, 21 de novembro, véspera da reunião que Prates teria com Silveira e o presidente Lula para aprovar o Plano Estratégico da companhia para 2024-2028. Mas o noticiário da GNews, desde a sexta-feira, 17 de novembro, repisou a fala de Silveira até a sexta-feira, 24, sem mencionar a evolução dos preços. Pior. Os comentaristas insistem que Silveira expunha a posição do presidente Lula, que estaria em busca de boas notícias para reverter a maré contrária da Faria Lima.

Com a redução dos juros, que deveria ter vindo antes e em maior intensidade como forma de evitar a derrapada da economia (e do emprego neste 2º semestre), com reflexos em 2024, os representantes do mercado financeiro não estão satisfeitos, ainda mais com a tributação sobre os fundos exclusivos individuais, para bilionários, que cabe à gestão dos especialistas do mercado, e sobre os milionários fundos “off-shores” de brasileiros radicados em paraísos fiscais que ficam especulando contra o real e diferencial dos juros entre Brasil e Estados Unidos, além de ações na B3, não era mesmo para gerar aprovação no mercado financeiro.

Só que o comportamento da bolsa mostrou o contrário: com forte ingresso de capitais estrangeiros [na verdade, capitais brasileiros em paraísos fiscais, que vieram ao Brasil tão logo o Federal Reserve decretou trégua na escalada dos juros]. Os fatos contradizem os comentários. Na sexta-feira, 24 de novembro, o Brent caiu novamente para US$ 80,23, mas não foi mencionada a gangorra dos preços no noticiário da GNews [cito isso com tristeza, pois fui do grupo fundador do canal e era um dos responsáveis pelo Conta Corrente, o programa econômico-financeiro da emissora, até 2001, quando fui ser diretor da Globo.com].

A volatilidade do Brent foi o argumento que Prates usou para convencer Lula que é melhor agir com segurança do que na afoiteza (o ministro da Casa Civil, Rui Costa, fazia coro com Silveira, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu razão a Prates, confirmando que a queda da inflação veio dos impactos da baixa dos preços dos alimentos, devido à supersafra de grãos e à ajuda da nova política de preços “abrasileirados” pela Petrobras, com uso mais intenso do petróleo mais leve do pré-sal nas refinarias, que operam com 96% da capacidade, em lugar da famigerada PPI (paridade de preços internacional, que punha a Petrobras num SPA de emagrecimento, visando sua privatização se Bolsonaro fosse reeleito). Uma colunista de "O Globo" ainda repete o mesmo enredo há uma semana.

A PEC monocrática

A PEC do Senado que acaba com a possibilidade de decisões monocráticas de um ministro do Supremo Tribunal Federal (ou de tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça) anular ou suspender o efeito de Lei ou Decreto aprovado pela Câmara e pelo Senado, vale dizer, em dois turnos no Senado, ou ainda um Decreto, Decreto Lei ou Medida Provisória do Executivo, criou um atrito desnecessário entre dois dos principais Poderes da República: o Legislativo e o Judiciário. Na verdade, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que já está envolvido na sucessão da Casa, para a qual o senador David Alcolumbre largou na frente, quis demarcar território e tirou da gaveta uma proposta de senadores ligados a Bolsonaro que estava esquecida há três anos (o Congresso funciona apenas até 22 de dezembro e só retorna do recesso em 1º de fevereiro, com a eleição das novas mesas diretoras do Senado e da Câmara).

Como o STF tomou a firme defesa da Constituição e da Democracia, ameaçadas pelo 8 de janeiro, e está condenando muitos golpistas bolsonaristas, a oposição, que já está convocando para este domingo, na Avenida Paulista, um comício com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro, no qual o STF será atacado, entre outras coisas, pela morte por enfarto do militante Cleriston da Cunha, que estava detido na Penitenciária da Papuda (DF), aproveitou para fazer um alarde e tentar intrigar o Executivo contra o Judiciário. Mas para a PEC valer, falta a Câmara colocar o tema em votação e aprovar no Plenário. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que foi protegido de uma investigação de corrupção pela Polícia Federal em seu estado, por decisão monocrática recente de Gilmar Mendes, está em sinuca de bico e deve deixar a PEC para após o recesso parlamentar.

O alvo da ação bolsonarista é o ministro Alexandre de Moraes, que concentra os inquéritos das “fake news”, da atuação do “Gabinete do Ódio” no 3º andar do Palácio do Planalto, durante o governo Bolsonaro, sob o comando do filho 02, o vereador Carlos Bolsonaro (Rio de Janeiro), e dos atentados de 8 de janeiro. Acontece que quem negou o pedido de “habeas corpus” para Cleriston foi o ministro André Mendonça, o “terrivelmente evangélico”, o último dos dois ministros indicados por Bolsonaro ao Supremo. Mas nada apaga a patacoada do líder do governo no Senado. Jacques Wagner (PT-BA), que deveria conquistar votos e impedir a derrota do governo, enquanto liderava a bancada para votar como quisesse, declarou seu voto a favor da medida. Houve dura reação, na mesma quinta-feira, 23 de novembro, dos ministros do STF, à frente o presidente da Corte, Luiz Roberto Barroso, e o decano (o mais antigo), Gilmar Mendes.

À noite, o presidente Lula convidou para um jantar no Alvorada os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin para reafirmar o alinhamento do Executivo com a Suprema Corte. O presidente Barroso também fora convidado, mas já estava em voo rumo ao Rio de Janeiro. Além de reafirmar apoio ao STF, Lula aproveitou o jantar para anunciar a indicação de Paulo Gonet, o procurador eleitoral que atuou na condenação que tornou Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, como o novo Procurador Geral da República, na vaga deixada por Augusto Aras desde 26 de setembro. Mendes e Moraes apoiavam Gonet. Mas Lula ainda se cercou de dois ministros, ambos cotados à vaga do STF aberta com a aposentadoria de Rosa Weber, no começo de outubro: Flávio Dino, de Justiça e Segurança Pública, José Messias, da Advocacia Geral da União (cargo que Gilmar Mendes exercia até ser indicado por Fernando Henrique Cardoso para o Supremo). Assim pôde sentir a reação dos nomes mais influentes do Supremo a seus dois candidatos.

Só há um problema. A pauta do Congresso (sobretudo do Senado, que ainda tem de votar a aprovação de dois nomes para o Banco Central) ficou mais engarrafada neste fim de ano até o recesso em 22 de dezembro. Tem a Reforma Tributária (em nova rodada na Câmara) e o reexame do veto presidencial ao projeto de desoneração da folha de pagamentos (que tirava R$ 177 bilhões da arrecadação federal, falar de corda em casa de esforçado pelo déficit). Tudo junto e misturado, Haddad terá de dar tratos à bola ainda para fechar a proposta do Orçamento para 2024, minado pelas isenções fiscais.

O preço da Paz

Teria sido tão mais fácil aprovar, em 18 de outubro, a proposta da resolução costurada pelo Brasil que presidia o Conselho de Segurança da ONU e que propunha que uma pausa humanitária fosse estabelecida em Gaza para socorrer milhares de civis. Até então, as mortes nos dois lados não passavam de 3 mil pessoas desde o atentado terrorista do Hamas, que invadiu Israel, matando pessoas em kibutz junto à fronteira de Gaza e sequestrando mais de duas centenas de pessoas que participavam de uma “rave” no deserto, no sábado 7 de outubro. Mas os Estados Unidos, por pressão da Casa Branca, impuseram seu veto e a proposta brasileira, que teve 12 aprovações (Rússia e Reino Unido se abstiveram), não foi adiante.

Foi preciso acumular mais de um mês de mortes violentas pelo revide de Israel que invadiu a faixa de Gaza, após ordenar a evacuação da população no norte da região, para sair à caça dos líderes do Hamas. Infelizmente, foi preciso esperar o mundo contabilizar, horrorizado, que o conflito já registrara 16 mil mortos (a maioria crianças e mulheres), e que potencializara ainda mais o ódio entre palestinos e judeus, para, na manhã de quarta-feira, 22 de novembro, o Ministério das Relações Exteriores do emirado do Catar anunciar a "trégua" de quatro dias durante a qual todos os lados - os militares israelenses, o grupo terrorista Hamas e o braço armado do Hezbollah, no Líbano - concordaram em parar os combates. Isto permitiria a libertação de 50 reféns detidos pelo Hamas em Gaza, em troca da libertação de cerca de 150 prisioneiros palestinos das prisões israelenses. A proporção é de um refém israelense para 3 prisioneiros palestinos. Também permitiria que a ajuda humanitária urgentemente necessária entrasse na Faixa de Gaza.

O custo da obtenção de uma parada na escalada de insanidade foi muito alto. Mas é preciso apontar responsabilidades. Joe Biden, que já está em campanha para a reeleição, numa revanche contra Donald Trump, em janeiro de 2024, queria surfar politicamente como articulador de uma trégua no Oriente Médio, antes que Israel acionasse seu poderoso Exército. O Catar e a Jordânia eram parte das negociações dos EUA para cessação temporária das hostilidades. Biden já estava com o périplo da viagem definido quando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que ficou balançando politicamente quando os serviços secretos e o exército de Israel foram colhidos de surpresa pelos ataques terroristas do Hamas, apelou a Biden para deixar que fizesse o revide ao Hamas e atacou a faixa de Gaza no dia seguinte ao veto dos EUA ao projeto de resolução brasileiro. Os países árabes tiveram de reagir solidários aos palestinos, e a viagem de Biden se restringiu a um encontro com Netanyahu, que usou as imagens para o público interno, e a uma escala na Jordânia.

Só agora, quando o estrago da carnificina foi condenado pela ONU e até o Papa Francisco considerou terrorismo os ataques de Israel a hospitais e alvos civis, refluiu um pouco a reação à fala do presidente Lula, quando recebeu a 1ª leva de refugiados brasileiros e seus parentes na Faixa de Gaza, após mais de 40 dias de espera, e mencionou a palavra terrorismo para condenar o revide desproporcional de Israel, os ânimos começam a ficar mais serenos. A que preço? Quando a humanidade vai perceber que a Paz é bem melhor que a guerra? É que os interesses econômicos dos “tambores da guerra” são mais barulhentos que o silencia dos tambores da Paz. Entre um e outro, o triste e lúgubre brado da marcha fúnebre...

Milei e os desafios da governabilidade

Javier Milei, líder do Partido Libertário e da coligação La Libertad Avança, derrotou o atual ministro da economia, Sergio Massa (do Unión por la Patria), no 2º turno (55,7% contra 44,3%). Desde então, as principais discussões têm girado em torno de seu provável ministério, da viabilidade do plano de dolarização, e dos desafios de governabilidade, considerando a participação limitada de seu partido no Congresso. Na Argentina, os governadores das províncias têm grande força política perante a União (ao contrário do Brasil, onde são dependentes do governo central). Apesar de ganhar em 20 das 23 províncias do país, Javier Milei não tem nenhum aliado direto entre os 23 governadores (nem todas as províncias tiveram eleições agora em novembro).

Mas suas maiores dificuldades para garantir as mudanças radicais que propõe, como reduzir de 18 para oito o número de ministérios, residem no fato de que na Câmara só tem 39 dos 257 deputados eleitos. O Union por La Pátria, de Massa, vale dizer, os peronistas, têm 105 assentos. Milei deve conseguir o apoio dos 92 deputados do Juntos por el Câmbio, cuja candidata, Patrícia Bullrich, ficou em 3º lugar (a grande força do grupo é o ex-presidente Maurício Macri, que se aliou a Milei). Mas os 141 votos terão forte oposição dos 105 votos dos peronistas e ainda dos 10 votos dos partidos de esquerda. No Senado, das 72 vagas, o La Libertad Avança só conquistou sete cadeiras. Com os 24 votos do Juntos por el Câmbio, teria uma base de 31 votos. Bem menos que os 33 senadores que integravam a coalizão de Sérgio Massa, aos quais se juntariam 3 senadores eleitos pela esquerda. Com o placar de 36 a 35 para a Oposição, nem com a conquista dos cinco votos restantes Milei teria maioria.

Será preciso muita habilidade para garantir a aliança dos não peronistas, mas ainda assim será bem difícil aprovar nas duas casas do Congresso leis relacionadas a impostos, tarifas e privatização. Quanto à utópica ideia da adoção do dólar como moeda nacional em lugar do peso, com o fechamento do Banco Central, que foi um dos motes de sua campanha, tão logo foi eleito, reconheceu que é uma medida complexa e só poderia ser adotado no segundo ano de governo. Pelo menos, percebeu que ficará prisioneiro de sua própria ideia e terá de usar o Banco Central, com a adoção do piso de juros acima da inflação. Os juros das Laliqs (equivalentes à Selic brasileira) estão em 133% ao ano, e a inflação oficial atingiu 142,4% nos 12 meses encerrados em outubro. Para evitar que a especulação em torno do dólar pressione a compra de divisas, terá de elevar muito os juros (travando uma economia já debilitada) e forçar a desvalorização do peso oficial (o que realimenta a inflação). Decididamente, o populismo morre pela boca.

Mas ainda corremos o risco de uma pequena repetição da briga entre brasileiros e argentinos na última terça-feira, no Maracanã, na posse do novo presidente do país irmão e sócio do Mercosul, quando bolsonaristas que pretendem festejar como sua a vitória de Milei da Argentina fustigarem a comitiva brasileira, à frente o presidente Lula (que ainda reluta em ir para evitar uma saia justa).

A alternativa do Decreto-Lei

O Banco Itaú-Unibanco, que até fins de agosto tinha uma filial na Argentina (cuja venda antecipa as dificuldades da economia dos vizinhos), considera que Javier Milei terá uma alternativa a partir da posse em 10 de dezembro. Para o Itaú, diante das dificuldades de governabilidade, o presidente eleito pode avançar sua agenda por meio de decretos de necessidade e urgência (o chamado DNU). Quando o presidente emite um DNU, ele entra em vigor quase imediatamente. Depois, então, o Congresso Nacional deve examinar o decreto para determinar se ele permanecerá em vigor ou não. Para o Itaú, Milei poderia usar essa ferramenta para conseguir implantar o Orçamento de 2024.

Mas o Itaú considera “improvável que ele consiga implementar reformas estruturais, como as reformas educacional e previdenciária, ou a eliminação do Banco Central”. Mesmo com a ideia de dolarização perdendo tração, pelo menos no primeiro momento, o Itaú prevê forte desvalorização da moeda antes do fim do ano. O banco projeta uma taxa de câmbio oficial de 670 ARS/USD (30% mais fraca do que no final de 2022 em termos reais) em dezembro, com inflação de 200% e uma taxa de política monetária (Laliq) de 145%.