A independência do BC pródigo
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Não sei se já aconteceu com o (a) caro (a) leitor (a) ter um sobrinho ou filho de um amigo que levava uma vida despreocupada com as finanças porque papai bancava tudo, e um dia resolve tomar tenência na vida e proclama que vai se tornar independente e fazer um curso no exterior (em Harvard ou na Universidade de Chicago ou ainda em Londres, na London School of Economics). O pai fica satisfeito, mas faz a pergunta: “e como você vai se sustentar?”. “Espero que o senhor banque tudo”.
Sei de um caso inverso: uma moça, já formada, e trabalhando num bom emprego, vira-se para pai e diz que vai fazer pós-graduação nos Estados Unidos. Este, não querendo ver a filha distante, argumenta que não poderia bancá-la. Mas ela emenda: ”não precisa”, já tinha negociado financiamento bancário (tipo Fies) para o curso. No fim do curso, uma gigante da informática a escolheu em concurso. Foi empregada, casou, teve filhos e segue na empresa com uma bela carreira. Independente.
Aqui no Brasil, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que tem independência perante o Poder Executivo desde fevereiro de 2021 pela Lei 179, surpreendeu o país e em particular o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que comanda o Conselho Monetário Nacional, órgão máximo da economia do país, do qual fazem parte a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o próprio Banco Central, com a informação de ter patrocinado a Proposta de Emenda Constitucional (a PEC 65/2023), apresentada pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), em novembro, que dá independência financeira ao BC, que ganhou aprovação de 42 dos 81 senadores nesta semana.
Haddad ficou duplamente contrariado por ter o presidente do Banco Central dado força a uma emenda à Constituição sem consulta prévia ao ministro da Fazenda, que tem a chave do Tesouro Nacional, e muito menos ter conversado com o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. A preocupação de Campos Neto, às voltas com a insatisfação de remuneração dos quadros do Banco Central, em greve, tipo operação padrão, há dois meses, por reivindicação de aumentos salariais. Como o teto do funcionalismo esbarra no teto dos salários de ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 44 mil), o BC vem perdendo quadros para a banca privada, que paga mais e ainda dá bônus. Só que o funcionário do BC tem estabilidade e não está sujeito a demissões.
Mas a pose de independência do Banco Central por Campos Neto, cujo mandato acaba em 31 de dezembro de 2024, e já em junho deste ano o Conselho Monetário Nacional e o governo Lula podem estar negociando o substituto (o mais cotado é o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, que foi secretário-executivo de Haddad até junho do ano passado), é só basófia. Da boca pra fora.
BC tem prejuízo de R$ 114,1 bilhões
Na última quinta-feira, o Conselho Monetário Nacional aprovou o balanço financeiro do Banco Central do Brasil em 2023, com prejuízo de R$ 114,152 bilhões. Detalhe: em 2022, o Banco Central teve prejuízo líquido de R$ 36,5 bilhões que o Tesouro Nacional teve de bancar e cobrir em 11 de janeiro de 2024. A independência do Banco Central é para inglês ver. Se o BC tem resultado positivo, de acordo com a Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, e a Lei 13.820, de 2 de maio de 2019, o valor “é transferido ao Tesouro Nacional após a constituição ou reversão de reservas, até o décimo dia útil posterior à aprovação do balanço”.
Entretanto, se for negativo, o que acontece pelo segundo ano seguido na gestão de Campos Neto (o dependente), “será coberto pelo Tesouro Nacional, após utilização das reservas e do patrimônio institucional, observado o limite mínimo para o patrimônio líquido de 1,5% do ativo total, até o décimo dia útil do exercício subsequente”. Ou seja, o BC fala tanto em rigor fiscal, mas já tomou lugar de R$ 36,5 bilhões de gastos sociais no Orçamento Geral da União (OGU) de 2024, e já espetou previamente despesa de R$ 114,152 bilhões para o OGU de 2025. A título de comparação, o rombo do Banco Central consome em dois anos R$ 147,7 bilhões, e o Bolsa Família tem orçamento de R$ 169,5 bilhões este ano.
A contradição do BC
O presidente Lula tem feito insistentes críticas ao excesso de cautela do Comitê de Política do Banco Central em manter por tempo excessivo as taxas de juros elevadas. Só com a entrada de Galípolo e Ailton de Aquino na diretoria do BC, no começo do segundo semestre do ano passado, foi possível – numa queda de braços em que quatro membros do Copom insistiam em só baixar a taxa Selic (o piso do sistema financeiro) em 0,25 ponto percentual, e quatro propunham 0,50 para desgarrotear a economia, coube a Campos Neto o voto de minerva. Os juros desceram até 10,75% em 20 de março, mas o Copom já adiantou que a última baixa de 0,50 será em 9 de maio. A partir daí (10,25%), seria a conta-gotas de 0,25 p.p. O Copom reconheceu que a inflação ficou dentro da meta porque houve baixa dos preços dos alimentos (o BC não acreditou na supersafra) e os preços dos combustíveis subiram menos do que esperava. Ou seja, não foi mérito da política monetária. Agora o Copom está com medo do crescimento do emprego (nos Estados Unidos, é uma das metas do Federal Reserve, o Banco Central do Tio Sam).
Mas o BC que se quer independente, mas na hora de pagar a conta pede socorro ao Tesouro Nacional, é o mesmo que a cada reunião do Copom, ao manter os juros muito elevados (exageradamente, como em 2023), cria uma despesa descomunal em juros para o Tesouro Nacional na dívida pública. A mesma dívida pública líquida que ultrapassou R$ 6,7 trilhões e o BC apontou como problema, como se nada tivesse com isso... Sim, caro (a) leitor (a), a dívida é do Tesouro, que tem de programar o perfil de endividamento (em relação ao Produto Interno Bruto – o “faturamento” da economia), mas as circunstâncias do mercado financeiro, gerido pelo Banco Central, colocam mais da metade da dívida pública alavancada na taxa Selic, mas esta é contida para travar a inflação, asfixiando a economia e o consumo, e achatando o PIB.
Ano passado, o país pagou R$ 718,3 bilhões em juros da dívida. É uma dívida rolada com a própria dívida (por isso, os parâmetros de endividamento são importantes). Em 2022, foram R$ 586,4 bilhões. Ou seja, o custo dos juros cresceu 22%, ou R$ 131,9 bilhões. Mais de 80% do Bolsa Família de 2024.
Com Campos, R$ 2,4 trilhões em juros
Na gestão de Roberto Campos Neto (2019 a 2023, sem contar 2024), os juros da dívida somaram R$ 2,432 trilhões. Com 2024 vai passar de R$ 3 trilhões. A título de comparação, todos os projetos do PAC para os próximos cinco anos somam R$ 1,6 trilhão.
O governo faz um esforço enorme para desconcentrar a renda do país, com a reforma tributária, que vai reduzir a carga de impostos sobre o consumidor e carregar a carga de impostos sobre os mais ricos, em especial no mercado financeiro, mas a composição da dívida (60% em mãos de instituições financeiras e fundos de investimentos – a Previdência carrega 23% da dívida) volta a concentrar a renda e a jogar todo o esforço por terra.
Um cidadão sob todas as suspeitas
Virou lugar comum a observação de Karl Marx de que ”A História só se repete como farsa”. Mas a conclusão do inquérito sobre a morte, em 14 de março de 2018, da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e do motorista Anderson Gomes, pela Polícia Federal, que apontou o ex-chefe da Delegacia de Homicídios, Rivaldo Barbosa, nomeado chefe de Polícia Civil à véspera da execução (pelos ex-PMs Ronnie Lessa e Elcio Queirós, que confessaram o crime), como um dos articuladores do assassinato, com atuação prévia para desligar câmeras de rua no local escolhido para o crime, no Estácio, e no arquivamento de investigações posteriores, me fez lembrar do magnífico filme do cineasta italiano Elio Petri, vencedor, em 1970, da Palma de Ouro em Cannes, e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro “Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita”.
No filme, levemente inspirado em “Crime e castigo”, de Dostoievski, com música de Ennio Morricone, um dos grandes filmes políticos italianos dos anos 1970, Elio Petri traça sua visão aguda sobre o abuso e corrupção do poder e da moral. Gian Maria Volonté, em brilhante interpretação, é um alto comissário de polícia, com reputação ilibada, fama de incorruptível e reacionário. Ele mata a amante e planta provas no apartamento dela para que as suspeitas se dirijam a ele. O objetivo final do crime experimental era provar para si mesmo que ele era inatingível por ser um cidadão acima de qualquer suspeita. Sendo um representante do poder e exercendo seu papel hierárquico sobre as pessoas que possivelmente o acusariam, o personagem consegue desviar de si a possibilidade externa de ser um criminoso, mesmo que todas as suspeitas e provas estivessem claras. E se admira de ver os colegas ignorando as provas que escancarou contra si mesmo. Como ele mesmo disse, tudo foi feito para provar algo: que estava acima de qualquer suspeita.
Na vida real, por um motivo ou por outros ainda não totalmente esclarecidos pela Polícia Federal e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a vereadora carioca Marielle Franco, eleita em 2016 com 46 mil votos, interferiu na atividade parlamentar da família Brazão, que exerce seu poderio territorial na região sem lei em que se transformou a Zona Oeste do Rio, mais precisamente em Jacarepaguá e no entorno, misturado e com apoio das milícias e a conivência da banda podre da Polícia Civil e da PM do RJ.
Quem duvida do conluio, vale recordar que quando o miliciano Zinho se entregou à PF, na véspera do último Natal, em 24 de dezembro, levado por sua advogada, esta só ligou para o delegado federal com quem negociara a rendição do miliciano quando já estava em frente à sede carioca da PF, na Praça Mauá. Irmãos de Zinho foram mortos nas mãos da polícia. O episódio que o levou a ser considerado inimigo número 1 pelo governador Cláudio Castro foi a arruaça que promoveu, em outubro, em Santa Cruz e Bangu, com o incêndio de mais de 35 ônibus como represália à execução de seu sobrinho Matheus da Silva Resende, de 24 anos, seu braço-direito na quadrilha.
Matheus, também conhecido como Faustão, morreu ao reagir à execução de mandados de prisão da Polícia Civil contra membros da milícia, no começo da manhã. Temendo vazamento para outras delegacias ou a batalhões da PM lenientes com as atividades ilegais da milícia e do jogo do bicho e máquinas eletrônicas na região - os bairros de Jacarepaguá, Santa Cruz, Bangu e parte da Barra da Tijuca, todos na Zona Oeste, são os maiores currais eleitorais da cidade -, o grupo de policiais operava em sigilo. Com a reação dos milicianos fortemente armados, o grupo de policiais apelou pelo socorro da PM. Mancomunada com os milicianos ligados a Zinho, a PM fez corpo-mole de início. Só quando a interrupção do tráfego de ônibus e até do ramal ferroviário de Santa Cruz (uma composição foi também incendiada) ganhou manchetes nas emissoras de TV e rádio, por impedir o deslocamento para o emprego de uma massa expressiva de trabalhadores, veio a ordem expressa do governador Cláudio Castro para a ação enérgica do Bope e demais forças de elite da PM.
Mas o desencontro das ações entre a Polícia Civil e a Polícia Militar (que atuam mais antenadas em proteger o submundo do crime e da política carioca e fluminense do que ao cidadão, levou o governo Lula, por recomendação do então ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a editar, em 1 de novembro de 2023, um decreto para garantia da lei e da ordem (GLO) em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para combater o crime organizado que se espraia em vários estados, incluindo o contrabando de drogas e armas nos estados fronteiriços do país e nos principais portos e aeroportos, militares da Marinha e da Aeronáutica passaram a atuar, em articulação com a Polícia Federal, nos portos do Rio, de Itaguaí (RJ) e de Santos (SP), e nos aeroportos internacionais do Galeão (RJ) e de Guarulhos (SP). A GLO iria vigorar até maio deste ano, mas já foi prorrogada no Rio por mais 30 dias. Para ampliar a capacidade operacional, houve reforço de efetivo e equipamentos na PF, na Polícia Rodoviária Federal e na Força Nacional no Rio de Janeiro, em São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná. O balanço parcial da operação descobriu rotas de contrabando de armas e drogas antes ignoradas ou que passavam pela vista grossa do aparato policial local comprometido com o crime.
No começo do ano passado, outra decisão do ministro Flávio Dino foi a criação de uma força tarefa da Polícia Federal para reabrir as investigações sobre a execução de Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. As investigações iniciais – interrompidas e sabotadas na Polícia Civil do Rio de Janeiro, em especial na Delegacia de Homicídios, já tinham apontado os primeiros suspeitos. Com a demora e interferências externas do governo Bolsonaro no inquérito (trocas da direção da PF no Rio de Janeiro e sucessivos descartes de provas pela DH e pela Polícia Civil do RJ – ao passo em que muitos envolvidos na história eram estranhamente mortos como se fossem ”queima de arquivos”) gerou mesmo um clima de mistério.
Uma estranha coincidência
Para aguçar a imaginação de roteiristas de filmes policiais tipo quebra-cabeças, vale recordar que o pistoleiro confesso das rajadas que mataram a vereadora no banco traseiro e seu motorista pelo fogo cruzado, e pouparam, por milagre, a assessora Fernanda Chaves, que estava no banco do carona, o matador de aluguel que atuava para várias frentes do crime organizado, Ronnie Lessa, quando era cabo da PM, foi quem devolveu ao então deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PP-RJ) a moto Honda 350 e a pistola Glock roubadas em um assalto à mão armada na Zona Norte do Rio.
Como a notícia ganhou repercussão nas mídias da época. O chefe do tráfico da favela de Acari, às margens da Avenida Brasil, na Zona Norte, Wanderley Cunha, o “Deley de Acari”, descobriu que a moto e a pistola Glock estavam em seu território. Com medo de atrair a polícia e prejudicar seus negócios ilícitos, chamou o assaltante para prestar contas. De posse dos objetos roubados, entrou em contato com o 9 Batalhão da PM (que atua na região) e o gabinete da vereadora Rogéria Bolsonaro (mãe dos filhos 01, 02 e 03), então ainda casada com o deputado federal, para a devolução dos pertences. Coube a Ronnie Lessa entregar a moto e a pistola na casa de Bolsonaro, em Vila Isabel.
Duas décadas depois, já trabalhando como segurança do bicheiro Rogério Andrade, sobrinho de Castor de Andrade, que travava guerra pelo comando dos pontos de jogos eletrônicos e cassinos clandestinos na Zona Oeste, Ronnie Lessa, que passou a ser vizinho da casa de Jair Bolsonaro no condomínio “Vivendas da Barra”, na Avenida Sernambetiba, perdeu a perna na explosão do carro blindado atingido no atentado a bomba em que morreu, na Avenida das Américas, também na Barra da Tijuca, o jovem Diego (17 anos) filho de Rogério, a quem dava segurança.
O vizinho deputado, que era patrono da ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação), deu todo apoio à recuperação do policial, ainda na PM, que precisou colocar uma prótese e fazer demorado processo de reabilitação na instituição beneficente. Os laços de ambos se estreitaram a ponto de o filho mais novo de Bolsonaro, Jair Renan, nascido no segundo casamento, com a advogada Ana Cristina Valle, ter namorado a filha de Ronnie Lessa, quando morou no “Vivendas da Barra” até a eleição para presidente.
O cidadão suspeito
O Ministério Público do Rio de Janeiro, que conduziu o inquérito inicial com a DH, encontrou as primeiras pistas do enredo. Mas algumas provas, reforçadas quando a Polícia Federal entrou no caso, em 2019, e chegou aos nomes de Ronnie Lessa, Élcio Queiroz e do bombeiro militar de Maxwell Corrêa, o Suel, além de Edimilson Oliveira da Silvana, o Macalé, como envolvidos na preparação do crime. Mas, com a demora das investigações cheias de idas e vindas, muitos dos envolvidos, direta ou indiretamente, foram mortos.
E o tempo foi apagando pistas (sobretudo nos registros das câmeras da Prefeitura do Rio, após cinco anos). Macalé, que teria intermediado os contatos entre Ronnie Lessa e o assessor de Domingos Brazão no TCE-RJ, Robson Calixto Fonseca, foi morto a tiros em novembro de 2021. Edilson Barbosa dos Santos, o “Orelha”, prova ainda viva, confirmou ter desmanchado em seu ferro-velho o carro Chevrolet Cobalt usado no atentado.
Recorde-se que na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, que levou ao ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro a renunciar no dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro esbravejou, aos palavrões, que ia interferir na Polícia Federal do Rio “para trocar o superintendente, o diretor da PF e até o ministro, mas não vou deixar que, só de sacanagem, ninguém fod... meus amigos e familiares”.
O delegado Rivaldo Barbosa, após servir 15 anos na Aeronáutica, e depois de fazer um o curso de Direito na UniSUAM, fez concurso em 2002 para a Polícia Civil do Rio de Janeiro e foi aprovado. Barbosa sempre realçou em seu currículo a “expertise” no setor de inteligência. Em 2007, quando chefiava a Coordenadoria de Informação e Inteligência Policiais (Cinpol), fez o plano de inteligência e segurança dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio. No ano seguinte, com curso na Escola Superior de Guerra, reforçou seu currículo junto ao estamento militar. Ganhou fama ao liderar as investigações para a captura, em Fortaleza (CE), sem um único disparo, de João Rafael da Silva, o Joca, que dividia o comando da venda de drogas na Rocinha com Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem.
Em 2009, tornou-se subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança, na gestão do secretário Mariano Beltrame, que implantou as UPPs no governo de Sérgio Cabral. Daí passou ao comando da Divisão de Capturas e Polícia Interestadual, até assumir a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), em 2012. Na especializada, Barbosa desvendou o assassinato da juíza Patrícia Acioli, em agosto de 2011. Sua confiança junto aos partidos de esquerda e das comunidades faveladas cresceu mais ainda quando investigou o caso do desaparecimento e morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, crime ocorrido em julho de 2013, na Favela da Rocinha, Zona Sul do Rio. Nos dois casos, policiais militares envolvidos foram presos.
No período de intervenção federal na Segurança do Rio de Janeiro, em fins de 2017 e pelo ano de 2018, decretada pelo governo Temer, sob o comando do general Walter Braga Neto, que era comandante militar na Região Leste, que indicou o general Richard Nunes como secretário de segurança, o currículo de Rivaldo Barbosa impressionou os militares. Estranhamente, casos que envolviam o submundo do jogo do bicho, milícias e feudos políticos não tiveram desfecho. Isso despertou restrições do MP-RJ e da PG, mas o general Nunes aprovou o delegado para dirigir a Divisão de Homicídios, responsável pelas três delegacias que cuidam de desvendar assassinatos no estado, onde colocou homens de confiança. Por coincidência, na véspera da execução de Marielle e Anderson, foi nomeado, em 13 de março de 2018, chefe da Polícia Civil. Depois que surgiram suspeitas contra ele no governo Wilson Witzel, foi removido da chefia da Secretaria de Polícia Civil e encostado na chefia da Coordenadoria de Comunicações e Operações Policiais, que cuida da operação com rádios da corporação, sistema hoje obsoleto na comunicação policial.
Crime e premiação
Ao contrário da inspiração de Dostoievski, a demora de seis anos para a elucidação do crime e o indiciamento dos suspeitos para julgamento pode ter custado caro aos cofres públicos. Segundo levantamento do site “Estadão”, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa e outros três alvos da Polícia Federal receberam ao menos R$ 7,073 milhões em remunerações brutas, 13º salários e gratificações natalinas desde a execução.
Numa condenação rápida, poderiam ser expulsos das funções públicas e perder direito a benefícios. Os irmãos Brazão e o delegado foram presos seis anos após o crime. O delegado da Polícia Civil Giniton Lages, o comissário da Polícia Civil Marco Antônio de Barros Pinto e o assessor de Domingos Brazão no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Robson Calixto Fonseca foram alvo de buscas e apreensão de documentos e celulares. Todos negam participação no crime.
Privilégios da função
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), reagiu com espírito de corpo e deixou correr todas as reações corporativas da Câmara dos Deputados à prisão do deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) e seu irmão, o conselheiro do TCE e ex-deputado estadual Domingos Brazão, por terem ambos sido flagrados pelas câmeras da TV descendo algemados, em Brasília, do avião da Polícia Federal.
Arthur Lira considera que o delegado Rivaldo Barbosa não teve o mesmo rigor das algemas (se minha vista não está ruim, tenho quase certeza de que o delegado entrou algemado na grade do “camburão”da PF).
Essa preocupação com os rituais me lembra os tempos das reuniões da Câmara, quando meu tio Geraldo de Menezes Côrtes, líder da UDN, era aparteado por alguém do PTB, adversário. Os deputados se tratavam, nos apartes, com mesuras tipo “Vossa Excelência, nobre deputado” e lá vinha o insulto, ”não passa de um FDP”. Minha querida avó ficava possessa.