Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
O que é pior: o não ou a abstenção sobre Brazão?
Publicado em 14/04/2024 às 08:18
Alterado em 14/04/2024 às 08:18
A classe política brasileira, sobretudo os deputados federais eleitos para a Câmara, deu uma demonstração clara esta semana de sua baixeza moral e ética na votação para ratificar a autorização ao Supremo Tribunal Federal para processar o deputado federal Chiquinho Brazão (eleito pelo União-RJ, expulso do partido e ainda não acolhido pelo Republicanos). Ele foi acusado em inquérito da Polícia Federal de ter articulado com seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão, a obstrução de Justiça nas investigações e, com a participação do ex-secretário de Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa, na ocultação de provas dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, praticados pelos réus confessos - os ex-PMs Ronnie Lessa, autor dos disparos, e Élcio de Queiroz, que dirigia o Chevrolet Cobalt usado no crime bárbaro.
Como se sabe, a votação autorizando o prosseguimento da ação penal foi apertada. Dos 513 deputados eleitos para a Câmara, era necessária a aprovação do quorum mínimo: metade mais um, ou 257 votos. Pela repercussão do caso, que reverbera na mídia há seis anos, e por se tratar de um crime contra a política, era de se esperar uma margem maior, talvez na faixa de mais de 300 votos. Pois foram 277 votos a favor da continuidade do processo, apenas 20 além do necessário, contra 129 votos contrários, a imensa maioria (71 votos partidos do PL, a legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro, que era vizinho de Ronnie Lessa no condomínio “Vivendas da Barra”; sete deputados do PL votaram a favor da autorização). Mas houve a atuação pusilânime de quem se absteve na hora da votação nominal (no painel eletrônico), optando por ficar em cima do muro com a abstenção: 28 votos.
Maior covardia foi dos 83 que faltaram ao escrutínio. O presidente da Câmara, Arthur Lira, que não precisou votar, há muito criou a facilidade do voto à distância, pelo celular. Foi conveniente não se definir em tempo de processo eleitoral para sua própria sucessão, em fevereiro de 2025. Mesmo assim, 83 se juntaram aos que amarelaram em plenário, e não declararam Sim ou Não. Mas se 28 e 83 não eram Sim, muito pelo contrário, têm de ser considerados como Não. Em suma 129 + 111 votaram Não, somando 240 votos, ou seja 46,8% dos deputados se recusaram a autorizar uma ação judicial contra Chiquinho Brazão, que pode se defender e provar inocência ou ter sua culpa reconhecida no bárbaro duplo assassinato. A rigor, como o presidente da Casa, Lira, não votou, o quorum votante era de 512 deputados, e a vitória foi muito apertada: 54,10% Sim e 46,9% Não. Uma casa dividida e cuidando do próprio umbigo. Há quem uniu a orientação partidária aos próprios interesses, como a deputada Carla Zambelli (Pl-SP), denunciada pela Procuradoria Geral da República por perseguir, de arma em punho, na véspera do 2º turno, quando o porte de arma foi suspenso, um eleitor negro do PT em rua de São Paulo.
Muita gente votou ignorando a orientação partidária. Mesmo no PL, sete votos dissidentes, ou 7%, aprovaram a ação penal, mas 71 votaram contra e 17 se abstiveram; no União (legenda pela qual Brazão fora eleito em 2022, houve apenas 16 aprovações e 22 votos contrários, aos quais se somam 20 faltas. No PP (de Arhur Lira e Ciro Nogueira) foram 18 votos pela continuidade do processo, mas a soma dos ‘nãos’ (10) com as 22 abstenções, deu 32 que não queriam se comprometer com o STF e a classe política em futuras votações (inclusive para a Mesa da Câmara, em 2025, disputada pelo Republicanos, PSD, União, PP e PT). E ainda tivemos uma contradição: a maioria da Câmara votou contra a “saidinha” de presos no chamado “indulto de Natal”, mas 45 dos que votaram contra o benefício a quem já cumpriu mais da metade da pena, tem bom comportamento e trabalha ou estuda em regime semi-aberto, deram um “saidão” ao deputado Chiquinho Brazão: votaram contra a ação no STF.
Deputados do Rio, a maior vergonha
Dono da 3ª maior bancada, com 46 deputados (só perde para os 70 de São Paulo e os 53 de Minas Gerais, tudo em função do tamanho da população, a Bahia, 4º em população, tem 39 deputados federais), o Rio de Janeiro, reduto eleitoral do clã Brazão, incrustado nas zonas eleitorais de Jacarepaguá e Campo Grande, que se junta a Santa Cruz e Bangu como as maiores da Zona Oeste, mostrou uma falsa divisão. Oficialmente, foram 18 votos pelo seguimento do processo pelo Supremo Tribunal Federal (a maioria do PSol, do PT, do PSB e PDT) e 18 votos contra (a maioria do PL, do PP e União).
Além de orientações políticas, os deputados não queriam se indispor com os grandes eleitores dos maiores currais eleitorais do Grande Rio dominados pelas milícias, cujas atividades as investigações do caso Marielle estão expondo: ligações perigosas entre a política, o crime organizado e as milícias. Para ficar em cima do muro, três deputados que se registraram no Plenário, se abstiveram na hora do voto: Dr Luizinho (PP), que é uma carta na manga de Arthur Lira para a sua sucessão, Bebeto (não é o ex-jogador, do PTJ) e Júlio Lopes (PP), que circula e faz política na Zona Sul, mas cabala voto na Zona Oeste.
E outros seis simplesmente faltaram na obrigação do registro no painel até por celular (mais do que em cima do muro, ficaram na torre, aguardando os fatos). São eles, o ex-prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) e porta-voz da Igreja Universal do Reino de Deus, comandada por seu tio Edir Macedo (que tem inúmeros templos nas áreas da Zona Oeste de influência dos Brazão). O Republicanos, partido político da IURD, foi o que mais se valeu da fuga do voto, pensando agradar a Deus e ao diabo. Além de Crivella, faltaram à votação os deputados Rosangela Gomes e Luiz Carlos Gomes.
Usaram o mesmo truque da falta os deputados Áureo Ribeiro (Solidariedade), Marcos Soares (União) e ainda o deputado federal do PT (ex-prefeito de Maricá), Washington Quá-Quá, por opção tática de evitar comprometer planos políticos futuros. Como diria Leonel Brizola, “está costeando o alambrado”.
Lítio o X da questão Musk
Elon Musk não prega prego sem estopa. Quando Bolsonaro era presidente e ele assumiu o controle do antigo Twitter, rebatizado como X, usou o cartão de franquia da rede social ao discurso de ódio e à disseminação de “fake news” pelo bolsonarismo, que copia a tática de Donald Trump (e todos remetem aos ensinamentos de Joseph Goebbels, de que “uma mentira propagandeada durante muito tempo vira uma verdade” – imagina se Hitler tivesse em mãos o Twitter e as redes sociais...), como um passaporte para negociar muitas coisas com o governo. Com múltiplos interesses na Tesla veículos, na Space X, que lança satélites pelo Cosmo em foguetes retornáveis e que emitem sinais para as pequenas antenas parabólicas da Starlink, o foco de Musk é o acesso a reservas de lítio no mundo, o chamado “petróleo branco”que move as baterias de carros elétricos e futuros veículos de voos curtos.
O lítio é encontrado nos Estados Unidos e principalmente no Canadá. Na Europa, é raro e sem volume. Há na China, mas em escala insuficiente, por isso os chineses cobiçam alguns países africanos. Outro território a explorar é a América do Sul. Ele está presente em larga escala nas montanhas dos Andes bolivianos, argentinos e um pouco no Peru. No Brasil, as maiores ocorrências são no Vale do Jequitinhonha. Não é exagero considerar que o próximo cenário das grandes disputas dos blocos econômicos, tendo em vista as exigências climáticas urgentes de substituição dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) será pelo petróleo branco do lítio.
Foi de olho no lítio e outros metais raros que podem estar escondidos sob a floresta Amazônica que a fome de comer de Elon Musk se juntou ao apetite pela destruição da floresta e o menosprezo pelos povos indígenas de Bolsonaro. Os dois se deram as mãos neste banquete antropofágico contra a floresta. Se Mário de Andrade estivesse vivo, em vez do gigante Venceslau Pietro Pedra, que cobiçava a pedra Muiraquitã de Macunaíma, o gigante seria rebatizado de Elon Musk, o racista sul-africano que se radicou nos Estados Unidos, mas se mostra apátrida quando seus interesses estão em jogo.
O conto chinês
O bilionário seduziu os chineses para instalar no país a fábrica da Tesla, voltada para produzir carros elétricos. Como se sabe, os custos sociais e de infraestrutura na China são bem mais em conta que nas terras de Tio Sam. Mas os chineses, que eram copiadores dos carros tradicionais (vistos inicialmente com desdém, até ameaçar as grandes montadoras), fizeram o mesmo percurso no desenvolvimento de carros elétricos. Com o conhecimento testado nos carros a combustão e o uso da IA, os chineses estão fazendo carros melhores e mais baratos que os da Tesla (made in China). Recentemente, o bilionário tentou convencer o governo americano a impor restrições aos carros chineses da BYD e outros fabricantes. O seu jogo econômico é o monopólio...
Mas o passo seguinte era encontrar lítio farto para alimentar as baterias. Tentou investir no Canadá. Não teve sucesso. Musk se jacta de ter contribuído para a queda de Evo Morales na Bolívia, visando pôr as mãos nas gigantescas reservas do país. Sem sucesso. Aí veio aliciar o Brasil, por meio do filho 03, o deputado Eduardo Bolsonaro (Pl-SP). Não conseguiu o acesso (ainda) ao lítio de MG, mas ofereceu satélites para as escolas da Amazônia e outros locais distantes, sem operadoras de telefonia, para terem acesso à internet. O governo Bolsonaro mordeu a isca.
Os pequenos aparelhos de acesso à internet por satélites, da Starlink, que podem ser usados em sítios e fazendas, estão sendo vendidos na internet por menos de R$ 3 mil. O resultado é que se tornaram poderosa ferramenta de destruição do avanço do garimpo em terras indígenas da Amazônia. Em meados do ano passado, a Polícia Federal apreendeu 32 aparelhos desses nos garimpos para comunicação com as bases no Brasil e eventuais conexões com o narcotráfico. Há um mês, nova ação da PF apreendeu mais 20 aparelhos. Musk não perde muito com as apreensões, pois as vendas são feitas por sites de compras chineses ou pelo Mercado Livre.
A briga com o STF, numa bravata extemporânea de Elon Musk, alegando que o X não cumpriria ordens judiciais do ministro Alexandre de Moraes para retirar postagens falsas (Moraes coordena os inquéritos das “fake news”, que se interligam com os preparativos do golpe de 8 de janeiro de 2023) não foi entendida como um simples “bate-boca” pelo representante legal do X no Brasil. Dois dias depois de Musk disparar contra o STF, na figura de Moraes, o representante legal da X no Brasil, Diego de Lima Gualda, pediu desligamento da empresa na Junta Comercial de São Paulo. Advogado e empreendedor, ele entende mais de leis e do Poder Judiciário no Brasil. Os estragos de uma suspensão no 4º mercado do mundo podem ser muito pesados para o X.
Neste sentido, parece piada a bravata de Elon Musk de que pode trocar a sede do X no Brasil para Buenos Aires, após encontro com o presidente Argentino, Javier Milei, nos Estados Unidos. Com uma população que mais passa de 46 milhões de habitantes, contra 216 milhões do Brasil, o mercado do X na Argentina é x minúsculo. Musk só pode estar blefando. Melhor não entrar em litígio com o Brasil, mercado tão valioso. Deve ter sido um blefe de pôquer ou um “all win”. Sua aposta pesada é no acesso ao lítio dos Andes argentinos. Já que não conseguiu na Bolívia.
Não sabe que os argentinos são milongueiros...