COISAS DA POLÍTICA

Como a maior democracia pode morrer e afetar o mundo

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Publicado em 30/06/2024 às 07:50

Alterado em 30/06/2024 às 07:50

Bandeira dos Estados Unidos da América Foto: reprodução

Como boa parte do Congresso passou a semana reunido em torno de festas juninas no interior do país, com cada senador ou deputado federal pouco preocupado com a escalada do dólar, pois tinham assuntos mais importantes para cuidar, fechando alianças com os velhos coronéis e os novos caciques eleitorais, que são os pastores evangélicos e “bispos” pentecostais, as atenções da área política se voltaram para o primeiro debate da eleição presidencial dos Estados Unidos organizado pela CNN. Os que assistiram ao debate na noite de quinta-feira, entre o atual presidente Joe Biden, que tenta a reeleição, e o ex-presidente Donald Trump, ficaram impressionados com a decrepitude de Biden, de 81 anos, que não conseguiu terminar respostas e não soube rebater a série de mentiras do oponente de 77 anos.

O “New York Times”, que costuma dar apoio aos democratas e faz sérias restrições ao estilo autoritário de Trump, mostrou na sexta-feira toda a perplexidade dos simpatizantes do Partido Democrata com a perda de capacidade cognitiva do atual ocupante da Casa Branca. Não que Trump, pouco mais de três anos e meio mais novo, não dê demonstrações, quando não mente, de também estar meio perdido. O NYT sugeriu claramente que Biden renuncie em favor de um candidato mais viável para a evitar a volta de Trump. E a ameaça do Republicano de “não reconhecer outro resultado que a sua vitória em eleições limpas”, não foi só a tentativa de passar uma borracha na infame invasão do Capitólio. A ação criminosa dos acólitos que insuflou em 6 de janeiro de 2021, quando o Congresso diplomaria Biden e a vice-presidente Kamala Harris, em cerimônia presidida pelo vice de Trump, Mike Pence, causou seis mortes. Mas Trump vive de criar uma realidade paralela.

A situação é demasiado séria: os Estados Unidos e boa parte do mundo estão diante de uma “Escolha de Sofia”, ou reelegem um presidente que está tropeçando nas palavras e nas próprias pernas, ou aceitam a volta de outro, um conhecido especulador imobiliário que não demonstra qualquer apreço pelos ritos democráticos. Por isso se entende bem com o autocrata Vladimir Putin, que se reelegeu para um terceiro mandato na Rússia. O mundo reelegeu este ano o primeiro-ministro Narendra Modi, na Índia, a maior democracia do mundo, onde votaram 950 milhões de eleitores. No começo do mês, o México, outra grande democracia, escolheu uma mulher, Cláudia Sheibaum, para governar o país de 137 milhões de habitantes pela primeira vez.

Outras importantes eleições podem mudar o destino de duas importantes nações europeias, a França e o Reino Unido, que integram o Conselho de Segurança da ONU, com poder de veto e poderio atômico, como os EUA, a China e a Rússia. Neste domingo, 30 de junho, é a vez da França escolher entre a continuação do presidente Emmanuel Macron, que convocou eleições legislativas antecipadas depois que seu partido foi derrotado pelo candidato da Reunião Nacional da direitista Marina Le Pen. Se não houver vencedor por maioria (são 577 deputados na Assembleia Nacional), haverá votação em 2º turno no próximo domingo, 7 de julho. Para o Brasil, que vem costurando com os líderes democráticos da União Europeia - Macron e o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, à frente - o acordo do Brasil (via Mercosul) com a UE, uma troca de comando na França será muito ruim.

Na quinta-feira, 5 de julho, em eleições legislativas, o Reino Unido escolhe entre a continuação do primeiro-ministro conservador, Rishi Sunak, e a troca pelo representante do Partido Trabalhista, Keir Starmer. O vencedor se torna primeiro-ministro. Em pano de fundo no debate desta semana, a onda anti-imigrantista que embala a ascensão dos partidos nacionalistas e de direita mostrou as garras. Em fala exibida na TV, um ativista do Reform UK, do radical Nigel Farage, tratou Sunak como “maldito paqui”, numa referência à sua origem paquistanesa (o Reino Unido colonial, que assumiu as posições da Holanda na Companhia das Índias Orientais, dominou a Índia e o Paquistão por um século até 1947, no pós-guerra, com os britânicos separando a Índia, com predomínio dos hindus e silkhs, do Paquistão muçulmano. Na sexta-feira, Sunak, que foi criado e ficou rico na Inglaterra, se mostrou profundamente magoado. O episódio pode decidir as eleições, nas quais os dois estão empatados.

A predominância de partidos democráticos à frente das nações europeias é fundamental para os que defendem a democracia, e pode influir no desfecho das eleições americanas, onde vozes democratas, temerosas com o avanço de Trump após os tropeços de Biden, querem sua renúncia em favor do governador democrata da Califórnia, Gavin Newson, bem avaliado e que traz a força do estado com mais votos no Colégio Eleitoral, que elege de fato o presidente americano. O pouco apreço de Trump pelos ritos democráticos seria muito ruim para as nações africanas e a América Latina, onde os Estados Unidos ainda exercem forte influência.

No dia 28 de julho, a Venezuela, do ditador Nicolás Maduro, realiza eleições presidenciais. O processo está viciado pelo afastamento dos candidatos mais fortes da oposição, como Corina Machado. Mas uma eleição, mesmo viciada, é melhor que um golpe de Estado, como Trump tentou fazer com a Venezuela de Maduro, no início de 2019, que ganhou apoio de Jair Bolsonaro. Vejam o golpe de estado fracassado na Bolívia, como o 8 de janeiro de 2023 no Brasil. Se Trump estivesse no poder, quem sabe houvesse apoio…
Apostas no dólar contra o real

Amanhã, 1º de julho, o Plano Real, antecedido pela transição de três meses da URV, completa 30 anos. Mas, a moeda brasileira sofreu um dos maiores ataques especulativos, na semana que encerrava a formação de preços nos contratos de dólar futuro na B3. Desde que o Federal Reserve Bank dos EUA mudou seu plano de voo e, em vez de baixar em 0,75% (a partir de maio) a taxa de juros americana, que está entre 5,25% e 5,50%, anunciou apenas uma baixa (se houver) de 0,25%, o dólar se valoriza e desestabiliza os mercados. Nesta semana, euro e libra esterlina tiveram leve alta frente ao dólar, mas a moeda americana subiu 0,56% contra o franco suíço, 0,66% contra o iene, 1,37%, contra o peso mexicano, e 3,00% frente ao real. Em junho, o dólar avançou 7,72% frente ao peso mexicano, superando os 7,49% contra o real.

O Banco Central podia ter usado operações de “swap” (venda de dólar a futuro com juros embutidos), interferindo apenas no dólar, em vez de interromper a queda da taxa Selic em 10,50% e contaminar toda a economia. A Selic é o piso do sistema financeiro. Com juros elevados, o consumo e os investimentos esfriam, e a economia e o emprego desaceleram. O Banco Central esfriou a arrecadação, que equilibraria os gastos públicos, e não conseguiu segurar o dólar, cuja alta pode pressionar a inflação de modo generalizado, O presidente Lula bateu novamente duro no presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por ter escolhido o caminho do juro alto que colide contra o Arcabouço Fiscal, que pressupunha o ajuste em meio ao crescimento do PIB, da arrecadação e do emprego.

O Banco Central prefere jogar na retranca, com excesso de cautela, o que impede a economia brasileira de sustentar o crescimento, o que resulta no famoso “voo de galinha”: um crescimento por surtos, que não se sustenta. O curioso no caso é que a política do BC, criticada por Lula, fez um estrago nos planos do governador de São Paulo (Republicanos) Tarcísio de Freitas de usar a privatização da Sabesp, a maior companhia de saneamento da América Latina, como prova de seu apreço pelo liberalismo. Ocorre que ao aumentar a Selic muito além do que os 9,00% previstos quando o governador fez o “road shows” pelos mercados financeiros mundiais procurando atrair investidores, Campos Neto esvaziou o interesse dos investidores. A Taxa Interna de Retorno - TIR ficou muito alta. E a privatização da Sabesp, que repetiria o esquema da BR Distribuidora e da Eletrobras com Bolsonaro - o governo paulista pediria mesa no aumento de capital e deixaria os acionistas assumirem o controle, só atraiu um comprador, o grupo Equatorial, de energia elétrica, que ficou com 15%, mantendo o governo paulista o controle. Um duro golpe da ‘eficiência’ de RCN. Tarcísio de Freitas deve estar arrependido do jantar oferecido antes do leilão a Campos Neto...

Americanas X Petrobras
A Petrobras teve muitos prejuízos, não apenas pelo superfaturamento das empreiteiras e fornecedores dos projetos da petrolífera. A queda monumental nas projeções dos preços do petróleo após a crise financeira mundial de agosto-setembro de 2008 nos Estados Unidos (o barril do Brent chegou a ser negociado a US$ 147 no fim de junho e as projeções eram de que chegaria a mais de US$ 250 nos anos 20) gerou baixas contábeis gigantescas na estatal, que teve de arquivar, por inviáveis com os novos preços, projetos como o Comperj.

A política de segurar os preços dos combustíveis e da energia elétrica para reeleger Dilma, em 2014, deu um baita prejuízo. Bolsonaro, por sinal, fez algo parecido em 2022, cortando impostos federais e estaduais da gasolina e combustíveis, energia elétrica e comunicações, não garantiu sua reeleição.

Por fim, a parte do superfaturamento de 24 empreiteiras e fornecedores, calculada pelo Tribunal de Contas da União em R$ 18 bilhões, em 2020, pode ser comparada (atualizada pela inflação) aos R$ 25,3 bilhões do rombo da Americanas.

Por sinal, no dia seguinte ao pedido de Recuperação Judicial da Odebrecht Engenharia e Construção, que liderava as encomendas e os superfaturamentos na estatal (da holding Construtora Norberto Odebrecht, que passou a ser Novonor, restou a Braskem), houve a prisão, em Madri, do ex-presidente da Americanas, o espanhol Miguel Gutierrez. Ele foi posto em prisão domiciliar, no sábado, com a promessa de entrega à Interpol da ex-diretora Anna Saicali, também de cidadania espanhola, que estava em Portugal.

Como se vê, empresas privadas de um trio poderoso como Jorge Paulo Leman, Marcel Herman Telles e Carlos Alberto Sicupira também são alvos de roubos, fraudes e conchavos. Até maiores, comparados aos de uma a Petrobras, cujo tamanho e complexidade é mais de 20 vezes o da Americanas.

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