Culpas e desculpas

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H,á uma crença, no ralo das experiências políticas, que, se as opiniões são unânimes, melhor é deixar o problema para depois, adiar a providência que parece ser necessidade imediata; porque é na maturação que a solução brota. Pode ser, mas não desta vez, quando é inegável que o governo precisa rearticular, o mais rápido possível, suas relações com o Congresso e áreas produtivas, sob pena de ver crescerem as dificuldades, que, já hoje, tanto preocupam. É urgente debruçar sobre a forma de melhorar o diálogo e garantir resultados, sabido que há meses mostra-se fracassada a receita adotada, à custa de robustos favores a partidos, que só informalmente e ocasionalmente compõem a base parlamentar. Tudo isso, agravado desde a semana passada, quando o presidente e seus colaboradores empurraram para o colo de senadores e empresários a responsabilidade de criar alternativa compensatória, frente à desoneração das folhas de 17 setores com altos índices de emprego. Como Pilato,s lavam as mãos ante a incapacidade. Um inusitado jogo entre culpas e desculpas. Não se tinha visto algo semelhantes: já que uma proposta é recusada, em parte, no parlamento, que se jogue sobre ele missão que, preferencialmente, não lhe cabe.

Restou, em meio a fogos cruzados, o escalpelo do ministro da Fazenda, bombardeado por lideranças empresariais e políticas, sem que lhe faltem hostilidades vindas das entranhas do próprio governo. Com esses amigos de casa, o conturbado Haddad pode se dar ao luxo de dispensar inimigos. A nenhum outro, no atual governo, confiou-se tanta batata quente.

De fato, espalhando farpas, os episódios mais recentes sepultaram o modelo de convivência entre os poderes Executivo e Legislativo, com a particularidade perturbadora de votarem contra o governo exatamente os partidos da base. É interessante o caso do União Brasil, que ocupa três ministérios, mas não consegue corresponder às gentilezas. Portanto, fica visto que essa história de dar cargos e generosas emendas para garantir votos não funcionou; até porque, quando as relações estão pautadas nesse modelo, os que recebem acabam querendo mais.

Mandar embora os culpados infiéis, como querem alguns setores petistas menos tolerantes, é abrir portas para agravar um problema ampliado. Há conselheiros que levam aos ouvidos do presidente a ideia de se adotar a forma simplista do olho por olho; esvaziar os ministérios de partidos hereges, que já tiveram tempo para corresponder à confiança. E não o fizeram. Mas a gente sabe que a solução não é simples assim. E o presidente também deve saber que, mesmo se decretar a morte da base de apoio inoperante, é exatamente por aí que tornará mais volumosas as dificuldades. Fácil prever. Os deputados e senadores, se hoje não apoiam, estarão liberados para retaliar e hostilizar. Tudo para agravar o que já anda grave Não apoiavam, o que era ruim; se ficam contra, pior.

Não há variadas saídas para a remoção do impasse, mas é certo que conversas com dirigentes partidários e lideranças vão continuar incapazes de superar os principais obstáculos, entre eles os vetos derrubados, mensagens alteradas na essência e as procrastinações. Desafios testando o humor do Executivo, principalmente quando estão em pauta pontos sensíveis da política econômica.

Observe-se, a propósito da raridade de alternativas para a interlocução, que uma contínua progressão dos contratempos acabou se isolando em um dos contendores. Talvez valesse a pena conversar sobre isso – a real extensão da crise e embaraços generalizados - com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, que têm influência decisiva sobre o andamento dos trabalhos congressuais, além do dever de conduzir as casas a preservar, convenientemente, questões que dizem respeito à moderação nos momentos críticos das instituições. Faça-se ao governo a oposição que convier, mas sem vinditas, muito menos esse desastroso e inovador jogo de empurra que estamos vendo. O senador Rodrigo Pacheco e o deputado Artur Lira deram demonstrações de que conseguem acalmar o Congresso, em horas delicadas. Deviam orientar sua influência para se estabelece outra regra de diálogo, algo que têm direito de cobrar, também, do presidente Lula, de quem, muitas vezes, saem declarações confusas e desafiadoras; outras provocantes, mas sempre longe de contribuir para serenar os ânimos. Quando se trata da palavra, ele tem sido adversário pertinente da prudência, coisa que na política é receita para perturbações, como a que se tem visto agora. Ao presidente conviria desintoxicar-se.