Domingo de expectativa
Por mais ricos e autônomos que sejam, os países deste mundo de que fazemos parte não têm como viver isoladamente; são reféns de uma interdependência cada vez mais evidente, como, ainda agora, se viu no apagão cibernético. A pane isolada, distante e desconhecida de bilhões de usuários, em instante faz metade do mundo parar hospitais, aeroportos, comunicações, e bolsas e moedas em queda. Um caos.
Mas serviu o desastroso episódio para mostrar que, realmente, vivemos sob o império de mútuas dependências, para comprar o inevitável ou vender o necessário, sem permitir a exclusão das relações políticas, sejam elas menos ou mais expressivas. Não há como dispensá-las; no máximo, reduzi-las.
Se assim admitimos, no próximo domingo a América Latina, em particular, estará acompanhando, com justificadas preocupações, o desenrolar da eleição presidencial na Venezuela, onde, em busca de um terceiro mandato, Nicolás Maduro promete, sem meias palavras, um banho de sangue e guerra civil, caso as urnas não lhe sejam favoráveis, ameaça que se junta a um imenso desencontro nas pesquisas, ora simpáticas a ele, ora prevendo vitória elástica de seu principal adversário, Edmundo Urrutia. Pesquisas essas que, faltando cinco dias para o pleito, discrepam em até 30%; e nisso ajudam a confundir, complicar o que já vem complicado há meses.
O mundo não vai desabar se uma ditadura a mais se prolongar, mas, considerado o complexo das interligações continentais, dos reflexos diretos ou indiretos, principalmente quando se trata de vizinhos, essa é uma eleição para gerar expectativas, a começar pelo Brasil, que, na contramão das democracias, aproveitou reunião de lideranças do continente, e estendeu tapete vermelho para Maduro, gesto que levou a certo constrangimento com delegações de outros países.
Diz o presidente Lula, em quem já se identificou o principal defensor do líder venezuelano, que não importam mais vitórias ou derrotas, porque o que interessa são as relações de estado. De fato, devia ser assim, mas, no caso presente, há implicações para a chancelaria brasileira, que tem sido tratada, no Exterior, com alguma estranheza, por admitir e até prestigiar um regime cruel, onde a bandeira da campanha eleitoral é a promessa de muito sangue derramado e os cidadãos chamados à guerra civil.
Uma curiosidade tem relação ao comportamento que o Planalto adotará no domingo, dependendo de eleição que vem com sintomas de fraude. Desistir de Maduro, enquanto é tempo? Há sinais de que vai nascendo certo desânimo em relação ao vizinho incômodo, quando o presidente afirma que mais importante não é o destino dos dirigentes, mas as relações institucionais. Mas, depois de tantos afagos, e se a vitória sorrir à oposição, como haveremos de encará-la?
Insegurança total
Detalhe curioso, em torno do atentado contra Donald Trump, que salta diante dos olhos de qualquer neófito em matéria de segurança, é que os especialistas nas investigações não cuidaram de apurar, como primeiro passo, se a tentativa foi contra o ex-presidente ou contra o candidato a presidente. Porque, se o alvo era o mesmo homem, o objetivo da bala podia revelar imensa diferença. Tentar matar Trump, pelo que ele foi, é uma coisa; matá-lo, pelo que pretende ser novamente, tem outras implicações, independentemente de o atentado ser perpetrado por um insano, simultaneamente simpatizante do Democrata e colaborador financeiro do Republicano. A que atribuir a paternidade da quase tragédia: à vingança pelo passado ou impor uma fatalidade ao futuro político do país?
A possibilidade de ter havido descuido do órgão de defesa pessoal de tão importante personalidade, além de outros fracassos conhecidos, é suficiente para mostrar que nenhum presidente pode se gabar de viver sob total segurança. Antes de tudo, o agente tem de pressentir, o que é muito difícil. E há casos em que o crime foi cometido pelos próprios seguranças, como ocorreu com o premier francês Louis Barthon, ou, mais recentemente, Indira Ghandi, morta pelos encarregados de protegê-la. Como confiar?
A facilidade com que se elimina presidente nos Estados Unidos não é, felizmente, um hábito entre nós. Caso único: um remanescente de Canudos só não matou Prudente de Morais porque o ministro da Guerra, Machado Guimarães, entrou na frente, e morreu em seu lugar. Para não se falar do estranho caso de abril de 1933, na Rio-Petrópolis, quando uma única pedra do lugar desprendeu-se no exato momento em que passava o carro do casal Getúlio Vargas, morrendo o ajudante de ordens. Falou-se muito em atentado, mas a episódio acabou arquivado como acidente.