Judiciário breca o Orçamento Secreto

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Ministro Flavio Dino, do STF

O Congresso retoma os trabalhos nesta terça-feira, após recesso desde 18 de julho, com um cartão amarelo do Supremo Tribunal Federal em relação aos subterfúgios do Orçamento Secreto da Câmara e do Senado, já declarado inconstitucional pelo próprio Supremo. É que enquanto deputados e senadores aproveitavam as férias de meio do ano para fazer campanha política para os aliados nas eleições municipais, o Judiciário, que voltou ao batente no dia 1º de agosto, fez o dever de casa nas férias e surpreendeu o Legislativo na questão das emendas PIX.

Deve-se ao ministro do STF Flávio Dino, que se debruçou nas férias com sua equipe sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.688, apresentada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), pedindo mais transparência ao uso do dinheiro público nas emendas parlamentares, uma decisão lapidar. Ao Supremo, a Abraji argumentou que os dispositivos que autorizam a transferência de recursos, sem vinculação a projetos e sem convênio, violam princípios fundamentais, como os da publicidade, da moralidade, da eficiência e da legalidade. A Abraji sustenta que a emenda PIX “torna a execução orçamentária da União desprovida de transparência, muitas vezes favorecendo entes federados ao bel prazer de escolhas parlamentares, sem qualquer justificativa, controle ou responsabilização para tanto”.

O ministro determinou que as transferências especiais somente sejam feitas com o atendimento aos requisitos constitucionais da transparência e da rastreabilidade. Para isso, os beneficiários deverão inserir na plataforma Transferegov.br, previamente ao recebimento dos recursos, informações como plano de trabalho, objeto a ser executado, finalidade, estimativa de custo e o prazo, assim como a classificação orçamentária da despesa. É o mínimo. Já houve casos de político de um estado transferir, dentro da sua cota, recursos para parente ou parceiro político de outro estado da federação.

Na decisão, Flávio Dino destaca trecho de voto do ministro Luís Roberto Barroso na ADPF 854, no qual afirmou que “em uma democracia e em uma República não existe alocação de recurso público sem a clara indicação de onde provém a proposta, de onde chega o dinheiro”. Em consequência, Dino determina que “o Poder Executivo só poderá liberar os recursos oriundos das “emendas PIX” após o atendimento da referida obrigação pelos futuros destinatários da transferência especial”. No caso das transferências especiais na área de saúde, será necessário apresentar parecer das instâncias competentes de governança do SUS. A decisão, em caráter liminar, deverá, ainda, ser submetida a referendo do pleno da Corte, mas já abriu uma jurisprudência que deve ser seguida pela maioria do plenário. Dino fixou um prazo de 90 dias para que a CGU faça auditoria em todos os repasses por emendas PIX realizados entre 2020 e 2024 em benefício de ONGs. Essas instituições e demais entidades do terceiro setor também terão 90 dias para informar os valores que foram recebidos e sua destinação.

O Orçamento Secreto foi um artifício usado no governo Bolsonaro para cooptar as mesas da Câmara e do Senado e os deputados e senadores a “morderem” mais o Orçamento Geral da União e fecharem os olhos a abusos do Executivo. Graças a esse “suborno”, que alcançou R$ 59 bilhões este ano, não deu em nada (até aqui) a CPI da Covid no Senado. Com as travas impostas por Flávio Dino, é de se esperar que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PDS-MG), protestem na reabertura dos trabalhos. As restrições ao uso das emendas do orçamento (que teve de ser contingenciado em R$ 15 bilhões para não estourar os limites) seria medida de equidade entre os Poderes Executivo e Legislativo, que não abre mão de nada. Mas deve ter influência nas sucessões de Lira e Pacheco, em fevereiro de 2025.

Lula deve ter cuidado com improvisos

As falhas catastróficas de cognição demonstradas pelo presidente Joe Biden (81 anos) no primeiro debate televisivo contra Donald Trump (78 anos), dia 27 de junho pela CNN, foram tão graves – ao Biden perder a muleta do “teleprompter” para guiar suas respostas em temas importantes –, que surgiu uma onda na mídia e no seio do partido Democrata para Biden abdicar da candidatura em favor de um candidato mais competitivo. Depois de resistir duas semanas, Biden cedeu, e a vice-presidente, Kamala Harris, entrou em campo e mudou o quadro eleitoral, animando o eleitorado democrata e os independentes. Trump agora é considerado “velho”, diante da afiada Kamala.

O episódio deixou claro que muitos pronunciamentos de Joe Biden foram turbinados pelo “teleprompter”. Num país com peso muito grande na geopolítica mundial e na economia, palavras e ações dos seus principais dirigentes têm de ser medidas para não causarem ruído. Pois o presidente Lula, que sempre fugiu aos discursos escritos nos seus dois primeiros governos, tem colhido dissabores com uma ou outra colocação despropositada em seus improvisos. Lula não mudou para pior. O que houve entre 2010 e 2024 foi o enorme avanço das redes sociais que não deixam escapar qualquer colocação estranha ou uma casca de banana pisada pelo presidente.

O caso de suas declarações na manhã de terça-feira, a uma emissora do Centro-Oeste, quando considerou “normal e pacífico” o processo eleitoral da Venezuela, que já tinha mais de 10 mortos 24 horas após a autodeclaração de vitória por Nicolás Maduro, ressalta a importância de que a comunicação do governo tenha mais cuidado com os rompantes e improvisos de Lula. Todo o esforço diplomático empreendido pelo governo brasileiro desde o 2º semestre do ano passado, que levou ao Acordo de Barbados, em outubro, com as correntes opositoras a Maduro, e o próprio ditador, prometendo respeitar as regras eleitorais (ainda que violadas na fase de registro dos candidatos), escorreu pelo ralo. Não bastasse a nota apressada da Executiva Nacional do PT reconhecendo a eleição de Maduro na segunda-feira, 29, Lula estava passando pano no processo eleitoral irregular e ignorando as mortes e a repressão policial e das milícias pró-Maduro. Um erro de sincronia que atrapalhou enorme esforço de 10 meses de mediação diplomática. Resultado, enquanto crescem as condenações a Maduro e mais e mais países reconhecem a vitória da Oposição, o Brasil fica tolhido pelas falas de Lula.

As fraudes eram mais rasteiras

Antes de as urnas eletrônicas tornarem mais difícil, mas não impossível, como na Venezuela de Nicolás Maduro, as fraudes eleitorais (com urnas eletrônicas e voto impresso, como pedia Jair Bolsonaro), o voto em cédula permitia muitas maracutaias. Nos rincões do Nordeste, além dos coronéis manipularem o “voto de cabresto”, levando “cabras” e suas famílias para votar com “santinhos” nas mãos para serem depositados nas urnas com os nomes dos apaniguados dos coronéis, estes ainda garantiam a fidelidade do voto pelos pés. Explico: nos caminhões paus-de-arara, os coronéis distribuíam aos eleitores e eleitoras (quase sempre descalços) um pé de sapato, com a promessa de que receberiam o pé para completar o par só se os candidatos fossem eleitos. Com a primeira etapa garantida, era só vigiar para os adversários não inserirem mais cédulas nas urnas com os nomes dos afilhados políticos.

Mas a prática das fraudes não era exclusividade do Brasil. Lembro de uma história contada por meu ex-professor da Escola de Comunicação da UFRJ, o panamenho Homero Icaza Sanches, que ficou famoso por dissecar as tendências dos gostos do público nas pesquisas do Ibope e foi contratado pela Rede Globo para orientar a programação de acordo com o desejo do público nos anos 70. Seu pai era um diplomata que cuidou de preservar os filhos das perseguições das ditaduras panamenhas (o Panamá era estado-títere dos Estados Unidos). Até que, numa janela democrática, chamou os filhos de diversos cantos do mundo para ajudar na campanha, e principalmente na hora da apuração. O pai estava bem nas apurações, mas, no meio da madrugada, um dos irmãos dormiu e ao acordar estranhou que a ladainha da contagem das cédulas, antes favorável ao pai, pendia, monotonamente, para o adversário. Então, o irmão foi cobrar do mesário apurador: “E mi papá?”. Imediatamente o mesário passou a contar as cédulas: “Tu papá, tu papá, tu papá”...

Pois agora, a frase do cientista político Christian Lynch resume tudo o que se passa nas reações ao que aconteceu na Venezuela: “Ver bolsonaristas que pediram golpe de estado todo santo dia quando estavam no poder e, agora, denunciam a fraude eleitoral na Venezuela, é de matar. Mas, ver quem denunciava o golpe de Bolsonaro e, agora, defende o Maduro com unhas e dentes, se não é de matar, é de morrer”.

Entre dois impérios

Em tempo, os que defendem Maduro dizem que a cobiça do “Império” do Tio Sam sobre a Venezuela está ligada às suas recordes jazidas de petróleo que, não obstante, tiveram a produção reduzida a um quarto desde as intervenções de Hugo Chavez na PDVESA, que foi loteada entre os chefes militares.

Mas como classificar a pressa com que China e Rússia reconheceram a vitória de Maduro para legitimar a parceria com a Venezuela para fornecer óleo e gás à China e fazer operações triangulares com a Rússia, após o bloqueio da Otan em represália à invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022? A adesão da Índia como comprador não está descartada nesse xadrez petrolífero.

Mercados futuros vivem além da realidade

Em mais de meio século no acompanhamento da economia brasileira e mundial, sempre olhei com reservas os indicadores do mercado de ações ou de commodities. É que todos os preços e índices são exacerbados pela especulação dos mercados futuros. Os volumes dos negócios (e de alavancagem) nos mercados futuros não são apenas várias vezes superiores ao montante negociado à vista. Comparando com os dados da economia real, vemos que as negociações excedem até o tamanho do PIB. Por isso, as expectativas alimentam demais as apostas dos operadores/investidores e levam as autoridades monetárias a se deixar levar pela jogatina dos mercados.

O então ministro do Planejamento, Roberto de Oliveira Campos, criou uma frase de grande efeito nos anos 60, quando as previsões dos pessimistas caíram por terra e foram superadas pela realidade favorável. O velho Campos dizia que “tinha havido a reversão das expectativas”. Seu neto, Roberto de Oliveira Campos Neto, que preside o Banco Central e foi criado no mercado financeiro como operador do Bozano, Simonsen, depois incorporado pelo espanhol Santander, onde se tornou diretor de Tesouraria para a América Latina antes de assumir o BC, em 2019, convidado pelo antigo chefe no Bozano, o ministro da Economia Paulo Guedes, costuma sublinhar que há “uma desancoragem de expectativas no mercado”, quanto ao atingimento das metas de inflação, para justificar a cautela na baixa dos juros que, como receita universal, esfriam o consumo, o investimento e a renda.

RCN levou ao extremo as previsões pessimistas na reunião de abril do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em Washington, e voltou ao Brasil fazendo alertas sobre o endurecimento da política monetária. Pressões inflacionárias nos Estados Unidos levaram o Federal Reserve Bank (o BC americano) a adiar o plano de cortar três vezes em 0,25% os juros americanos a partir de maio. Temendo que o baixo diferencial de juros entre o piso dos EUA (5,25-5,50%) e o do Brasil alterasse o fluxo de dólar que vem fazer “turismo financeiro” no país (sobretudo capitais especulativos de brasileiros em paraísos fiscais), o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) ignorou – por votação dividida (4 pelo corte de 0,50% e 4 por apenas 0,25%) fixou os juros em 10,50%, em decisão desempatada pelo presidente RCN.

O mercado financeiro, que aposta sempre na alta dos juros, tratou de aproveitar o menor diferencial entre os juros domésticos e nos EUA para especular contra o real, aproveitando para explorar as declarações de Campos Neto sobre os riscos fiscais (que aumentam quando a economia desacelera e a trajetória prevista para a arrecadação é afetada para baixo). E as críticas pertinentes contra os juros altos – que todos os chefes de Estado costumam fazer (Biden repete Lula, com menos contundência, pois é mais suave, mas Donald Trump, que criticava o Fed como presidente (juros altos deprimem os preços dos seus imóveis) já mostrou as garras contra o presidente do Fed, Jerome Powell – foram usadas para justificar a especulação que levou o dólar a roçar os R$ 5,80. Houve forte especulação contra várias moedas, incluindo o iene. Isso levou o Banco do Japão a subir os juros a 0,25% ao ano (o que não ocorria desde 2007!). Nas duas últimas semanas houve gangorra nas cotações de moedas, ações e commodities, cujos preços são expressos em dólar.

Pois nem se passaram três meses da reunião de 7 de maio, quando o Copom deu meia-trava na baixa dos juros e estacionou nos 10,50% nas reuniões de 19 de junho e 31 de julho, para os dados que mostram forte desaceleração na economia americana, mudarem os ventos da biruta. O próprio Fed anunciou dia 31 que poderia baixar os juros em setembro pela desaceleração da inflação. Mas a queda de 47% na geração de empregos em julho frente a junho acendeu o sinal de alerta nos EUA. Como se fosse Lula falando pelo mercado americano, há o consenso de que o aperto monetário foi além da conta. Assim, além de um corte inicial de 0,50% em setembro, o Fed poderia fazer mais dois cortes de juros este ano. O mandato do Fed tem duas importantes vertentes: manter a estabilidade dos preços (segurar a inflação) e manter o mercado de trabalho aquecido. Aqui no Brasil, quando o mercado de trabalho melhora, o Copom sente calafrios e já cogita de elevar os juros, como defendia uma parte do mercado financeiro esta semana. Com a virada da biruta, a especulação contra o real pode esvaziar até as próximas semanas. E Lula vai até rir...