Haddad taxa mais os que ganham com os juros altos

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'O Sr. Musk usou X como um porrete político', diz o NYT

O desvio de rota na redução de juros nos Estados Unidos, que era para ter começado em maio e foi adiado para setembro, vem causando turbulências nos mercados cambiais, de juros, de títulos do Tesouro, ações e commodities, há mais de seis meses, pelo fato da maior parte das cotações ser expressa em dólar. Até o iene japonês foi alvo de especulação e o Banco do Japão teve de elevar os juros pela primeira vez desde 2007, mas para apenas 0,25% ao ano. No Brasil, o descompasso gerou uma meia-trava no processo de baixa da taxa Selic, que remunera boa parte da dívida pública e serve de piso das operações do mercado financeiro. Desde maio, a Selic estacionou em 10,50% ao ano, bem acima dos 9% projetados para dezembro de 2024, no início do ano.

O alto diferencial entre os nossos juros e os dos EUA sempre foi fator de atração de capitais para o Brasil, seja em fluxo de matrizes estrangeiras para filiais doméstica, seja na especulação da arbitragem entre juros daqui e dos EUA. Com o estreitamento do diferencial, houve redução no fluxo de dólares especulativos para o mercado brasileiro e o real sofreu forte desvalorização. O dólar chegou a ser cotado a R$ 5,8657 em 5 de agosto, com forte pressão do mercado financeiro para o Banco Central elevar os juros. Sexta-feira, o dólar fechou a R$ 5,6325, com alta de quase 3%. O Banco Central chegou a vender US$ 1,5 bilhão no mercado à vista, mas não adiantou. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ameaçou com novo aumento de 0,25% na Selic na reunião do Comitê de Política Monetária, em 18 de setembro. Justamente quando o Federal Reserve Bank deve reduzir os juros em 0,25% nos Estados Unidos. Isto elevaria o diferencial de juros em 0,5%.

Acontece que elevar os juros, que já estão acima do projetado (e cada ponto de aumento onera em R$ 52,5 bilhões ao longo de 12 meses uma dívida pública que chegou a R$ 7,14 trilhões em julho), provoca mais estragos nas finanças públicas, das empresas e das famílias. Só os segmentos dos bancos, dos fundos de investimento (aplicação de milionários e da classe média alta), das seguradoras e fundos de previdência privada e das “fintechs” que intermediam negócios entre investidores em tomadores de crédito, na concorrência com os bancos, saem ganhando com as altas taxas de juros. Juros altos travam o consumo, a economia e a geração de empregos. O efeito nocivo dos juros altos, que visam esfriar as altas de preços e deixar a taxa de inflação na rota das metas projetadas, é provocar mais concentração de renda.

A alternativa do imposto temporário

Para além disso, o esfriamento da economia pode comprometer o equilíbrio fiscal, pois haveria menos arrecadação e menos crescimento do PIB, enquanto os custos da dívida pública continuariam a subir. Por isso, para reforçar a arrecadação para 2025, o governo enviou sexta-feira um projeto de Lei ao Congresso propondo alterações nas alíquotas da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente sobre os Juros Sobre Capital Próprio (JCP). O objetivo das medidas, que miram principalmente o setor financeiro e de seguros, é arrecadar, no ano que vem, R$ 20,9 bilhões, sendo R$ 14,9 bilhões provenientes das alterações na CSLL e R$ 6 bilhões das mudanças no IRRF. No caso da CSLL (sempre flexibilizada em vários governos, desde que foi criada por Delfim Neto, no governo Figueiredo), o PL eleva de 15% para 16% a alíquota incidente sobre pessoas jurídicas de seguros privados, de capitalização e algumas outras instituições financeiras, como as “fintech”, que até pagam muito pouco. Além disso seriam aumentadas de 20% para 22% a alíquota sobre bancos, e de 9% para 10% para as demais pessoas jurídicas. Além disso, aumenta de 15% para 20% a alíquota do imposto sobre a renda retido na fonte incidente sobre os juros sobre capital próprio (JCP), que atinge grandes empresas e bancos, principalmente. Trata-se de uma medida de justiça fiscal, de buscar de volta para o Tesouro, onerado com juros, o excesso de lucros provocado pela alta temporária dos juros.

Mas o discurso da Faria Lima (onde se localiza o centro financeiro do país e tenta se espraiar para a avenida Paulista, onde está a sede da Fiesp, que sofre e condena os juros altos) é de que o governo Lula está aumentando a carga tributária. É uma rematada mentira.

Primeiro porque a carga tributária caiu no ano passado (depois de um crescente nos últimos 30 anos), pois o governo não repôs as alíquotas anteriores aos cortes eleitoreiros de Bolsonaro (de julho a 31 de dezembro de 2022), de impostos federais e estaduais em combustíveis, energia elétrica e comunicações. Além de alíquotas menores, a reoneração só terminou no 2º semestre;

Segundo porque o governo Lula está fazendo uma reforma tributária (esperada há quatro décadas) que desonera os impostos sobre o consumo (aliviando a carga dos mais pobres e da classe média) e ampliando a tributação e eliminando as isenções de impostos em fundos de investimento exclusivos para bilionários. Vale destacar que em todas as medidas, nenhuma alcançou o rendimento da caderneta de poupança, o instrumento mais popular dos brasileiros.

Resta ver como a questão será abordada no Congresso. Uma fatia expressiva dos deputados e senadores segue inconformada por não poder “morder” tanto o Orçamento Geral da União, após o veto do Supremo Tribunal Federal.

O 'X' da questão no 'New York Times'

As ordens de suspensão pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, das atividades da rede social X (ex-Twitter), comprada em 2022 pelo bilionário sul africano, naturalizado norte-americano, Elon Musk, repercutiram na edição de sexta-feira, 30 de agosto, do “The New York Times”. Transcrevo a reportagem porque explica, sem ideologia, o X da questão.

O NYT não deu muito destaque à estreita relação de Musk com Donald Trump, que, em troca do livre acesso do candidato para dizer barbaridade na rede X, já negociou isenções fiscais e incentivos para a Tesla voltar a fazer fábricas de carros elétricos nos EUA - depois de perder a concorrência para os fabricantes chineses na China, para onde migrara a Tesla em busca de custos menores, Musk recebeu a promessa de Trump de proibir a importação de veículos elétricos “made in China”. Business is business, como sempre.

Diz o NYT:

“O Brasil bloqueou a rede social X na sexta-feira depois que seu dono, Elon Musk, se recusou a cumprir as ordens de um juiz brasileiro para suspender certas contas, o maior teste até agora para os esforços do bilionário para transformar o site em uma praça digital onde quase tudo é permitido. Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, ordenou que provedores de internet bloqueiem o acesso à X em todo o país de 200 milhões de habitantes porque a empresa não tinha um representante legal necessário no Brasil.

"O Sr. Musk fechou o escritório da X no Brasil na semana passada depois que o juiz Moraes ameaçou prisões por ignorar suas ordens de remover contas da X que, segundo ele, violavam as leis brasileiras. A X disse na quinta-feira que via as ordens do juiz Moraes como ilegais e que planejava quebrar seu sigilo legal e publicá-las. 'Ao contrário de outras plataformas de mídia social e tecnologia, não cumpriremos em segredo ordens ilegais', disse a empresa em um comunicado.

"Em uma ação incomum, o juiz Moraes também congelou as finanças de outro negócio de Musk no Brasil, o serviço de internet via satélite Starlink da SpaceX, para tentar cobrar multas que ele aplicou contra a X. A Starlink - que recentemente explodiu em popularidade no Brasil, com mais de 250.000 clientes [usada por fazendeiros, garimpeiros e madeireiros]  disse que planejava contestar a ordem e tornaria seu serviço gratuito no Brasil, se necessário.

"O Sr. Musk e o juiz Moraes estão brigando há meses. O Sr. Musk diz que o juiz Moraes está censurando ilegalmente vozes conservadoras. O juiz Moraes diz que o Sr. Musk está obstruindo ilegalmente seu trabalho para livrar a internet brasileira do discurso de ódio e dos ataques à democracia.

"Depois que a conta X do Supremo Tribunal Federal publicou na quarta-feira que o Sr. Musk tinha 24 horas para nomear um novo representante no Brasil, o Sr. Musk respondeu com uma imagem de papel higiênico com o nome do Juiz Moraes. A luta agora está no centro da tentativa do Sr. Musk de transformar o X em um porto seguro para as pessoas dizerem quase tudo o que quiserem, mesmo que isso prejudique os negócios no processo.

"Em dezenas de postagens desde abril, o Sr. Musk destacou o juiz Moraes como um dos maiores inimigos da liberdade de expressão no mundo, e parece que agora ele está apostando que o juiz cederá à reação pública que ele acredita que o bloqueio causará. Mas quanto mais durar o apagão no X, mais ele testará o comprometimento do Sr. Musk com sua ideologia, em detrimento da receita, da participação de mercado e da influência.

“'Ele pode estar perdendo dinheiro no curto prazo, mas está ganhando um enorme capital político', disse Luca Belli, professor da Faculdade de Direito da FGV no Rio de Janeiro, que acompanhou a estratégia do Sr. Musk com a X. Desde 2022, o Brasil ocupa o quarto lugar globalmente, com mais de 25 milhões de downloads do aplicativo X, de acordo com a Appfigures, uma empresa de dados de aplicativos.

"Os negócios internacionais do X se tornaram mais importantes sob o comando do Sr. Musk, já que os anunciantes americanos abandonaram o site por causa do aumento do discurso de ódio e da desinformação desde que o Sr. Musk o comprou.

"O Sr. Musk reformulou a rede social desde que a comprou por US$ 44 bilhões em 2022, quando ainda era chamada de Twitter. Além de renomear o serviço, ele abandonou muitas de suas regras sobre o que os usuários poderiam dizer. Ele também restabeleceu contas suspensas, incluindo a do ex-presidente Donald J. Trump, e disse que nenhuma conta deveria ser bloqueada permanentemente.

"No entanto, o Sr. Musk disse que a X ainda seguiria a lei onde opera. Sob sua liderança, a X cumpriu as exigências do governo indiano para reter contas e removeu links para um documentário da BBC que pintava um retrato crítico de Narendra Modi, o primeiro-ministro da Índia.

"Em outras ocasiões, o Sr. Musk lutou contra as ordens para remover conteúdo. Na Austrália, ele lutou com sucesso contra uma ordem para remover vídeos que retratavam um ataque violento contra um bispo local. Os vídeos foram ocultados dos usuários no país, mas estavam disponíveis na plataforma em outros lugares.

"Mas ele encontrou um desafio formidável no juiz Moraes.

"Nos últimos anos, poucas pessoas globalmente tiveram um impacto singular maior sobre o que é dito online do que o juiz brasileiro. Ele surgiu como uma das figuras mais poderosas — e polarizadoras — do Brasil depois que a Suprema Corte do país o consagrou com poderes expansivos para reprimir ameaças à democracia online, em meio a temores sobre um movimento de extrema direita liderado por Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil.

"Antes da eleição de 2022 no Brasil, o tribunal autorizou o Juiz Moraes a ordenar unilateralmente a retirada de contas que ele considerasse ameaças. Desde então, ele exerceu esse poder liberalmente, muitas vezes em ordens seladas que não revelam por que uma determinada conta foi suspensa.

"Ele ordenou que X removesse pelo menos 140 contas, a maioria delas de direita, incluindo alguns dos mais proeminentes analistas conservadores e membros do Congresso brasileiro. Alguns desses relatos questionaram a derrota eleitoral de Bolsonaro em 2022 e simpatizaram com a multidão de direita que invadiu o Congresso e o Supremo Tribunal Federal do Brasil em uma tentativa de provocar uma tomada militar do governo [em 8 de janeiro de 2023, uma semana depois de Lula ter tomado posse].

"O juiz Moraes também liderou diversas investigações criminais sobre o Sr. Bolsonaro e uma decisão [quando comanda o Tribunal Superior Eleitoral] que considerou o ex-presidente inelegível para concorrer nas próximas eleições presidenciais do Brasil. Esses esforços fizeram do juiz Moraes um herói da esquerda brasileira — e o inimigo número 1 da direita brasileira.

"A entrada repentina do Sr. Musk no debate em abril, com uma série de postagens chamando o Juiz Moraes de ditador, deu nova vida ao movimento de direita do Sr. Bolsonaro. O Sr. Bolsonaro elogiou o Sr. Musk em comícios e seus apoiadores seguraram cartazes agradecendo ao magnata da tecnologia por vir em seu socorro.

"No entanto, quando o juiz Moraes incluiu o Sr. Musk em uma investigação sobre desinformação e começou a ameaçar X com multas, a empresa enviou uma carta conciliatória informando que cumpriria as ordens do juiz. Então, nas últimas semanas, X parou de obedecer. Depois que o Juiz Moraes alertou que o representante legal da empresa no Brasil enfrentaria prisão, o Sr. Musk fechou o escritório de X.

“'O povo brasileiro tem uma escolha a fazer — democracia ou Alexandre de Moraes', escreveu X ao anunciar a medida.

"O Sr. Musk usou X como um porrete político. Para seus quase 200 milhões de seguidores, ele repetidamente impulsionou o Sr. Trump e outros líderes de direita, como o presidente Javier Milei da Argentina, enquanto zombava de políticos aos quais se opõe, como a vice-presidente Kamala Harris e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil.

"O Sr. Lula apoiou o bloqueio do X. 'Só porque alguém tem dinheiro não significa que pode fazer o que quiser', disse ele na sexta-feira. 'Eles devem aceitar as regras do país'.

"A Embaixada dos EUA no Brasil disse que estava monitorando a disputa. 'Os Estados Unidos valorizam a liberdade de expressão como um pilar de uma democracia saudável', disse a embaixada em uma declaração.

"Vários governos autoritários baniram o X, incluindo China, Rússia, Irã e Coreia do Norte. Algumas outras nações bloquearam temporariamente o site às vezes. Em junho de 2021, a Nigéria suspendeu o serviço por cerca de sete meses após a empresa remover postagens ameaçando violência do então presidente do país.

"Em sua ordem na sexta-feira, o juiz Moraes disse à Anatel, a agência de telecomunicações do Brasil, e aos principais provedores de internet para bloquear pessoas no Brasil de usar X. Ele também disse à Apple e ao Google para impedir “downloads” do aplicativo X no Brasil. A agência de telecomunicações foi informada para cumprir em 24 horas, enquanto as empresas têm cinco dias. X pode permanecer acessível no Brasil até que a agência e as empresas cumpram.

"Para contornar tais medidas, os usuários recorreram a ferramentas de privacidade conhecidas como redes privadas virtuais, ou VPNs, que fazem o tráfego da internet parecer como se estivesse vindo de um país diferente. Os criadores de aplicativos populares de VPN disseram que os downloads dispararam recentemente no Brasil.

"No entanto, o juiz Moraes também adotou uma abordagem incomum para impedir tal acesso. Ele disse que qualquer um pego usando uma VPN para obter acesso a X no Brasil enfrentaria uma multa de quase US$ 9.000 por dia.

"Não é a primeira vez que autoridades brasileiras bloqueiam um serviço online por ignorar ordens judiciais. No entanto, esses bloqueios geralmente duram apenas alguns dias antes que uma empresa reverta o curso e cumpra. Esse foi o caso em 2022, quando o juiz Moraes bloqueou o aplicativo de mensagens Telegram por um fim de semana.

"O Sr. Belli, o professor de direito, disse que esperava o mesmo do Sr. Musk e X. 'Minha aposta é que ele pode ser bloqueado por alguns dias e, então, vai obedecer e se retratar como uma vítima', disse o Sr. Belli. 'Então ele ainda está ganhando'.”