Eleição no Brasil e EUA nas semanas decisivas

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Por

Kassio Nunes Marques

Em uma semana, o Brasil realiza eleições em seus 5.570 municípios. O maior deles, a capital paulista, com 11 milhões 450 mil e 999 habitantes, tem o terceiro maior orçamento do país. Só perde para a União e para o Estado de São Paulo. Por sinal, que o estado mais rico do Brasil tem entre seus 645 municípios o 2º com a menor população: Borá, com 907 habitantes - informa o Censo do IBGE - que também vai fazer eleição para prefeito e vereador. São menos eleitores do que em algumas reuniões de condomínio da maior cidade da América do Sul. O menor município brasileiro é o mineiro Serra da Saudade, com 939 habitantes, menos que o total de 853 municípios de Minas Gerais. Em 3º lugar no pódio está o goiano Anhanguera, com 904 habitantes.

Duvido que nestes recantos bucólicos a segurança seja a primeira das preocupações do eleitor, como parece indicar uma pesquisa feita nos grandes centros urbanos, à qual faço restrições. Certamente os efeitos da estiagem, que facilita a propagação de incêndios, criminosos ou espontâneos, afligem mais os moradores, porque está afetando o abastecimento de água, a produção de alimentos nos quintais e começa a pesar na conta de luz, que simplesmente vai quadruplicar em relação à bandeira verde (normal que vigorou até junho) a partir de terça-feira, 1º de outubro, quando entra em vigor em todo o país a bandeira vermelha 2. O impacto é progressivo para quem consome acima de 100 quilowatts-hora. Em condições normais, com a bandeira verde, para cada 100 KWh extra consumido, a tarifa é de R$ 1,85 KWh; pois na bandeira vermelha 2 salta para R$ 7,87 por KWh, multiplicado por 4,25!

E, como o calor está só começando (teremos calor da primavera e do verão até março), os consumidores terão de controlar o uso do ar-condicionado e dos aparelhos elétricos pelos próximos seis meses, sob pena de estouro no orçamento. Como os aparelhos eletroeletrônicos viraram itens comuns nos lares da classe média, é preciso reunir a família para um mutirão de economia. Se vai usar o ar, que tal cortar o chuveiro elétrico e reduzir o uso do ferro elétrico e do secador de cabelo, os três aparelhos que mais consomem depois do ar-condicionado? Também só usar a máquina de lavar a plena carga, para poupar água e energia. Outro tema para discussão doméstica são os jogos de azar das “bets”, que bombardeiam os intervalos comerciais da televisão e sobretudo os eventos esportivos. A força da propaganda é tal que não há uma palavra de crítica dos comentaristas esportivos. E os estádios exibem à beirada dos campos, sucessivos reclames de novos sites de apostas, de resto, exibidos nas camisas dos dois times que se enfrentam no gramado. Só o juiz não tem.

A praga das apostas

Levantamento do Banco Central mostrou que as “bets” atraíram, em agosto, mais de R$ 20 bilhões em apostas. Nos últimos 12 meses, cerca de 24 milhões de pessoas jogaram (a população do país é de 212 milhões e a força de trabalho do país era de 110 milhões de pessoas em agosto). As apostas estão consumindo quase 19% da massa salarial do país. O pior é que a disseminação do PIX, muito bem explorada pelos sites de jogos de azar, está conseguindo seduzir os beneficiários do Bolsa Família. Desde a criação do Comunidade Solidária, por D. Ruth Cardoso, nos governos de FHC, a preocupação para que os chefes de famílias com baixa renda, beneficiados pelo programa rebatizado de Bolsa Família no primeiro governo Lula, que reuniu vários programas assistenciais no BF, não gastassem o auxílio em bebida e farras, levou à escolha pelos CRAS (Centros municipais de Referência de Assistência Social) para a entrega da responsabilidade de movimentação dos recursos à mulher, com mais responsabilidade perante os filhos. As “bets” estão conseguindo driblar os cuidados dos CRAS e já desviam, segundo o levantamento do Banco Central, em média, R$ 100 de apostas dos beneficiários do Bolsa Família via PIX. Nada menos de R$ 3 bilhões do BF!

Os jogos de azar eletrônicos foram autorizados a operar no Brasil, após forte “lobby” no Congresso, no fim de 2018, no governo de Michel Temer. Mas, durante os quatro anos do governo (?) Bolsonaro, o liberalismo reinante deixou a questão sem qualquer regulamentação. Só agora, em 1º de outubro, junto com a nova bandeira vermelha, entra em vigor a primeira etapa da regulamentação que regularizará o mercado em janeiro de 2025. A partir de terça-feira, as “bets” que pagarem R$ 30 milhões cada e estiverem com a documentação em dia poderão operar em 2025. Como mostrou o escândalo da prisão da “influencer” Deolane Bezerra, divulgadora e sócia do site “Esporte da Sorte”, controlado por conhecido bicheiro que atua em Recife e na Paraíba, há gigantesca movimentação de recursos neste submundo. E o Banco Central, que controlava o COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), até o Ministério da Fazenda, na gestão do ministro Fernando Haddad, pôr ordem na jogatina que sonega recursos das famílias, do Erário e provoca evasão de divisas (a maior parte dos “bets” está localizada em paraísos fiscais), sabe claramente que as casas de apostas são fontes de evasão fiscal e de divisas.

Durante cinco anos atuaram livremente. Quando Haddad resolveu disciplinar o “saloon” de apostas e fuga de divisas que afeta o Balanço de Pagamentos, foi alvo de “memes” jocosos nos letreiros da Times Square, em Nova York, chamando-o de Fernando Taxadd. Não seria surpresa se fosse um conluio de grandes operadores do mercado financeiro – incomodados com a tributação sobre fundos de investimento exclusivos de bilionários e de fundos de empresas “off-shores” localizadas em paraísos fiscais - e donos de “bets”. No submundo do crime, da sonegação fiscal e da evasão de divisas, os personagens acabam sendo velhos conhecidos.

Por isso, a sociedade brasileira e os outros 10 ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal ficaram incomodados quando se soube que o ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro ao STF em 2020, estava alegremente a bordo de um luxuoso iate em ilha grega, confraternizando com o cantor sertanejo Gusttavo Lima em seu aniversário. Kassio explicou ser amigo do cantor, e que, como estava em Roma, participando de seminário sobre legislação, deu um pulo à Grécia para abraçar o aniversariante em 2 de setembro. Mas, dois dias depois, em 4 de setembro, a Polícia Federal deflagrou, em Pernambuco e Paraíba, a terceira fase da operação “Integration”, contra o crime organizado no site de apostas “Esporte da Sorte”, controlado pelo bicheiro Darwin Henrique da Silva Filho. A plataforma de apostas online que patrocina times de futebol como o Corinthians, Athletico-PR, Bahia, Grêmio, Palmeiras, Ceará, Náutico e Santa Cruz, que se estendeu aos estados de São Paulo, Paraná e Goiás. Na operação, além de Deolane, foram expedidos mandados de prisão contra Nivaldo Batista Lima, vulgo Gusttavo Lima, por suposto favorecimento na fuga em seu avião, para o exterior, de dois dos 20 alvos da PF, justamente na viagem à Grécia. Isso deixou novamente o ministro Kassio Nunes Marques em posição desconfortável. A amizade com Gusttavo Lima pesou a favor da liberação, por desembargador do TJ-Pernambuco, para Deolane, e na anulação do alerta vermelho da Interpol para a captura de Nivaldo Batista Lima, que embarcara para sua casa em Miami poucas horas antes do mandado de prisão contra si. Há ministros do STF incomodados com as relações perigosas do colega.

Segurança é fruto do noticiário B.O.

O tema segurança foi apontado como a principal preocupação das grandes capitais e cidades de porte médio nas eleições municipais. Trata-se de um desvio de finalidade. A responsabilidade da segurança pública – tanto pela polícia civil, quanto pela militar e até pela defesa civil (bombeiros) - é dos governos estaduais. As prefeituras que dispõem de guardas municipais são as das grandes capitais, mas atuam sem poder de polícia, só para a manutenção da ordem pública (combate ao comércio clandestino de camelôs e arruaças por moradores de rua). Tenho certeza de que a inflação, saúde e saneamento básico (metade dos municípios não tem redes de esgotos), transportes e educação estão à frente ou ao lado da segurança, nas aflições das capitais.

Com meus 52 anos de jornalismo, com atuação em jornais (JB e Globo) revistas (Veja), Rádio (JB e Roquete Pinto), TV (Globonews e TVE), além de publicações avulsas, noto certa acomodação no jornalismo em tempos de redes sociais. A pressa pela notícia online leva à valorização do jornalismo B.O. (Boletim de Ocorrência), no jargão da cobertura de Polícia, na reportagem geral, ou a manchetes apelativas. No tempo em que os jornais tinham peso, e o noticiário matinal das rádios era basicamente a leitura das principais manchetes, havia distribuição entre assuntos de saúde, educação, transporte, saneamento, economia, esporte e cultura. Hoje, a pressa pelos “likes” dá preferência à escuta da polícia nas redações de rádios e no online. Que me interessa, no carro, no Rio, em São Paulo ou Belo Horizonte, ouvindo a CBN ou a Band, saber que uma pessoa foi morta a tiros em Manaus ou Teresina? Se não foi alguém de projeção nacional, não é notícia que justifique divulgação. Mas é fácil de apurar e pôr no ar. Creio que o jornalismo B.O. ganhou força com a “espetacularização da notícia”, e um dos pioneiros foi José Luiz Datena.

Repórter esportivo de rádio e TV Bandeirantes, Datena ancorou o noticiário da Band na maior cidade do país. Para concorrer com o poderio dos noticiários da SP-TV da Globo, que podiam elaborar matérias sobre saúde, educação, cracolândia e problemas reais do transporte, enviadas à redação por veículos dotados de aparelhos para pré-edição, Datena foi esperto. Fica no estúdio e, com auxílio de um helicóptero que sobrevoa a grande São Paulo, põe no ar imagens de grandes engarrafamentos, um incêndio de médio ou grande porte ou uma perseguição ou blitz policiais. Esse jornalismo-espetáculo virou praxe nas emissoras, com o âncora de pé distribuindo bordoadas a torto e a direito, substituiu o bordão “é uma vergonha” de Boris Casoy, sentado atrás de uma mesa. Mas ambos costumam bater em “cachorro morto”, não atacam as questões centrais. No Rio de Janeiro, foi pioneiro nesse tipo o programa “O Povo na TV”, de Wilton Franco, que passou por várias emissoras e elegeu alguns figurantes como deputados. Cito Roberto Jefferson, que era o “advogado do povo” e virou deputado federal, atualmente preso por atentar contra a Polícia Federal, e Wagner Montes, deputado estadual, já falecido, que fazia a apologia da polícia que parte para cima, “mata e arregaça”. Datena ameaçou concorrer a vários cargos e agora disputa a prefeitura de São Paulo. Mas percebeu que ficou ultrapassado pela combinação das “fake News” com a IA das redes sociais, que o deixou em 4º lugar até aqui nas pesquisas locais.

Pleito desenha nova política?

O que se pode esperar da politização da segurança na campanha municipal é uma depuração dos partidos políticos, com risco de aumento futuro da “bancada da bala”. A tendência de união de blocos e federações tende a crescer. É nítido o aumento da influência do PSD de Gilberto Kassab, que ocupou o espaço do antigo PSDB em São Paulo e disputa a hegemonia do centro – ou do muro - com o velho MDB para fazer aliança com o partido dominante. O PL de Waldemar Costa Neto e Jair Bolsonaro, o PT, o PP e o União Brasil também esperam controlar mais cidades importantes e reforçar o cacife para as eleições de 2026. Este, a meu ver, o principal recado das eleições de domingo, que reservará novas emoções no 2º turno para poucas capitais e grandes cidades, onde a fatura acaba dia 6.

“Dura lex” com o X

Sabe-se lá instigado por quem, embora o “modus operandi” seja conhecido, o bilionário Elon Musk, dono da Tesla, da Starlink e da Space X, acreditou que, ao comprar o antigo Twitter e transformá-lo em X, teria o comando virtual do pensamento radical de direita do mundo – da internet. Alto lá, disseram a Austrália, o Reino Unido, Turquia, Índia e democracias europeias. As leis locais têm de ser respeitadas. No Brasil, onde o X se transformou na rede preferida dos extremistas de direita para propagar “fake news” e atentados ao Estado Democrático de Direito, o X bateu de frente com o “xerife” das “fake News”, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. No choque dos X, as atividades da rede de Elon Musk foram suspensas em 30 de agosto, depois que a rede social não cumpriu as exigências do ministro do STF, de apresentar um representante legal no Brasil. Em lance típico de blefador, Musk anunciou que sairia do Brasil (o segundo mercado do X) por não concordar com as restrições à "liberdade de expressão), o que gerou muitas comemorações dos bolsonaristas no 7 de setembro na avenida Paulista. Só que Musk, quase trilionário, não rasga dinheiro.

Antes que um foguete da Space X concluísse mais um passeio no espaço – cobrando regiamente de bilionários –, baixou a bola, miou como um gatinho e indicou a antiga advogada que se recusara a cumprir ordens do STF, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, como sua representante no país. Com a justificativa de que pagara todas as multas aplicadas pelo ministro Moraes, o X solicitou, dia 26 de setembro, a volta das operações do X – quem sabe ainda a tempo de influir nas eleições municipais. Não colou. Moraes, junto com os colegas do Supremo, considerou uma afronta à Justiça e à soberania do Brasil o X driblar as proibições da Anatel (em cumprimento de determinações do STF), no retorno clandestino das operações nos dias 19 e 23 de setembro.

O Brasil não é “casa da mãe Joana”. Sexta-feira, 27 de setembro, o ministro Moraes condicionou o desbloqueio do X ao pagamento imediato de R$ 10 milhões. É o valor da multa pelos dias em que a rede de Musk voltou a operar, burlando a ordem de bloqueio. Segundo o ministro, ainda há pendências. Para ter direito ao desbloqueio, a representante legal do X, a advogada Rachel Villa Nova, deve fazer o pagamento imediato de R$ 300 mil em multas por descumprimento de outras decisões judiciais.

Até o NYT condenou Musk

Com o título de “5 dias com Elon Musk no X: Deepfakes, falsidades e muitos memes”, o jornal “The New York Times” abordou na edição de sexta-feira, 27 de setembro, um balanço das postagens no X, e concluiu: “Quase um terço das 171 postagens da semana passada do proprietário do X eram falsas, enganosas ou não continham contexto vital.” Ou seja, Moraes tem razão. Os fãs bolsonaristas de Musk podem recorrer ao “jus sperniandi”. O direito de espernear, o Supremo admite. Entretanto, a lei é dura, mas é a lei.

Surpresas nos EUA?

A cinco semanas da eleição dos Estados Unidos, em 5 de novembro, uma terça-feira (lá o voto não é obrigatório e a votação pode ser antecipada pelo correio), vale a pena acompanhar o que diz o boletim de Nate Silver, um dos maiores especialistas em pesquisas eleitorais da terra de Tio Sam. Na sexta-feira, 27 de setembro, Nate Silver, compilando várias pesquisas, apontava a candidata Democrata Kamala Harris três pontos à frente do Republicano Donald Trump: 49,1% X 46,1%. Mas a eleição nos EUA não se decide pelo voto direto e sim pelos votos majoritários nos Colégios Eleitorais de cada estado americano. A soma dos votos no Colégio é de 538 representantes.

Com exceção de dois pequenos estados (com três e quatro votos, que se dividem 75% para o vencedor e 25% para o perdedor), a regra é: o vencedor do voto direto leva todos os votos do Colégio Eleitoral. Ganha, portanto quem fizer 270 votos ou mais (metade 269 +1). Na última eleição, Biden venceu Trump por 306 a 232 votos. Há estados que são, tradicionalmente, Democratas, caso da Califórnia e de Nova York, e outros, Republicanos, caso do Texas e da Flórida. Entre 2020 e 2024 houve alteração no número de votos de alguns, pelo aumento ou redução da população/eleitores. A Califórnia reduziu de 55 para 54 votos; Nova Iorque, de 29 para 28, já o Texas cresceu de 38 para 40 e a Flórida, de 28 para 30. Ou seja, só nestes quatro estados Trump ganhou seis votos. São ainda estados de peso Illinois e Pensilvânia, ambos com 19 votos. Kamala ganhou em outros democratas. Para Nate Silver, a batalha fica restrita a uma dúzia de estados-pêndulos, nos quais os eleitores ainda podem mudar de lado.

Por isso Kamala e Trump concentram as atenções no Arizona (6 votos), onde Trump estava em vantagem de 48,5% a 47,1% e principalmente na Pensilvânia (19 votos), onde Harris liderava por 48,9% a 47,2%; Michigan (15 votos), onde sua vantagem era de 49,8% a 46,5% e Wisconsin (10 votos), onde Harris lidera por 49,7% a 47,5%. Além de Arizona, o campo de batalha se desloca para a Carolina do Norte (16 votos), onde Trump está à frente por 48,1%, contra 47,7% e na Geórgia (16 votos), onde Trump vencia por 48,6% a 47,8%; em 2020, a vitória de Biden foi contestada por Trump, que pediu ao procurador eleitoral local que fraudasse mais de 12 mil votos para ele vencer. Nate Silver diz que “a previsão ainda está incerta, mas estamos chegando ao ponto em que diríamos que preferimos ter a mão de Harris para jogar”.