Um país sem representação

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Segundo os números do Censo do IBGE, éramos 203,080 milhões de brasileiros em 2022, com predominância das mulheres (104,548 milhões, ou 51,48%) sobre os 98,532 milhões de homens (ou 48,52%). Mas a representação das mulheres nas prefeituras e nas câmaras municipais sequer chegou a cumprir a cota mínima de 30% das candidaturas

Qualquer que seja o resultado deste segundo turno, uma coisa é certa: a representação política nas prefeituras e nas câmaras municipais, repetindo o que ocorre no Senado, na Câmara Federal, nos governos estaduais e nas assembleias legislativas, não vai corresponder ao corte da população em gênero, cor, raça e religião.

Segundo os números do Censo do IBGE, éramos 203,080 milhões de brasileiros em 2022, com predominância das mulheres (104,548 milhões, ou 51,48%) sobre os 98,532 milhões de homens (ou 48,52%). Mas a representação das mulheres nas prefeituras e nas câmaras municipais sequer chegou a cumprir a cota mínima de 30% das candidaturas (em eleições recentes, a inscrição de mulheres serviu apenas como representação de “laranjas” para garantir o gordo fundo partidário). Na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, segunda cidade do país, onde as mulheres são maioria, foram eleitas apenas 12 mulheres, uma a mais que na atual legislatura.

Quando se examina o corte dos candidatos autodeclarados por cor e raça, verifica-se um descompasso ainda maior entre a representação e as respectivas populações. Os pardos eram maioria na população, somando 92,083 milhões (45,34%), superando os 88,252 milhões de brancos (43,45%). Os pretos somavam 20,665 milhões (10,17%), mas a imensa maioria dos eleitos é constituída de homens brancos. E a representação dos 1,694 milhão que se declararam indígenas ou dos 1,330 milhão de quilombolas (na autodeclaração, índios se declaram pardos e os quilombolas, pretos ou pardos) ficou mais ainda a desejar. Dá para se entender por que os direitos dos índios e das demais categorias, com representações inferiores à sua posição na sociedade, são tão mal defendidos no Congresso, nas assembleias e câmaras municipais. O que acaba exigindo a interferência do Supremo Tribunal Federal.

O Centrão se move

Enquanto os extremos se digladiam nas grandes cidades, com o PL agrupando a ultradireita, e o PT e o Psol liderando as forças da esquerda, os partidos do centro (que atuam, parodiando os estados-pêndulos dos Estados Unidos, que mudam de posição a cada eleição, pró democratas ou pró republicanos, definindo o presidente no Colégio Eleitoral de cada estado) aliam-se ora a um governo de radical de direita. O objetivo é mamar nas tetas do Orçamento. Foi assim com Bolsonaro, que delegou espaço a Arthur Lira (PP-AL) no Orçamento Secreto.

E se repete com Lula, mais à esquerda. Embora seja fundador do PT, Lula, há muito, transcende as limitações ideológicas-partidárias da legenda, sendo um mito, sobretudo no Nordeste e entre os descendentes de nordestinos – o que explica sua baixa penetração (e do PT) no Sul do país.

Pois até agora, nas eleições municipais, o partido mais fortalecido foi o PSD, de Gilberto Kassab. Pragmático, Kassab tem representantes na presidência do Senado e do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), três assentos no Ministério de Lula e a função de coordenador de relações institucionais (políticas) do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Ou seja, não bastasse grandes prefeituras como a do Rio de Janeiro e outras por conquistar nesse 2º turno, meu pragmático xará já está preparado para descer do muro à direita ou à esquerda na eleição de 2026, se Lula for confirmado para a reeleição.

Mas o triunvirato que domina o Orçamento Secreto no Congresso e faz chantagem com qualquer governo – formado pelos representantes do União Brasil, o PP (Partido Progressista só no nome, pois vive defendendo bandeiras do atraso) e o Republicanos, o partido da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo - está fazendo reuniões para formar uma superfederação partidária no Congresso. Na prática, pode criar uma musculatura capaz de influir nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado e continuar sugando o Orçamento da União com emendas para beneficiar seus currais eleitorais, sem transparência e com artifícios como as emendas PIX, em boa hora suspensas pelo ministro Flávio Dino, do STF, mas sem poder impedir o efeito na eleição de prefeitos nos currais eleitorais dos estados.

Por isso, a representação partidária não corresponde ao recorte da população e eterniza as dinastias políticas. A estrutura partidária que levou à criação do Centrão na Constituinte de 1986, por iniciativa do falecido deputado Roberto Cardoso Alves (PTB-SP), que cunhou o lema “é dando que se recebe”, está mais forte e atuante com esse novo Centrão.

O presidente Lula vai ter de abrir mais espaço para esses partidos de centro, se quiser aprovar medidas até o fim do mandato. Sempre com o risco de que estas forças se unam para chantagear o Executivo e o Judiciário com ameaças de “impeachment”. Um toma lá-dá cá tipo MMA.

No modo segurança

O fracasso do governo de Cláudio Castro (PL) no Rio de Janeiro, desmoralizado no debate eleitoral pelo próprio candidato derrotado do partido à prefeitura do Rio, o delegado-deputado federal Alexandre Ramagem, levou o presidente Lula, depois da falência do modelo implantado por Castro, de lotear as indicações para as chefias da Polícia Militar e da Polícia Civil entre políticos da sua base de apoio na Alerj, a tomar uma atitude que só poderia ser tomada depois do 2º turno, mas se tornou urgente face aos acontecimentos no Rio nas duas últimas semanas. A segurança pública está à matroca no desgoverno Cláudio Castro.

Como estadista, não cabe a Lula – como se pensou no passado, nos governos militares, que tiveram de engolir a eleição de Leonel Brizola em 1982 – retaliar os moradores do segundo estado mais importante do Brasil e que era a porta de entrada ou cartão de visita do Brasil para o mundo por eleger alguém da oposição na primeira eleição direta pós 1964.

Os fenômenos dos apagões, que deixaram a maior cidade do hemisfério Sul sem energia durante vários dias, repercutiriam muito mais na mídia mundial se fosse no Rio. As badernas dos torcedores do Uruguai, num ponto remoto do Recreio dos Bandeirantes, repercute mais do que uma briga dos torcedores do Galo contra os do River Plate em Belo Horizonte. Idem os episódios da Muzema e do tiroteio no Complexo de Israel.

Uma ação mal planejada da desgovernada PM do governo Castro levou ao inédito recuo da PM, deixando pelo menos três mortos. Nas hostes bolsonaristas, em outras ocasiões, as bandeiras do Estado Judeu na região de Vigário Geral, que corta a Avenida Brasil na Zona Norte e interfere nas ligações da BR-116 (Via Dutra, Rio-São Paulo) e BR-040 (Rio-Belo Horizonte), já foram usadas como sinal de apoio a Israel.

Uma leitura totalmente equivocada. Apesar da bandeira e da Estrela de Davi, o Complexo de Israel age muito mais próximo aos métodos do Hamas.

A inovação garante o lugar no futuro

Um interessante estudo divulgado pela revista “The Economist” situa os países líderes em inovação, o que é garantia para o futuro das respectivas populações. O Índice Global de Inovação, publicado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), incluiu “produtos”, como patentes, publicações científicas e exportações de alta tecnologia, bem como “insumos”, como gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o número de graduados em engenharia e negócios de capital de risco. O índice leva em conta a adoção e o uso de tecnologia por um país, bem como sua produção. E o tamanho da população faz diferença, assim como a importação de produtos de alta tecnologia e gastos em propriedade intelectual do exterior.

Os Estados Unidos estão no 3º lugar no “ranking” e a China, que é a grande ameaça à hegemonia do Tio Sam, está em 11º lugar. Pelas métricas da OMPI, o melhor desempenho é da Suíça (aqui conta a relação com os investimentos e a população e o PIB do país. Só em 2022, a Suíça entrou com 5.430 pedidos de patentes internacionais. É menos de um décimo do número registrado pelos Estados Unidos. Entretanto, como o PIB suíço é menos de um décimo do tamanho dos EUA, ela ainda supera a América nessa métrica (Trump vai custar a entender que o “Make America Great Again” não se faz num estalar de dedos ou por decreto, barrando importações). A Suíça também emprega bem menos pesquisadores do que os EUA, mas ganha na relação com o tamanho de sua população. A pontuação de um país no índice é correlacionada a seu PIB “per capita”: países ricos tendem a ter uma classificação melhor. Alguns saem acima do esperado para seu nível de desenvolvimento. O maior superador por essa medida é a Índia: está em 39º lugar. Mas um país com seu baixo PIB “per capita” deveria ficar fora do top 100. Da mesma forma, a China, um país de renda média alta, deveria ficar na faixa dos 60, não em 11º lugar.

E o Brasil na fita?

Nos últimos cinco anos, os escaladores mais rápidos no “ranking” da OMPI foram Indonésia (4º país mais populoso do mundo), Maurício, Arábia Saudita, Catar, Brasil e Paquistão (que superou o Brasil em população). Para o mundo como um todo, o progresso não tem sido constante. Em 2020-22, o mundo desfrutou de um “boom”, que parece ter chegado ao fim. O número de publicações científicas caiu 5% em 2023. Os pedidos de patentes internacionais caíram pela primeira vez desde 2009. O investimento em P&D pelas maiores corporações de gastos do mundo cresceu 6% em 2023, em comparação com o crescimento de 10-13% em 2019-2021. O número de negócios de capital de risco caiu 9,5% em 2023 e seu valor caiu 39%.

É interessante correlacionar o time de países que estão inovando com a nova configuração do BRIC (atual BRICS). O bloco foi citado em um estudo de 2001, na virada do 3º milênio, pelo economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O’Neil, intitulado “Building Better Global Economic BRICs”. O acrônimo reunia as iniciais dos países que o GS apostava que iriam decolar no começo da década: Brasil, Rússia, Índia e China. Alguns anos depois, juntou-se ao grupo a África do Sul, e o BRICs virou BRICS. Em janeiro deste ano, o bloco ganhou a adesão do Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã.

Agora, na cúpula de Kazan, o Brasil impôs seu veto ao ingresso da Venezuela e da Nicarágua, proposto pela Rússia, dentro do princípio de que o bloco deve valorizar os regimes democráticos. Mas 13 países estão com pedidos formais de ingresso para formar um poderoso bloco, cujo comércio pode ignorar o dólar como moeda de troca. São eles: Cuba (uma ditadura), Bolívia, Turquia, Nigéria (que está superando o Brasil em população), Indonésia, Argélia, Belarus, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã e Uganda. Como se vê, o BRICS amplia sua influência na Ásia, na África e na América Latina e Caribe. Será um novo foro de discussões internacionais rivalizando com a travada estrutura da ONU e seus instrumentos.

Melhor seria a ONU ser reformada.