Olho no abstencionismo

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Interessante observar que, ao largo da campanha eleitoral, no seu derradeiro estágio, na cidade mais importante do país, o reconduzido prefeito de S.Paulo, Ricardo Nunes, cuidou de privilegiar um tema que, de ano para ano, vem recomendando cuidadosa reflexão. O abstencionismo. Dias antes, a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, já qualificava o problema como preocupante; com razão, pois, feito o balanço do primeiro turno, constatou-se a não participação de 21,7%, apenas dois pontos abaixo dos números de 2020, quando, em plena epidemia, era aceitável a justificativa dos que temiam o contágio e a disseminação da peste. No domingo passado, conferidos os resultados em grandes cidades, o quadro não foi menos infeliz.

Ausência do cidadão na hora de decidir os destinos de sua comunidade, se em tempos de paz, é algo que faz mal à saúde da democracia, começando por gerar limitada autenticidade dos agentes escolhidos. Figura neste caso o que ocorreu, por exemplo, em Belo Horizonte, onde, somados à ausência os votos nulos e brancos, 42% da população apta a votar deixou de influir no destino das urnas. Nulos e brancos foram mais numerosos que a soma da performance dos nove vereadores mais votados.

Bom que as preocupações não se esgotem, quando não houver mais campanhas e votos a perseguir. Vale lembrar, porque temos o costume de esquecer logo os problemas que incomodam. Quanto ao caso em tela, é gravíssimo, embora possa parecer certo exagero nessa constatação. Um povo indiferente a um processo eleitoral é aquele que perdeu a esperança e o respeito por seus representantes. Tanto faz, como tanto fez. Não importa se o poder cair na mão de probos, corruptos ou incompetentes.

( Diante disto, nem pensar em avançar para o voto facultativo, não obrigatório, como em outros países. Seria o enterro de uma política indigente ).

Não há novidade alguma em afirmar que a primeira responsabilidade pesa sobre os partidos, bastando lembrar que, no dia 6 último, primeiro turno eleitoral, a legenda mais contemplada, o PSD, não foi além da preferência de 15% dos municípios. Um vexame, que se estende aos menos votados, os que agasalham governistas e oposicionistas. As instituições partidárias – todas, sem exceção - estão obrigadas ao exercício de piedosa autocrítica, sob pena de perder o que lhes resta de expressão. Têm de buscar a maneira de estimular o eleitorado, convocando-o à participação. E o primeiro a se fazer é corrigir erros e deficiências; facilmente perceptíveis, até porque a sociedade brasileira já os identificou e os denuncia com frequência. E protesta, com raiva, mandando as urnas às favas.

Uma cota, no painel das responsabilidades, cai sobre o Congresso Nacional. Já não se dirá em relação aos partidos, quase todos ali representados. O que precisa ser feito, deve ser feito com a necessária urgência, para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, de forma a preservá-lo de dúvidas quanto à legitimidade de seus mapas e relatórios. É muito fácil remeter as dúvidas a grupos descontentes com os resultados. Isso é insuficiente.

( Sobre as urnas eletrônicas, como a mulher de César, não basta serem virtuosas; é preciso parecer que sejam, com comprovação impressa ).

Devemos estudar bem o abstencionismo. Gianfranco Pasquino, que tem um ensaio sobre esse fenômeno, publicado pela Universidade Nacional de Brasília, mostra que o estudo a respeito não é obra custosa. “Pode-se dizer que os abstencionistas têm, do ponto de vista sociológico, características relativamente definidas”. Neste particular, as fortes diferenças programáticas até contribuem para diminuir o abstencionismo, um ótimo dado para que sobre ele estejam debruçados os artífices dos programas partidários, onde, em geral, promete-se o que não vai ser feito… Outra observação conclusiva de Pasquino, que se ajusta nesse monte de Ps que temos, mais de 30: “a explicação talvez mais convincente é que, onde os partidos estão mais organizados, capilarmente presentes e muito ativos, a taxa de abstencionismo mantém-se moderada”.

É ainda a esse autor que vou recorrer, para encerrar. As eleições, no Brasil, podem correr o risco de caírem num “abstencionismo crônico”.O que seria péssimo.