COISAS DA POLÍTICA

Vitória de Trump acelera aperto de cintos por aqui

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Publicado em 10/11/2024 às 07:28

Alterado em 10/11/2024 às 07:50

Donald Trump Foto: Ansa

O governo Lula torcia pela vitória da vice-presidente democrata, Kamala Harris, pois desenharia um quadro econômico mais favorável ao Brasil, com a continuidade da queda de juros pelo Federal Reserve Bank. Com a vitória do ex-presidente Donald Trump, com maioria republicana no Senado e na Câmara, é esperado um maior alinhamento entre os poderes Executivo e Legislativo. O cenário favorece Trump a implementar suas propostas de campanha, que passam por temas como barreiras e tarifas comerciais – em particular contra a China –, imigração e medidas fiscais. Na economia, novas medidas de cunho protecionista podem ter reflexos inflacionários à frente, o que impactaria a trajetória futura de juros, que fortalece o dólar globalmente.

O efeito de maior pressão inflacionária e o cenário de juros mais altos nos Estados Unidos têm forte impacto no Brasil e no mundo. Com pressão no câmbio e juros mais elevados, que afeta o PIB, o Brasil vai enfrentar mais dificuldades para ajustar as despesas às receitas. Antes de Trump, o Fed iria baixar os juros até maio de 2025, quando o Banco Central baixaria os juros no Brasil, facilitando a retomada do crescimento econômico que turbina a arrecadação e alivia os níveis do endividamento público em relação ao PIB.

Por isso, o governo Lula resolveu mergulhar, mais uma vez, no exame de medidas para ajustar o orçamento em 2025 para não chegar em 2026 com a economia em crise. Como ficou provado nos Estados Unidos, apesar de a inflação ter desacelerado, a sensação de piora do cenário econômico (em boa parte pelos patamares altistas nos preços, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia e a retaliação dos membros da OTAN), alardeada por Trump, foi um dos grandes cabos eleitorais da vitória republicana.

No Brasil, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) subiu os juros em 0,50% para 11,25% ao ano e deixou clara a relevância de medidas fiscais estruturais, ainda a serem apresentadas. Estas, segundo as autoridades monetárias, podem reduzir os prêmios de risco, ajudando assim a conter a pressão cambial. Em análise do Itaú, o maior banco privado do país assinala que “os desafios orçamentários persistentes representam riscos ascendentes para a inflação e para a trajetória futura das taxas de juros”.

Num país como o Brasil, em que o Orçamento Geral da União já está fortemente comprometido por gastos obrigatórios (salários do funcionalismo e benefícios sociais e subsídios), sobrando pouco espaço para investimentos, o razoável seria usar as projeções do Censo 2022 do IBGE, que apontam a redução do número de crianças e o aumento da participação de idosos com mais de 65 anos na população, para redimensionar os gastos de Saúde e Educação ao horizonte projetado. Mas a Constituição determina a destinação mínima de 18% das receitas da União em Educação e 12% em Saúde.

Como negociar com o Congresso

Se não bastasse isso, com o crescimento do Orçamento Secreto no governo Bolsonaro, que delegou mais fatia do OGU às emendas dos senadores e deputados, fica mais difícil a negociação de cortes que precisam envolver não apenas a concordância dos ministros das áreas afetadas pelas indicações da equipe econômica – os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, do Planejamento, Simone Tebet, e de Orçamento e Gestão, Ester Dweck – mas a colaboração e compreensão dos Poderes Judiciário (haveria corte dos altos salários da magistratura) e do Legislativo, com aprovação de Projetos de Leis Complementares, Propostas de Emenda Complementar.

Para aprovação de um Projeto de Lei é preciso maioria simples no Senado (41 votos) e na Câmara dos Deputados (257 votos). Para emendas à Constituição o quórum mínimo é de 3/5 dos votos em duas rodadas no Senado (49 votos) e na Câmara (308 votos). Em tempo de formação de novos blocos no Congresso, já antecipando a composição das mesas das duas casas e suas respectivas presidências em 1º de fevereiro de 2025, as negociações ficam ainda mais escorregadias e difíceis.

Qual será o pacote fiscal?

O governo vai propor novas medidas de revisão de gastos com o objetivo de garantir o cumprimento do arcabouço fiscal vigente ao menos até 2026, em complemento às medidas administrativas de “pente-fino” de benefícios sociais já anunciadas. As propostas cogitadas até o momento envolvem, entre outras, alterações do Benefício de Prestação Continuada (BPC), Seguro-Desemprego, Fundeb, vinculações ao mínimo, limitação do abono salarial (PIS-Pasep) a dois salários-mínimos, pisos constitucionais de saúde e educação e da previdência dos militares. O Itaú estima que o cumprimento do arcabouço em 2025 depende de ao menos R$ 25 bilhões de redução de despesas, podendo ser obtidos, por exemplo, com o sucesso das medidas de “pente-fino”.

Para 2026, o Itaú considera ser necessário ajuste adicional de ao menos R$ 35 bilhões, para o pacote de revisão de gastos ter sucesso em obter alguma redução da percepção de risco fiscal. O Itaú assinala que o pacote pode ser uma oportunidade para reduzir os receios quanto às iniciativas onerosas do ponto de vista fiscal, como a isenção do imposto de renda das famílias até R$ 5 mil, e ao aumento das criatividades contábeis e retorno de estímulos parafiscais, podendo, por exemplo, garantir que novas políticas públicas (como o programa Pé de Meia) e a expansão de políticas existentes (como o “vale-gás”) sejam contabilizadas de forma transparente e sujeita às regras fiscais vigentes.

Ao longo de novembro serão divulgados dados que mostram a piora do quadro fiscal: i) relatório bimestral de novembro com novos bloqueios; ii) avanço da regulamentação da reforma tributária do IVA; iii) divulgação do bônus de Itaipu para o país inteiro (que pode baixar a conta de energia elétrica residencial); iv) divulgação dos nomes dos três novos diretores do Banco Central.

O Itaú calcula cortes de R$ 105 bilhões, equivalentes a 0,9% do PIB, para alinhar os gastos públicos nos limites do Arcabouço Fiscal, já apontados pela equipe econômica, mas que seriam feitos por etapas, pois algumas medidas dependem de aprovação do Congresso. Sendo realista, para garantir o cumprimento do limite de despesas do arcabouço fiscal até 2026, o Itaú estima ser necessário ajuste mínimo de R$ 60 bilhões, sendo R$ 25 bilhões em 2025.

Medidas administrativas

As medidas mais eficazes, de ordem administrativa, envolvem o BPC (que paga um salário-mínimo a idosos com mais 65 anos e sem renda suficiente para seu sustento), Seguro-Desemprego, Fundeb, vinculações ao mínimo, pisos constitucionais de saúde e educação e a previdência dos militares:

O corte de R$ 25 bilhões para 2025, equivalente a 0,2% do PIB, seria feito com medidas administrativas antifraude na Previdência e no programa de BPC (dos ministérios da Previdência e Desenvolvimento Social) com incentivo aos servidores na ação de recadastramento. A operação pente-fino em aposentadorias por invalidez, auxílio-doença e BPC, há mais 6 meses sem revisão com perícias, poderia economizar R$ 14 bilhões, ou 0,1% do PIB.

No Bolsa Família, com medidas administrativas para normalizar a participação de famílias unipessoais, pode-se economizar R$ 7 bilhões, o equivalente a 1% do PIB. O MDS deveria focar na redução das participações dos unipessoais de 19% para 14% (uma volta ao patamar de 2019, inchado na pandemia da Covid e na eleição de 2022), para encolher os beneficiários em quase 1,1 milhão.

O terceiro programa requer a revisão de gastos de Proagro e Seguro Defeso, no âmbito do Ministério da Agricultura, e pode economizar R$ 4 bilhões.

Medidas de R$ 42 bilhões passam pelo Congresso e STF

Um pacote mais amplo de seis medidas depende da aprovação, no Congresso, de Leis e Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) e entendimentos com o Supremo Tribunal Federal. A redução de 50% dos gastos com o abono salarial (PIS-Pasep), que seria limitado a quem ganha até dois salários-mínimos - R$ 2.824 - poderia economizar R$ 15 bilhões (o equivalente a 1% do PIB), mas depende de aprovação de PEC. Outra providência mais simples, também ligada ao Ministério do Trabalho, que depende de Lei, é a reforma do seguro-desemprego, ajustando o programa aos recursos do FGTS como fonte de suporte (a multa dos 40% na demissão sem justa caixa), a partir do 3º mês de desemprego. Prevê-se economia de R$ 10 bilhões ou 0,1% do PIB.

Também dependente de lei simples, no âmbito do Ministério de Gestão, é a regulamentação dos supersalários do setor público (PL 6726/16 regulamenta que tipos de benefícios podem ultrapassar teto salarial dos servidores federais, incluindo juízes e militares). Estima-se uma economia de R$ 4 bilhões.

Um ponto sensível no relacionamento com o Congresso, o corte de emendas parlamentares vinculadas a verbas do Orçamento para as pastas de Saúde e de Educação – com estimativa de economia de R$ 6 bilhões – depende não apenas do OK da Câmara e do Senado, mas de negociação do STF.

Medida simples, no âmbito do Ministério da Fazenda, seria definir orçamento limitado a cada ano para os subsídios e o seguro-defeso. Já a imposição de limites do total de despesas obrigatórias (como a sua vinculação ao limite do Arcabouço Fiscal, de 2,5% linha a linha, que geraria economia de R$ 8 bilhões, ou 0,1% do PIB), seria mais complexa, exigindo apresentação de PEC.

Pacote de R$ 38 bilhões depende de PECs

Uma terceira etapa de medidas de contenção de gastos exige negociações mais complexas de Propostas de Emenda Complementar (PEC) e uma Lei Complementar, aprovada com maioria simples. Uma PEC para redefinir os gastos para apuração do limite mínimo de Educação e ampliar de 30% para 60% os recursos destinados ao Fundeb considerados para o limite mínimo de Educação gerariam economia de R$ 17 bilhões, ou 0,1% do PIB.

Uma Lei Complementar desobrigaria a execução dos recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), com economia estimada de R$ 10 bilhões, ou de 0,1% do PIB. Uma PEC para rever os limites mínimos para Educação e Saúde poderia igualar o crescimento dos seus limites mínimos aos parâmetros do Arcabouço Fiscal, com economia de R$ 4 bilhões. Outra PEC ajustaria as verbas do programa Pé de Meia no Orçamento ao vinculá-lo ao Fundeb. A economia seria de R$ 7 bilhões.

Falta combinar com os russos

O problema dos pacotes econômicos é que, na teoria, está tudo bem. Na prática, como dizia Garrincha “falta combinar com os russos”. Ou seja, com o Congresso, que tem representantes de todos os “lobbies”, para cortar subsídios, privilégios de altos salários e ajustar os benefícios sociais às limitações orçamentárias que explodem as contas públicas e mantêm os juros altos. Isso implica o Congresso aceitar cortar na própria carne. E há uma ala que deseja que a economia fique pior para surfar na onda, como Trump.

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