O espaço feminino
Mexer na Constituição tornou-se esporte excitante, embora nem sempre aconselhável, se coincidente com os momentos de maiores dificuldades do país. Como se provocar debates mais acalorados em torno da Carta fundamental ajudasse a amenizar os problemas do dia a dia. Vem em socorro desse contraste o projeto de revisão do modelo 6x1 nas jornadas de trabalho. E, quase ao mesmo tempo, a tentativa da ministra Aparecida Gonçalves de forçar maiores espaços políticos para as mulheres. Se não há quem possa negar a importância da ampliação dos direitos da população feminina, é certo que, desta vez, as pretensões incursionaram em área mais complexa, a paridade no campo político, fixando-se cotas em que homem não possam pisar. Nas chapas eleitorais elas já têm reserva de 30%, mas é conquista tida como insuficiente.
( Parece que a intuição feminina, na sua capacidade de sentir o que nem sempre se vê, indica não ser o Legislativo o melhor caminho para a mulher se impor. Daí o seu desinteresse. Se assentar em muitas cadeiras de senadores e deputados removesse os desafios, os homens já os teriam resolvido amplamente, pois sempre foram maioria acachapante de todas as assembleias).
Mas a ideia da paridade pode complicar um pouco mais nossa sovada Carta Magna, porque significa dividir cadeiras legislativas em condições e números iguais entre homens e mulheres. A dificuldade está em que tal proposta altera, na essência, o sentido primeiro da representatividade, que se faz pela via do voto democrático, qualquer que seja o gênero de sua origem. Não se pode interpretar de outra maneira: as vagas naquelas casas são preenchidas em nome da cidadania, do manifesto coletivo do eleitorado, sem a preocupação de distribuição equitativa por sexo. Pelo menos, é ideal que seja assim.
Em geral, temos incorrido em equívoco ao se discutir o papel das mulheres na condução dos destinos do país, esquecendo-se de suas largas conquistas, com avanços que a distanciam, e muito, de tempos passados, quando foram meras expectadoras, contempladas com os restos de poder deixados pela população masculina. Hoje, elas estão muito presentes, não raro tomando espaços e posições tradicionalmente dominadas pelos homens. Vê-se, por exemplo, em cargos executivos ou no comando de grandes empresas e órgãos do serviço público. Observem nos grandes telejornais, onde as mulheres suplantam, visivelmente, a presença masculina, embora nem sempre profissionalmente mais qualificadas. Soube-se, recentemente, que em certas faculdades, como medicina, odontologia e comunicação, de tal forma dominam, fazendo prever que, dentro de uma década, estarão dominando seus respectivos mercados.
( Avançam até mesmo em áreas onde nunca seria admissível vê-las ombreadas com os homens. Lutam boxe na TV, dirigem tanques de guerra e sobem às favelas, armadas de escopeta, atrás de bandidos. Há casos em que, mesmo involuntariamente, destronam a habilidade masculina, como em recente olimpíada internacional, onde foram elas, não os homens, que representaram o futebol brasileiro…)
A sempre tempestiva discussão sobre a contribuição feminina no aperfeiçoamento da sociedade
não pode descuidar da realidade. As mulheres crescem e ampliam seus domínios em todos os campos, certamente ainda muito discretas nos parlamentos. A receita é a seguinte: que a política cuide de atraí-las com ideias sérias. Não bastam os acenos de cadeiras e vagas a serem ocupadas.