COISAS DA POLÍTICA

Números da economia são melhores que sinais de febre

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Publicado em 01/12/2024 às 07:45

Alterado em 01/12/2024 às 07:45

A moeda dos EUA encerrou a semana com baixa 1,60% frente ao euro, desvalorizado em 1,77% ante a libra esterlina, perdendo 3,55% diante do iene e 1,51% frente ao franco suíço. Até diante do peso mexicano o dólar teve baixa de 0,21% na semana Foto: Getty Imagens

Enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu entorno ficam cada vez mais encalacrados nos inquéritos da Polícia Federal que ligam os ataques à credibilidade das urnas eletrônicas, a falsificação das vacinações contra a Covid, a venda das joias pertencentes ao acervo da Presidência da República, como se fossem bens do ex-mandatário, e os preparativos para o frustrado golpe que evitasse (até com sequestros e mortes) que Lula e o vice Alckimin subissem a rampa do Palácio do Planalto, numa escalada que culminou nos atos gravíssimos da invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, quando Bolsonaro estava refugiado em Orlando desde 30 de dezembro, e retomam a desfaçatez da ladainha da anistia prévia, o país vai bem, obrigado. As boas notícias na área econômica contrariam a “febre” do dólar. Depois do baixo desemprego, o IBGE divulga, terça-feira, os bons resultados do PIB do 3º trimestre.

Na sexta-feira, 29 de novembro, o IBGE divulgou que a taxa trimestral de desemprego de agosto-setembro e outubro foi de apenas 6,2%. Trata-se da menor taxa de desemprego desde o início da série do IBGE, em 2012. Mas, na quarta-feira, 27 de novembro, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ao anunciar a criação de 132.714 empregos líquidos em outubro no Caged (Cadastro Geral de Empregados a Desempregos) - abaixo das expectativas do mercado e com queda de 115 mil vagas em relação a setembro - tentou dar uma notícia positiva e disse que o governo ia anunciar no pacote de cortes dos gastos a elevação do teto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil (há quem diga que foi um movimento para enfraquecer o ministro da Fazenda, Fernando Haddad). De fato, o vazamento esvaziou o pacote.

Isso acabou criando ruído e má interpretação do mercado financeiro que, há dois meses, espera a sinalização dos cortes de gastos do governo, pois a elevação do teto do IR representou o oposto. Pelos cálculos do Itaú, a medida teria custo estimado de R$ 38 bilhões, mas poderia ser compensada pela tributação de rendas acima de R$ 50 mil mensais. O banco que tem mais aplicações dos investidores no país avalia “essa compensação como necessária, seguindo os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, e potencialmente suficiente”. Mas, o Itaú entende que “há detalhes ainda em aberto, com riscos de deterioração de resultado primário (receitas menos despesas, excluídos os pesados juros da dívida) associados à proposta. Além disso, o governo anunciou que em caso de déficit primário, será proibido aumentar, criar ou prorrogar benefícios tributários, o que é positivo, dado seu elevado custo fiscal e pouca comprovação de eficiência econômica”.

Uma especulação contra o real

A elevação das alíquotas do IR é assunto que o Congresso só vai examinar em 2025, em complemento à Reforma Tributária. Pelo princípio da anualidade fiscal, tanto alteração de alíquotas quando aumento de tributação, incluindo juros, dividendos e aluguéis à renda mensal, não pode ser feita no exercício fiscal corrente. Ou seja, a vigência seria apenas para 2026.

Mas o mercado estava em semana de apostas no vencimento do mercado de juros futuros da B3 (dia 29, sexta-feira, e a liquidação do preço alcançado se dá na segunda-feira, primeiro dia útil seguinte). Isso acirrou a posição dos que estavam comprados, e puxou o dólar para cima para infligir mais perdas aos vendidos. Resultado, a cotação do dólar bateu sucessivos recordes de quarta a sexta-feira, quando chegou a ser cotado na máxima de R$ 6,1143. Na quinta-feira, o Banco Central entrou no mercado vendendo US$ 14 bilhões em contratos de “swap” cambial, e as cotações tiveram ligeira baixa. Sexta-feira, o movimento se repetiu: embora tenha alcançado o recorde de R$ 6,1143, fechou em baixa a R$ 5,9718, com queda de 0,70%. Um comportamento, enfim, coerente com o comportamento baixista do dólar em todo o mundo, no Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos.

Como prova de que o real foi alvo de forte especulação, mesmo com a recuperação de sexta-feira, caiu 2,83% esta semana frente ao dólar. Mas a moeda dos EUA encerrou a semana com baixa 1,60% frente ao euro, desvalorizado em 1,77% ante a libra esterlina, perdendo 3,55% diante do iene e 1,51% frente ao franco suíço. Até diante do peso mexicano o dólar teve baixa de 0,21% na semana.

O novo time do Banco Central

Diante da ebulição do mercado financeiro, o governo preparou para jogar água na fervura ao anunciar, na tarde de sexta-feira, os três nomes que irão substituir dois diretores com mandatos que expiram em 31 de dezembro de 2024, e mais o substituto de Gabriel Galípolo, já aprovado como novo presidente da Autoridade Monetária em 1º de janeiro de 2025, na diretoria de Política Monetária. O indicado para substituir Galípolo na mais importante diretoria do Comitê de Política Monetária (Copom) é Nilton David, que era diretor de Tesouraria do Bradesco. Para a vaga de Carolina Assis na diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta foi indicada Izabela Correa, que é funcionária de carreira do BC e estava na Controladoria Geral da União. Para vaga de Otávio Damásio na Regulação, o indicado é Gilneu Vivan, também funcionário de carreira do BC. Todos serão sabatinados na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, para posterior aprovação em plenário. Assim, o governo Lula terá sete dos nove votos no Copom.

Esta quinta-feira, na coluna “O Outro Lado da Moeda”, transcrevi a opinião do Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, chefiado por Fernando Honorato Barbosa, que deve expressar parte da visão do futuro diretor de política monetária do BC:

Em análise do cenário econômico, “Persistência é o nome do jogo”, já considerando o espírito do pacote fiscal, o Bradesco, além de rever projeções da economia, assinala que “o PIB cresce 3,5% neste ano e 2,4% no próximo, com uma taxa de câmbio que aprecia para R$ 5,50 em 2025, partindo de R$/US$ 5,75 ao final deste ano. Neste ambiente, o IPCA deve variar 4,8% em 2024, desacelerando para 4,4% em 2025, com a Selic atingindo 13,0% e voltando a cair apenas ao final de 2025”. [A Aneel decretou bandeira verde para a conta de luz em dezembro, o que pode ajudar a baixar a inflação].

A avaliação sobre o pacote fiscal é de que, “ao que tudo indica, o que está sendo costurado é assegurar a sobrevivência do arcabouço uns anos à frente, a partir da busca de uma certa consistência interna entre o crescimento de algumas despesas e a regra geral de gastos. Se esse cenário se confirmar, veremos dois vetores atuando para impedir que a inflação saia do controle nos próximos anos. De um lado, teremos uma enorme desaceleração da expansão fiscal e, de outro, juros reais equivalentes aos momentos de crise da economia brasileira, na década passada”.

Não há razão para acelerar alta de juros

“Não há qualquer razão que justifique acelerar a alta de juros, mesmo se o orçamento final for maior. Alongar o ciclo e esperar os efeitos faz muito mais sentido a partir do nível de juros reais em que nos encontramos. Persistência nos ajustes é o nome do jogo”, sublinha. O Bradesco diz que “esse quadro não está em contradição com a revisão para cima do PIB de 2025. O carregamento estatístico de 2024 e a supersafra agrícola a ser contabilizada no 1º trimestre assegurarão essa expansão, mas o crescimento do 2º semestre, na margem, será próximo de zero, alargando a ociosidade da economia. A desaceleração pode até estar sendo postergada, mas com a política monetária restritiva e a política fiscal bem menos expansionista, ela certamente virá”.

“É aqui que a política monetária se insere. Diante de tamanha depreciação cambial até o momento, chega a surpreender o comportamento do IPCA. As estimativas geralmente aceitas sugerem um repasse cambial da ordem de 6%, o que atribuiria cerca de 1,2 ponto percentual ao IPCA vindos da depreciação cambial. Em outras palavras, sem a depreciação cambial, provavelmente estaríamos debatendo uma inflação mais próxima do centro do que do teto da meta [3,00%]. O choque em proteínas, da ordem de 30%, é outro fator importante a impactar os preços. Os juros já começaram a se elevar, mas nada impedirá os efeitos desses choques na inflação nos próximos trimestres”.

Vejam a visão sobre política monetária, bem diversa de operadores e gestores de recursos: “O foco tem que ser no horizonte relevante. A política monetária é um exercício de paciência e persistência quando se está em terreno restritivo, como atualmente. Correr atrás da compensação dos choques apenas ampliará a volatilidade do PIB, indo na contramão do objetivo explícito no regime de metas pós autonomia do Banco Central. Não há qualquer razão que justifique acelerar a alta de juros, mesmo se o orçamento final for maior. Alongar o ciclo e esperar os efeitos faz muito mais sentido a partir do nível de juros reais em que nos encontramos”.

“A desancoragem das expectativas de inflação provavelmente seguirá, enquanto não houver sinais de estabilização do câmbio, desaceleração do PIB, entrega das promessas fiscais e alguma surpresa para baixo com o IPCA, algo que só deve ocorrer após a dissipação desses choques e do começo da estabilização do crescimento, por volta de meados do próximo ano. O cenário brasileiro tornou-se mais difícil, mas ainda é um exercício de persistência e entrega, especialmente do lado fiscal, mas também diante da perspectiva, amplamente conhecida, de que a política monetária opera com longas e variáveis defasagens”. Ou seja, é melhor a turma de aposta na escalada de juros baixar um pouco a bola. Mas tudo depende das decisões de Trump.

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