Por Coisas da Política

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COISAS DA POLÍTICA

Se a dama influi

Publicado em 10/12/2024 às 10:57

Alterado em 10/12/2024 às 10:57

Correm soltas, em Brasília, especulações sobre próxima reforma ministerial, da qual o presidente não terá como desvencilhar-se, porque já bate à porta a temporada de ano pré-eleitoral, e certos ajustes no time titular são quase uma imposição. Nada de excepcional nisso, pois qualquer governo, se é chegada essa hora, tem mesmo de reorganizar suas bases; o que importa, igualmente, na remoção dos entraves que desgastam e prejudicam a imagem, quando deviam dar brilho. Mas, desta vez, ao lado de várias expectativas, há um movimento, entre setores partidários que podem ser convidados a compor, para que se limite o discutido poder de influir e decidir, que tem sido atribuído à primeira-dama. Esse temor seria herança de ministros de hoje e agentes do segundo e terceiro escalões. Vivem achando que as interferências de dona Janja vão além do razoável. Há queixas. Previamente escaldados, os que vão chegar ou permanecer no primeiro escalão querem evitar que essa influência se cristalize, quando vier a anunciada reforma, inevitavelmente de orientação política.

A começa, considere-se que tais influências não se fazem nem prosperam por si sós. Se ela manda ou desmanda, é porque goza, acolitada, das boas graças do marido. Tem dele bênção e respaldo. Talvez, por isso, a responsabilidade seja mais dele; menos dela, que, por temperamento notório, alegremente impulsivo, vai ocupando espaços sem esbarrar em reservas. Nem sempre é possível contestá-la, quando são coisas mínimas. Por exemplo, ao interpelar o ministro da Agricultura, querendo medidas concretas para conter a exportação criminosa de exemplares da fauna do cerrado e da amazônia. Não apenas ela, mas qualquer cidadão deseja isso. O erro está é no endereçamento da sugestão, porque há outros órgãos competentes para isso.

No aconchego do casal, em noites de privacidade, as conversas sempre prosperam, qualquer primeira-dama tem ideias e sugestões para o marido. É difícil admitir que tome iniciativas que sejam flagrantemente contrárias ao que ele pensa. Mesmo da improbidade dos cartões de crédito o presidente fica sabendo, antes de madame ir ao shopping. Portanto, se constrangimento há, que sejam logo cobrados do presidente, que, até agora, não deu sinais de se incomodar com os descontentes.
Mulheres de estilo diferente outras houve. Reservadas, empenhadas em evitar dissabores políticos, procuraram, com discrição, limitar suas ações ao campo social, mesmo quando o marido era ditador, sem ter de dar maiores satisfações, como dona Darcy Vargas. Dona Sara, dona Ruth, dona Michelle tiveram o mesmo cuidado. Contribuíram com o governo, mas sob limites. E não é pouco o que qualquer uma pode fazer nessa área, num país de miséria persistente, sempre desafiando as estatísticas oficiais.

Normalmente foi o que se viu. Há um caso excepcional de mando feminino, quando, em 1946, a primeira-dama avançou vigorosamente nas decisões do governo. Carmela Leite Dutra, dona Santinha, mulher do manso presidente Eurico Dutra, ela mesma invocou princípios e tradições religiosas do Brasil, para determinar o banimento dos jogos de azar e o fechamento de todos os cassinos de estâncias e pontos turísticos. Poderosa, porque ainda prevalece sua decisão, oito décadas depois.

( Tobías Monteiro, em “História do Império – Primeiro Reinado”, narrando influências femininas em palácio, reserva um capítulo sombrio nas incursões de dona Domitila de Castro e Melo, futura Marquesa de Santos, a irrequieta namorada da Pedro I. Interferia demais, confundia alcova e mesa, prazer com poder, mando com desmando, pudor com despudor. Levou o imperador ao desprestígio e insanáveis dificuldades. Felizmente, tanto assim, nesse nível, a História não se repetiu).

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