COISAS DA POLÍTICA

O gato sai de casa; ratos fazem o diabo

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Publicado em 15/12/2024 às 07:43

Alterado em 15/12/2024 às 09:37

Braga Neto e Bolsonaro em Brasília Foto: Marcos Corrêa / Palácio do Planalto

O caro leitor se lembra da frase lapidar do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020? Foi quando o então presidente Jair Bolsonaro disse que mudaria as chefias da Polícia Federal e até o ministro (da Justiça, que era Sérgio Moro, e que se demitiu no dia seguinte – 23 de abril) para proteger a família e amigos. Salles conclamou o Ministério a aproveitar que “a imprensa está ocupada com a pandemia, para a gente abrir a porteira e deixar passar a boiada, de baciada”.

Pois esta semana, os bolsonaristas aproveitaram que o governo Lula ficou meio desorientado e abalado com a internação do presidente da República - Lula correu risco de vida na viagem de Brasília a São Paulo, para drenar um coágulo na nuca, sequela do tombo no banheiro do Alvorada em outubro - para deitar e rolar na aprovação de medidas radicais e reacionárias na Câmara dos Deputados, com retrocesso no Estatuto do Desarmamento. A última palavra será do Senado.

Em meio à correria para aprovar o projeto da Reforma Tributária, e medidas do Pacote Fiscal, houve “plantação” de “jabutis em cima de árvores”, com predomínio de medidas retrógadas do interesse das bancadas da bala (exclusão das armas do “Imposto do Pecado") e do agronegócio, e descarados subsídios como na regulamentação da energia eólica “off-shore”, que ganhou contraditória prorrogação de subsídios a carvão vegetal e a termoelétricas a gás, de 2028 para 2050. Como nas fábulas do reino animal, pode-se dizer que “bastou o gato sair de casa, para os ratos tomarem conta e fazerem o diabo”. Mas as “artes” não se voltam só contra o governo e Lula, que vai bem, obrigado (na avaliação da pesquisa da Quaest). Prejudicam os consumidores e a imensa maioria do país.

Ausência de Lula cria vácuo de Poder
A ausência do presidente Lula, por emergência médica, deixou claro que Luís Inácio Lula da Silva, como não podia deixar de ser, é o “expoente máximo” do governo Lula. Mas o fato é que pela emergência, um procedimento que se esperava breve e pode demorar mais que o imaginado, pegou o governo despreparado. Talvez, receoso, face aos planos sinistros que envolviam seu sequestro e envenenamento no fim da 2022 e que resultaram nos atos violentos contra as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, Lula não fez a transferência do poder para o vice Geraldo Alckmin – com mandato para negociar com o Congresso nesta semana crucial - e muito menos escalou um porta-voz para acompanhar os boletins médicos e organizar as entrevistas dos médicos que atendem o presidente no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. A primeira-dama, Janja da Silva, fazia o papel informal de porta-voz. Por coincidência, antes de ser internado, Lula tinha decidido trocar o ministro da Comunicação do governo, Paulo Pimenta, mas não deu tempo de sacramentar a nova estrutura. Ficou um grande vácuo na comunicação oficial.

Uma onda de boatos, no mesmo esquema de robotização de mensagens, usados pelos transmissores de “fake News” que alimentaram os preparativos para o golpe, varreu o país nesta semana. Desde “Lula teve morte cerebral” a “Lula já era em 2026”. O próprio, tão logo deixou a UTI na tarde de sexta-feira, apareceu andando, lépido e fagueiro, ao lado do médico, para mostrar vigor. Ótimo, presidente. Mas, para calar os críticos e chegar bem em 2026, siga o repouso e trate de reduzir o ritmo de trabalho neste fim de ano.

O susto começou na tarde de segunda-feira, 9 de dezembro, quando Lula sentiu forte dor de cabeça enquanto debatia, com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o pacote fiscal e outras medidas que o Congresso precisa aprovar até o recesso em 20 de dezembro, como a proposta de Orçamento Geral da União e a aprovação de três diretores do Banco Central, no Senado.

Fazenda enxuga gelo
Houve impactos especulativos nos mercados de dólar e juros futuro e na B3, que caiu fortemente face ao cenário de juros elevados para 2025, anunciado quarta-feira, 11 de dezembro, pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central e desenhado para 2025. A escalada de juros da Selic prevista até 15% ao ano – motivo da derrubada do mercado de ações -, deve transferir rendas para as faixas mais ricas da sociedade e o sistema financeiro em volume muito acima da economia prevista no pacote de reforço do Arcabouço Fiscal.

Nos planos do governo, os cortes e clivagens nos programas sociais e o aumento do IR para quem tiver renda mensal acima de R$ 50 mil, a partir de 2026, economizaria R$ 72 bilhões em 2025 e 2026. Mas, ao analisar o pacote, o Itaú vê chances de serem implementadas medidas no montante de só R$ 56 bilhões (R$ 24 bilhões em 2025 e R$ 34 bilhões em 2026). Ocorre que, segundo o Banco Central, cada aumento de um ponto na taxa Selic onera em R$ 55 bilhões, ao fim de 12 meses, os custos da dívida pública. Como o aumento previsto é de quatro pontos, somaria R$ 220 bilhões, três vezes além do previsto e quase quatro vezes o estimado pelo Itaú. Com o aumento de juros, o Pacote Fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Hadad, (virtual herdeiro político de Lula) vai enxugar gelo. Salvo se arrecadar muito IR dos rentistas.

Isso explica o vai e vem das cotações do dólar – o mercado está cético quando a nova baixa de juros nos Estados Unidos pelo Federal Reserve, no próximo dia 18, pois deve esperar a posse de Donald Trump, em 20 de janeiro, para atuar em cima de suas medidas protecionistas. Na tarde de sexta-feira, 13 de dezembro, quando se anunciou que Lula deixaria a UTI, pela melhora do quadro clínico, a maior parte do país respirou um pouco mais aliviado. Mas o dólar voltou a subir mais de 1%, mesmo com fortes intervenções do BC vendendo contratos de câmbio (o que deve ser mais comum daqui para a frente). Mesmo assim, a semana terminou com o real acumulando alta de 0,79% frente à moeda norte americana, em queda ante as principais moedas.

Cerco se fecha aos cabeças do golpe
A tese da anistia sofreu mais um revés com a decisão de 9 x 1 do Supremo Tribunal Federal de desconsiderar o pedido da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro que pedia o impedimento de Alexandre de Moraes à frente do inquérito das “fake News” que levaram ao incitamento do fracassado golpe contra a eleição e posse de Lula. O placar não foi 11 X 0 porque, nessa ação, Moraes se declarou impedido e o voto solitário, que pôs fé na canhestra tese da defesa, foi do terrivelmente evangélico ministro André Mendonça. Até Nunes Marques, também nomeado por Bolsonaro, reconheceu que a trama para matar Moraes se devia ao fato de ele ser ministro do STF e presidir – em regime de rodízio, que porá Marques como substituto da ministra Carmem Lúcia em 2026 – não era propriamente dirigida à pessoa física, mas ao ocupante do cargo.

E o cerco se fechou mais ainda sobre os mentores e articuladores do golpe com a prisão na manhã desse sábado (14), pela Polícia Federal, do ex-candidato a vice na chapa derrotada de Jair Bolsonaro, o general Walter Braga Netto, que foi ministro da Defesa e chefe da Casa Civil antes de deixar o governo para concorrer às eleições de outubro de 2022. As provas e as acusações são pesadas. A cada pena que a PF levanta, não sai uma galinha, mas um aviário.

E por falar em cerco, ou em crime e castigo, em matéria de rapidez a Coreia do Sul está dando um exemplo ao mundo. Onze dias depois de o presidente do país surpreender a nação, em 3 de dezembro, com um decreto de Lei Marcial, que foi rejeitado pelo Parlamento, motivo que levou Yoon Suk-yeol a voltar atrás e à queda do ministro da Defesa, fiador e inspirador do golpe, a Câmara de representantes da Coreia do Sul destituiu o presidente, nesse sábado, e aceitou a instauração do processo de “impeachment”: dos 300 deputados da Câmara, 204 votaram a favor do “impeachment” de Yoon por insurreição, e 85 votaram contra. O ex-presidente tem 180 dias para tentar anular o afastamento, que será definitivo, se a decisão for mantida.

Síria no xadrez da energia

A queda do regime de Bashar al-Assad deve mudar o xadrez da energia no Oriente Médio. Ele foi mantido no poder a ferro e fogo pela Rússia de Vladimir Putin, que o ajudou a superar a desestabilização geral da “Primavera Árabe”, de 2011, quando a aviação russa bombardeou as cidadelas do então Estado Islâmico, arrasando várias regiões do país. A guerra interrompeu os planos de Irã e Catar, que são concorrentes, para atravessar o território sírio com gasodutos que levassem até o sul da Europa (Bulgária), através da Turquia, o gás iraniano ou o gás catari. Putin entrou na guerra para sustentar Bashar al-Assad, como forma de manter a Europa do Norte, em especial a Alemanha, como dependente cativa do gás russo.

Mas a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, para garantir a passagem estratégica de sua frota naval pelo Mar Negro, rumo ao Mediterrâneo e ao Sudeste Asiático, via Canal de Suez, mudou totalmente a geopolítica nos últimos quatro anos. Acossada pelas retaliações da OTAN, que acolheu Suécia e Finlândia, dois países que deixaram a neutralidade que permitia a livre saída da frota russa para o Mar do Norte, a Rússia ainda sofreu o boicote dos aliados europeus da OTAN, que suspenderam a compra de gás. O vácuo foi aproveitado pelos Estados Unidos, com a venda na Europa de gás natural liquefeito, e pela Noruega, com venda de gás natural.

Entretanto, quando se trata de problemas geopolíticos no Oriente Médio, nunca se pode desconsiderar a conexão entre os movimentos políticos e alianças dos principais países da região com os negócios do petróleo&gás, as maiores fontes de receitas dos Estados da região. Durante 12 anos, a Rússia suportou ferozmente as reações da Síria a seus inimigos. Mas os esforços nos embates com a Ucrânia privaram Putin de receitas europeias para o gás e de capacidade bélica para dar suporte militar ao regime de Bashar al-Assad.

O resultado é que na sexta-feira o líder do grupo jihadista Hayet Tahrir al-Sham (HTS), Ahmed al-Sharaa, antes conhecido como Abu Mohammed al-Jawlani, que tomou o poder, sem maiores resistências do antigo regime, com apoio velado da Turquia de Recep Erdogan, pediu ao povo sírio que não comemorasse as orações semanais com os habituais tiros para o alto do Estado Islâmico. Se isso marca o sinal de uma nova era de paz, não se sabe.

Mas, parece indicar que, sem a resistência direta da Rússia, que queria ter o virtual monopólio do mercado consumidor de gás da Europa, e o apoio da Turquia, podem ser novamente reabertas as duas propostas que entraram em conflito no já distante ano de 2009, quando Bashar al-Assad fazia um leilão entre Irã e Catar para ver quem daria mais (em termos de “royalties”) para cruzar o país com oleodutos e gasodutos para abastecer o Sul da Europa. A “Primavera Árabe, de 2011, desestabilizou todos os governos autocratas da região, e levou a Rússia, que queria garantir o escoamento de seu gás à Alemanha e ao Norte da Europa, a bancar a Síria, mesmo que à custa de limpeza étnica, para impedir a concorrência tanto do gás do Irã quanto do Catar – o maior produtor do mundo – que estava associado à Arábia Saudita, à Jordânia e à Turquia, a partir de onde o gás e o petróleo chegariam ao Ocidente (com apoio velado dos Estados Unidos). Já o Irã, pretendia construir, junto com o Iraque, oleoduto e gasoduto para levar óleo e gás até o Mediterrâneo cruzando a Síria, com suporte da Rússia.

O Catar, Irã, Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos (EAU), o Iraque e o Kuwait formam um conjunto de países com as maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo. O gás é um insumo muito importante na transição energética, por ser menos poluente. É nesta região do Golfo Pérsico que surgiu a tensa relação entre os países árabes sunitas – EAU, Kuwait, Bahrein, e o Egito, liderados pela Arábia Saudita, e com apoio dos EUA. Houve até acusações ao Catar de ligações graves ao terrorismo pelos xiitas. Não por acaso, Arábia Saudita e Catar, ao lado do Egito, atuaram, recentemente, como intermediários, ao lado dos EUA, para tentar avançar o cessar fogo entre o Hamas e o Hezbollah, ambos apoiados pelo Irã, contra Israel. Os xiitas são liderados pelo Irã e se espalham pelo Iraque, Iêmen e Eritreia. Os dois últimos funcionam como bastiões para filtrar o tráfego de petroleiros e navios gaseiros (outra forma de exportação do gás local) à Ásia, o que, além dos riscos de ataques piratas, aumenta os custos de transporte frente à segurança de oleodutos e gasodutos.

As peças do tabuleiro do xadrez geopolítico do petróleo e gás do Oriente Médio se moveram. Mas não se pode esquecer que, a partir de 20 de janeiro, entra em cena um poderoso jogador: o novo presidente dos Estados Unidos. Donald Trump vem com promessas e apetite para proteger e incentivar os produtores de gás no território dos EUA, que se tornaram um dos maiores exportadores para a Europa quando o abastecimento dos dois gasodutos russos foi cortado. Numa prova do pragmatismo da geopolítica do O&G, os russos logo se deslocaram para atender a China e a Índia com a construção de gasodutos.

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