Por Coisas da Política
WILSON CID - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Os diferentes Brasis
Publicado em 17/12/2024 às 07:57
Alterado em 17/12/2024 às 08:00
Exatos noventa anos da morte, no Rio de Janeiro, do ministro Pandiá Calógeras (1870-1934) talvez devessem ser exumadas, para uma reflexão atualizada, as anotações que deixou sobre as experiências vividas em sua movimentada carreira política. Entre êxitos e derrotas, sobressaiu-se a convicção de que temos dois Brasis. Como lei fundamental, um certo paralelismo entre o que é legal e o factual. Coisas totalmente diferentes, o fato e a lei, já dizia ele, nos tempos do presidente Epitácio. E concluiu, com certo ceticismo, que temos aqui um país desejável; e outro, o Brasil real.
Os dias que correm não parecem muito diferentes daquele antigo país dos começos do século passado, quando, em caso único, ele foi ministro civil no Ministério da Guerra, Há, hoje, coisas que acontecem com assombro. O irreal, não raro, impondo-se; coisas inexplicáveis em si mesmas ou pela maluquice dos que tentam, em vão, explicá-las. Parem o Brasil, que eu quero descer, bradou o cancioneiro popular. Vivesse hoje, Pandiá talvez pedisse o mesmo.
(Esquisitices não faltam. Como o caso do tribunal de Justiça definindo arma de criminoso como instrumento de trabalho; deputados protestando, por terem de mostrar onde aplicam o dinheiro de suas emendas secretas; mulheres de governadores premiadas, compulsoriamente, com cadeiras nos tribunais de contas; STF passando por cima da lei e da decência, para perdoar dívidas monumentais reclamadas pela União; criminosos ferrenhos e reincidentes rapidamente liberados nas benevolentes audiências de custódia; cartões de crédito palacianos garantidos pelo esconderijo; traficantes e milicianos pagando contas familiares de policiais).
Avulta e assusta, igualmente gravíssima, a denúncia de tentativa de golpe abortada, com quatro dezenas de pessoas supostamente envolvidas, alguns militares a quem o governo havia confiado, há poucos dias, a segurança pessoal de estadistas visitantes. Mas o que se tem prometido é que uma apuração conclusiva dos fatos vai ficar para fevereiro… Ora, se as instituições andaram ou andam tão próximo do abalo, coisa seriíssima, por que tanta demora para se dar a explicação definitiva? E como aceitar a agressão à ordem jurídica em que um único ministro, suposta vítima de atentado fatal, ele mesmo diligencia, apura, acusa e antecipa condenação. No Tribunal maior, só o ministro Alexandre fala e age, como se o assunto fosse totalmente desimportante para os demais.
Ao caso, de tão grave, cabe celeridade, porque manter um quadro de grandes dúvidas e responsabilidade difusas, seria acender labaredas em ano pré-eleitoral, o que nada teria de inovador. Pandiá sabia disso.
2 – Numa excitação comum em fim de ano, agentes financeiros criaram a ciranda de especulações em torno dos desdobramentos e consequências políticas da internação hospitalar do presidente da República, e apregoaram, apenas com base em um sangramento na cabeça do paciente, que a economia balança perigosa, vítima do dólar especulativo. Houve recordes em bolsas. Se muitos perderam, outros ganharam, como se vê em qualquer clima de instabilidade. E o real, por lealdade ao presidente, também se enfiou na UTI do Sírio e Libanês, de onde, afinal, ambos saíram, a moeda e o presidente, sem maiores sequelas, e sem que a economia fosse pior do que já estava.
O que o mercado tem de considerar é que não pode ser espécie de maria vai com as outras, acessível a boatos e instabilidades artificiais. Faz bem à economia é preocupar-se com enfermidades mais sérias, não quedas acidentais, dessas que fazem galo na cabeça…
Algo a reclamar contribuição séria dos especialistas da área é nossa persistente dificuldade em melhorar as condições da população desempregada ou subempregada. Imensa multidão alijada do mercado; milhões expulsos do consumo de utilidades e serviços mínimos. Dessa crueldade, sim, deviam cuidar os administradores de dólares oportunistas, que, robustos ou raquíticos, sobem e descem, de carona nos boletins médicos sobre a saúde do presidente.
(De outro lado, na mesma linha de preocupações, é preciso olhar a quem as pesquisas do mercado financeiro querem servir. Muitas vezes, confundidas com boatos em momentos de tensão, vestem-se de biquini: mostram muito, mas não o essencial).
Para reclamar cuidados no tratamento com os números, figuram os recentes demonstrativos sobre a queda do índice de desemprego, que teria chegado a 7,3 milhões, um festejado recorde. Mas o generoso IBGE não conta, não nos diz que 37 milhões de brasileiros vivem debaixo do socorro do Bolsa Família, são desempregados acomodados, o que é uma humilhação para quem doa e quem recebe. Bolsa Família é o endereço desses que também estão sem ocupação. O governo não é empregador, nada mais que um prestador de socorro emergencial.
Estatísticas e especulação com moedas precisam se livrar de números falaciosos e servis, mas revelar as realidades da economia e do mercado.