Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Muito barulho por nada? Muito ganho especulativo
Publicado em 22/12/2024 às 08:03
Alterado em 22/12/2024 às 08:28
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Em meus 52 anos de cobertura da Economia brasileira, centrada principalmente no mercado financeiro, me dá uma tristeza de ver como os colegas jornalistas mais jovens (e menos experientes) se deixam levar tanto pelo jogo da chantagem política do Congresso (Câmara dos Deputados e Senado) contra o Executivo, quanto pelas armações dos agentes financeiros que montam posições nos mercados futuros (de ações, moedas e juros) para explorar as supostas fragilidades do governo em aprovar medidas de reforço do Arcabouço Fiscal. Shakespeare já escreveu uma tragicomédia chamada “Muito Barulho por Nada”, tratando de supostas infidelidades. No final, tudo se esclarece e o casal que quase rompe o noivado pela suposta traição, se casa e é muito feliz. No mundo político e na alta finança, intrigas e visões pessimistas nem sempre são inocentes. Quem está consciente da manipulação ganha muito dinheiro, como ocorreu no recente episódio de escalada do dólar.
Se voltarmos no tempo, veremos que na quarta-feira, 27 de novembro, houve uma exploração exagerada do vazamento da suposta intenção do governo de antecipar para 2025 a isenção de IR na fonte para quem ganha até R$ 5 mil. Essa era apenas uma parte do pacote fiscal – esse sim voltado para gerar economia de gastos em 2025 e 2026; o IR ficaria para 2026. Mas foi explorado como se o pacote fosse gastador. Como isso aliviaria o bolso das camadas mais pobres (de dois a quatro salários-mínimos), o mercado financeiro, por seus operadores que já apostavam contra o real (dia 29, sexta-feira era o último dia para definir a cotação do dólar nos contratos de dólar futuro a serem liquidados na B3 na segunda-feira, 2 de dezembro) tratou de explorar esse viés expansionista no lado das receitas, sem destacar que o alívio dos mais pobres (promessa de campanha de Lula) seria compensado com maior tributação (alíquota de 10% sobre os lucros de juros, renda e ações que exceder os R$ 50 mil mensais). Seria uma tributação ao estilo Robin Hood: atingiria cerca de 100 mil ricos e super ricos para aliviar as camadas de menor renda – até aqui isentas em R$ 2.454 e com tributação menor até R$ 4.800. Com o novo mínimo, o teto de R$ 5 mil para isenção quase seria alcançado naturalmente.
Mas o que importava era bombardear o arcabouço das medidas do pacote fiscal. Para piorar, houve o agravamento do estado de saúde do presidente Lula, que viajou às pressas para São Paulo, dia 9, segunda-feira, com sangramento da cirurgia na nuca, resultante do tombo no banheiro do Palácio da Alvorada em outubro. Operado no Hospital Sírio-Libanês, Lula foi alvo de boatos que insuflaram tacadas nos negócios no mercado financeiro. Tudo resolvido, após cinco dias de internação em UTI, para total monitoramento, o presidente voltou a Brasília na quinta-feira, 19 de dezembro, e reuniu todos os ministros para um almoço de fim de ano no Palácio do Alvorada, ainda com chapéu para evitar fotos da cirurgia na cabeça.
Dólar na montanha-russa
Vale destacar que quando surgiu a notícia do problema médico do presidente (na pressa, na suposição de coisa ligeira, não houve transmissão do cargo ao vice, Geraldo Alckmin), o dólar estava cotado na tarde de 9 de dezembro a R$ 6,0788. As cotações dispararam nos dias posteriores e não pararam de subir nem quando o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decidiu, na quarta-feira, 11 de dezembro, por unanimidade, elevar a taxa Selic de 0,50% para 1,00% (acima dos 0,75% esperado por boa parte do mercado), que é o piso do mercado financeiro, para 12,25% ao ano, e anunciou mais duas altas idênticas, em 29 de janeiro e 19 de março, quando a Selic atingiria 14,25%.
Entretanto, como o Banco Central dos Estados Unidos só mostraria suas cartas em 18 de dezembro, de forma cautelosa, esperando para agir depois das medidas protecionistas e de deportação de mão de obra do governo Trump (a partir de 20 de janeiro, que geram inflação), e o Congresso fazia corpo mole para votar as medidas fiscais do governo, buscando antes a liberação de verbas orçamentárias cuja transparência foi exigida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), começou a circular a versão no mercado de que o pacote fiscal, que previa poupar R$ 35 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026, seria “desidratado” no Congresso.
Foi o clima perfeito para o dólar alcançar o recorde de R$ 6,3144 na metade dos negócios do dia 18, quando fechou o dia em R$ 6,2896, com alta recorde de 3,03%. Mas acontece que o Banco Central, com o horizonte próximo definido pelo Federal Reserve Bank, resolveu agir pesado contra parte do mercado, que se valia da escassez de dólar na praça para atender as remessas de lucros e dividendos das filiais para as matrizes no exterior, em dezembro, e as pressões por moeda estrangeira para turismo internacional, para especular contra o real. Ora, o Banco Central, com reservas de US$ 370 bilhões, quando entra no mercado é para valer, para normalizar os negócios. Após vendas de US$ 36 bilhões na quinta (quando o dólar caiu 2,18%) e sexta-feira, as cotações fecharam o dia 20 em R$ 6,0865 (queda de 1,07%), praticamente voltando aos níveis de 9 de dezembro (R$ 6,0788).
Engana-se quem conclui que, apesar da montanha russa, as cotações quase voltaram ao ponto de partida. Nas oscilações intradia, operadores ganharam milhões e até bilhões no total. Resta saber se, com os juros mais altos (um custo extra para carregar posição em diversos mercados), há quem tenha disposição de apostar contra a banca. Ou seja, contra o Banco Central, que entrou no jogo com amparo fiscal.
E se olharmos bem o que foi aprovado, enfim, pelo Congresso (embora tenha ficado pendente o Orçamento Geral da União - OGU de 2025 – adiado para a volta dos trabalhos legislativos em 1º de fevereiro, o que vai forçar a contenção de gastos). O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, com tranquilidade, que faltou pouco mais de R$ 1 bilhão ante o planejado, e não R$ 20 bilhões, como estimam consultores como o ex-ministro Maílson da Nobrega. Isso deixa o governo pronto a buscar novas fontes de equilíbrio fiscal, se necessário. Os dados de 2024 estão dentro do previsto, diz o Banco Central.
Muito barulho por nada. Mas é preciso deixar claro que o Congresso jogou sujo. Fez uma tremenda chantagem contra o governo Lula para forçá-lo a pressionar o STF a liberar as emendas parlamentares no OGU (que somam mais de R$ 60 bilhões, ou seja, mais do que o quinhão livre para investimentos do Executivo), não aceitou emagrecer as obesas e discutíveis – pela eficácia em prol da coisa pública – emendas parlamentares (“farinha pouca, meu pirão primeiro”), e ainda bloqueou medidas de equidade salarial, como a limitação dos supersalários que atingiriam o Judiciário, o Legislativo e setores especiais do funcionalismo público, incluindo as aposentadorias de militares.
Do Febeapá ao festival de esTrumpidez
Se o saudoso Sérgio Porto estivesse vivo, seu álter ego Stanislaw Ponte Preta estaria fazendo a 60ª edição do Febeapá. Para os mais jovens, trata-se da coletânea do “Festival de Besteiras que Assola o País”, com algumas pérolas selecionadas de atos e atitudes ridículas do regime militar que infelicitou o país por 21 anos. Ao ser colhido por um infarto aos 45 anos, em 30 de setembro de 1968, Sérgio Porto foi poupado de enfrentar a dura realidade trazida pelo AI-5, de 13 de dezembro de 1968. Apesar da riqueza de fatos, a censura não deixaria sair uma nova edição do Febeapá.
Mas, em tempos de globalização e circulação instantânea de notícias e “fake News”, Sérgio Porto teria um campo imenso com o futuro reocupante da Casa Branca. As mentiras e delirantes “fatos alternativos”, como Donald Trump costuma chamar as mentiras que propaga – bem ao estilo Goebbels (“uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”), ajudaram a sua eleição, como a versão escandalosa de que imigrantes haitianos estavam comendo gatos e cachorros na Pensilvânia (antes mesmo da eleição, a dona de um gato sumido, que deu origem à acusação contra os negros haitianos, encontrou finalmente o gato escondido no porão de sua casa).
Mas a última de Trump, que está rasgando os termos do Tratado de Livre Comércio da Aliança das Américas (Alca, que reúne Estados Unidos, Canadá e México em acordos tarifários – para proteger a obsoleta indústria americana, com aumentos gerais de tarifas para atingir os chineses, mas que não poupa os parceiros ao Norte e ao Sul, foi espalhar a ideia de “incorporar o Canadá como o 51º estado norte-americano”; por que não pensou o mesmo com o México?
Na verdade, a indústria americana e as de outros países deixaram de investir para ficarem competitivas. As matrizes acharam, na virada do século, que iam produzir barato na China, com mão-de-obra de baixo custo, impostos e juros idem, para vender no mundo. Foram vítimas da própria esperteza. Isso incluiu o próprio bilionário Elon Musk, que transferiu a Tesla da Califórnia para a China. Mas os chineses aprenderam, copiaram, aperfeiçoaram e hoje fazem melhor que os americanos. E que japoneses, alemães, italianos, ingleses, franceses e todos que acharam que iam dar o pulo do gato. Aquele gato simpático que acena em muitos restaurantes chineses.
Musk, que já apoiou Obama, se agarrou a Trump em busca do protecionismo americano, e espera ganhar subsídios para produzir carros no Texas. Nada diferente (ainda que em escala estratosférica, onde circulam os foguetes e satélites da SpaceX) dos empresários brasileiros que usam “lobbies” no Congresso para conquistar proteção e subsídios em seus projetos país afora, sobretudo na Zona Franca de Manaus, cujos subsídios foram prorrogados e reforçados na aprovação da Reforma Tributária.
As medidas protecionistas de Trump vão mexer com a economia de todo o mundo. As alterações no câmbio de vários países no 2º semestre do ano, quando ficou mais nítida a chance de vitória de Donald Trump – a troca de Joe Biden pela vice Kamala Harris animou os democratas, mas não impediu a vitória esmagadora do republicano -, não atingiram só o Brasil e não se prendem apenas às desconfianças do ajuste fiscal – prejudicado pelo violento aumento dos juros para debelar pressões inflacionárias do câmbio, que onera a dívida interna e afeta o PIB e a arrecadação, agravando a relação dívida/PIB.
Quando um país se vê ameaçado por barreiras tarifárias às suas exportações, uma das saídas é desvalorizar a própria moeda para tornar seus produtos mais acessíveis. Isso gera inflação no país que eleva as barreiras (EUA) e nos países onde a escalada da moeda afeta os preços dos produtos exportáveis e importados. O “ranking” do desempenho de uma cesta de moedas ante o dólar nos últimos 12 meses mostra uma perda de 5,28% do euro frente ao dólar, uma perda de 1,03% da libra esterlina, uma desvalorização de 8,93% do iene japonês e alta de 4,38% do dólar frente ao forte franco suíço. O dólar canadense teve queda de 7,63%, numa prova de que nem as economias mais fortes ficaram a salvo da mexida no tabuleiro por Tio Sam, que ignora solenemente as regras da Organização Mundial do Comércio.
Entre os emergentes, a Argentina de Javier Milei puxa as perdas nos últimos 12 meses, com desvalorização de 27,00%, superando os 20,41% de perda da lira turca e os 20,16% do real ante o dólar. O peso mexicano teve queda de 18,17%, e o dólar australiano perdeu 8,07%. E a moeda chinesa? Apesar de ser uma economia fechada (comparada aos demais países) e altamente protegida no câmbio pelo Banco do Povo, o yuane teve queda de 2,31% nos últimos 12 meses. Ainda muito pouco para compensar as barreiras de até 25% ameaçadas por Trump.