Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Cabe ‘teje preso’ a Lira por desacato ao STF?
Publicado em 29/12/2024 às 07:58
Alterado em 29/12/2024 às 08:07
Caro leitor, espero que você também esteja indignado com essa tragicomédia de “gato e rato” entre as cobranças do ministro Flávio Dino, relator, em nome do Supremo Tribunal Federal, do caso de questionamento e exigência de transparência nas bilionárias emendas parlamentares ao Orçamento Geral da União (OGU), conduzidas pelo Poder Executivo. Só nas emendas cujas liberações estão a cargo de diversos ministérios, ficaram retidas R$ 4,2 bilhões, por determinação de Dino. O montante geral manuseado por deputados e senadores passa dos R$ 60 bilhões.
O que Dino exigiu, em nome do STF, é mais ou menos o que o Banco Central e a Receita Federal (Ministério da Fazenda, que controla o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf) exigem da pessoa física ou pessoa jurídica que transfere dinheiro (em PIX, TED, DOC ou depósito) para outro titular: a identidade fiscal das duas pontas e a finalidade da operação. No caso das emendas, supostamente para prefeituras dos estados dos parlamentares, o que Dino fez foi exigir o nome do autor da emenda e o que será feito com o dinheiro. No caso das emendas de comissão, um pouco mais de detalhes, sobre a forma como foi aprovada.
Em todas as ocasiões, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tergiversou à vontade, sem apresentar os requisitos exigidos pelo STF através do ministro Flávio Dino. Vale destacar que no meio do embrulho de R$ 4,2 bilhões a ser despachado entre Natal e Ano Novo (o Orçamento de 2024 precisa ter o empenho ainda no ano-fiscal) havia um contrabando suspeito de R$ 180 milhões sem identificação, dos quais R$ 76 milhões, ou 43%, se destinavam ao estado de Alagoas, reduto eleitoral do presidente da Câmara.
Quando Flávio Dino, o diligente ex-juiz de direito e ex-governador por duas vezes, do Maranhão, eleito senador (licenciado para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública do terceiro governo Lula – cargo em que foi fundamental no enfrentamento dos golpistas do 8 de janeiro de 2023), pediu mais transparência às emendas da Câmara ao OGU, foi porque teve conhecimento de casos escabrosos em seu Maranhão, que se repetem pelo país afora.
Tudo porque o ex-presidente Jair Bolsonaro, para não ser incomodado pela Câmara, delegou um quinhão importante do Orçamento para os senhores deputados e senadores surfarem politicamente pilotando emendas do Executivo como se fossem os donos do dinheiro, e assim passam a ser reverenciados em seus redutos eleitorais. Lira comandou a festa e foi reeleito por isso, com votação recorde. Ora, caro leitor, o dinheiro da União (do OGU) é o seu, o meu, o nosso dinheiro amealhado diariamente em impostos e taxas que engordam o caixa do Tesouro.
Se fosse uma audiência normal de um juiz de Comarca com um cidadão que estava devendo pensão alimentícia à família, o eterno juiz Flávio Dino, daria um “teje preso” de imediato. Com tantos desrespeitos às determinações do STF, não cabia um “teje preso” ao deputado Arthur Lira, que ainda foi tentar pressionar o presidente Lula a interferir na decisão do STF?
A economia vai bem, obrigado
O ano está terminando com o menor índice de desemprego da história (6,1%). O PIB deve registrar crescimento de 3,6% e, apesar das pressões altistas deste último trimestre (1,51% no IPCA-15 de outubro a novembro), a inflação oficial deve terminar o ano em 4,7%. Ela vai estourar o teto da meta do Banco Central (3,00%+1,50%=4.50%), por culpa da escalada do dólar e da estiagem - e dos incêndios que atingiram o Sudeste e o Centro-Oeste e se somaram para pressionar os preços de alimentos e dos artigos transacionáveis com o exterior.
Em outras palavras, a inflação saiu dos trilhos por culpa de questões climáticas que já tinham reduzido a produção das lavouras de soja e milho e facilitaram a especulação com os preços da carne. No ano, as carnes já subiram 20%, em média. Foram superadas pelo aumento de 20,5% no óleo de soja (bem menos que os 103% de 2020, no governo Bolsonaro, quando o “liberou geral” fez o país ter de importar soja em grão para esmagar e fazer óleo de soja, em setembro daquele ano, assim como importar arroz e leite em pó). Agora, além das carnes, o leite longa vida subiu 21%. Mas o que tornou o café da manhã indigesto foi a alta de 34,7% no café.
E o caro leitor talvez não imagine que a causa foi igualmente climática. Uma seca no distante Sudeste asiático derrubou a produção de café do Vietnã e da Indonésia. Não, caro leitor, não estou de ressaca do Natal – nem pretendo extrapolar no Ano Novo. É que o Vietnã é o 2º produtor de café do mundo (o 1º na variedade conilon, ou robusta, muito usado na indústria de torrefação de todo o mundo para misturar com o café arábica do Brasil e da Colômbia). O Brasil também produz conilon no Espírito Santo e na Amazônia.
Tanto a alta dos alimentos, por questões climáticas, como o dólar, são fatores que afetam os preços e contra os quais o uso da alta de juros não tem muito efeito, além de onerar famílias e empresas e a própria dívida do governo.
O dólar sobe em todo o mundo em decorrência das ameaças de Donald Trump de taxar em 25% as exportações do Canadá e México, parceiros da Alca, e aplicar 25% + 10% em cima dos produtos “made in China”. Para fazer o MAGA, Trump já antecipou uma avalanche nas taxas de câmbio do mundo todo.
O real e o peso argentino (como irmãos siameses) viram o dólar disparar mais de 27% nos últimos 12 meses. O dólar subiu 20% contra o peso mexicano, 9,5% contra o dólar canadense e 11,62% contra o iene japonês. O governo da China tenta proteger o yuane, mas os mercados globais não comportam uma “muralha da China” e o dólar já subiu 2,9% em 12 meses. Ainda muito pouco para o choque de tarifas de Trump.
O Federal Reserve Bank sabe que a medida de Trump para devolver competitividade à economia americana (é sempre bom repisar, as matrizes americanas, da Europa e do Japão transferiram fábricas para a China na intenção de produzir mais barato com o baixo custo da mão de obra, impostos e juros chineses) vai atiçar a inflação e impedir a queda dos juros (o que também valoriza o dólar no mundo). Entre os empresários que foram fazer “negócios da China” estava Elon Musk, que transferiu a Tesla da Califórnia para a China para produzir carros elétricos. Só que os chineses aprenderam, copiaram e fizeram melhor, com fábricas altamente robotizadas, e agora Musk se agarra ao protecionismo e aos subsídios de Trump para trazer a Tesla para o Texas...
O Banco Central não podia ficar impassível com a escalada do dólar, e aprumou os juros. Já avisou que vão até 14,25% em 19 de março, mas podem passar de 15% ao longo do ano. A esperança é que as chuvas que já garantiram boas safras de soja e milho e recuperaram as pastagens desacelerem os preços dos alimentos até maio, abrindo bons sinais. Juros altos travam a economia e reservam más notícias para o ano eleitoral de 2026: o Bradesco, que prevê alta de 3,6% do PIB este ano e 2,1% em 2025 está projetando crescimento de apenas 1% da economia em 2026.
O fiasco da iniciativa privada
Criada em 2010, depois da descoberta do pré-sal em 2006, com planos de financiar a fabricação das sondas que seriam usadas pela Petrobras para explorar o pré-sal, a aventura da Sete Brasil acabou de vez, com a homologação de sua falência nas vésperas do Natal. A empresa estava há oito anos em processo de recuperação judicial. Deveria ter terminado em novembro de 2020, mas foi prorrogado por mais quatro anos. A Sete Brasil foi a pique devendo R$ 36 bilhões, praticamente sem entregar qualquer uma das quase duas dezenas de sondas que deveria encomendar aos estaleiros nacionais para alugar à Petrobras para explorar o pré-sal.
No Brasil é comum se atribuir os grandes fracassos às iniciativas do governo. Mas a Sete Brasil é a prova de que a incompetência não é exclusiva do DNA estatal.
Quando a Petrobras descobriu os depósitos gigantescos de petróleo e gás do pré-sal na Bacia de Santos, em 2006 (depois, descobriu-se reservas gigantes perfurando mais fundo o pós-sal na Bacia de Campos), o petróleo caminhava para estar hoje na faixa acima de US$ 300 o barril. Vislumbrou-se uma enorme oportunidade para a indústria nacional participar das encomendas em série de navios plataformas FPSO (plataforma flutuante que processa o petróleo e gás, separando água e óleo e estocando ambos até a transferência para navios aliviadores ou dutos).
Acontece que em agosto-setembro de 2008 ocorreu uma das maiores crises do capitalismo financeiro neste milênio, com a falência do Lemann Brothers, principal vítima do estouro da crise financeira do sub-prime de hipotecas (um imóvel podia ser hipotecado mais de duas vezes nas terras de “Tio Sam”). O efeito imediato foi uma queda monumental nos preços do petróleo, que inviabilizou vários dos projetos megalomaníacos da Petrobras. A relação dívida/faturamento da estatal (como das demais companhias de petróleo) explodiu.
Coube ao engenho do celebrado banqueiro André Esteves, que aproveitou a quase quebra do suíço UBS na crise de 2008 para recomprar o Banco Pactual de Investimentos, no começo de 2009, e rebatizá-lo de BTG-Pacual (Better Than Goldman, ou seja, pretendia ser melhor que o Goldman Sachs), bolar uma empresa que reunisse grandes bancos financiadores e investidores de longo prazo, no caso os fundos de pensão para atuar como uma espécie de “caixa 2” da Petrobras nas encomendas aos estaleiros e posterior arrendamento à estatal.
A Sete Brasil nasceu sob a liderança do BTG-Pactual e a parceria dos bancos Bradesco e Santander. No final do segundo governo Lula não foi difícil, com a economia crescendo 7,5% (o repique da grande recessão de 2009) e 80% de popularidade, ‘convencer’ os dirigentes dos fundos de pensão de servidores federais como Funcef, Previ e Petros a embarcar na Sete Brasil.
Poucos anos depois, sem entrega de nenhuma plataforma, estourou o escândalo da lava-jato, cujas investigações mostraram que os contratos da Sete Brasil também eram superfaturados, e parte dos recursos eram desviados para políticos do PT, MDB e PP, além de lobistas e operadores. Os grandes estaleiros construídos pelas empreiteiras com financiamento do BNDES ainda não saíram da crise. O maior deles, o Atlântico Sul, em Ipojuca (PE), parceria da Camargo Correa (atual Mover) com a Queiroz Galvão, e tecnologia da Samsung, começou a afundar quando o sócio coreano, que era um dos maiores estaleiros do mundo, pulou fora antes do barco afundar. Ele deveria construir sete sondas.
De concreto, o EAS só construiu o casco inferior da plataforma P-55 e participou da montagem dos módulos e integração do sistema do FPSO P-62. A grande maioria dos FPSO construídos ou arrendados por encomenda da Petrobras veio mesmo da China e de Cingapura (nem a Coreia está conseguindo competir).
Este ano, depois de mais de um ano de recomposição dos contratos e da razão social dos estaleiros, a Transpetro, subsidiária da Petrobras, reabriu encomendas para a renovação da frota de navios Suezmax, Panamax e Afromax, além dos navios de apoio para operação nas bacias de petróleo do país.
E os bancos, como ficaram? Atingido também pela inadimplência da Americanas, o Bradesco teve queda de 25,7% nas ações ON na B3. O BTG veio logo atrás, com perdas de 25,15% nas ON, e o Santander ON desvalorizou 22,5%. A título de comparação, vejam o comportamento das ações do Banco do Brasil e Itaú, que não entraram na empreitada: BB ON cai 6,3% e Itaú ON tem perda de 3%.
Já os fundos de pensão, além dos prejuízos para os associados, podem reservar surpresas para você, eu e os contribuintes, se pedirem socorro ao Tesouro para cobrir rombos que são das patrocinadoras.