Por Coisas da Política
WILSON CID - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Horror à transparência
Publicado em 31/12/2024 às 12:10
Quase inevitável, nesta hora de passagem de ano, a política, tal como as pessoas, deixar-se dominar por alguma esperança em dias mais suaves, menos conflituosos. Natural que seja assim, por mais que as aparências possam insinuar o contrário. Com a chegada do novo ano, algo melhor ou menos pior. Num passado que já vai distante, Otto Lara Resende escreveu neste jornal que esse sentimento é como um véu oculto; estranho sentimento que ”morde em silêncio o coração distraído”. Outros lembrarão o notável escritor para dizer, entre nós, que qualquer expectativa otimista será bem aceita, até porque, se afogado no pessimismo, aí é que o Brasil não vai mesmo pra frente. Tomara.
Nesta quadra da vida brasileira faz bem desejar e esperar o bem, sem, contudo, descuidar que, para tanto, são necessários ingentes esforços, começando por reconhecer que vão amanhecer dias de inevitáveis desafios. Devemos estar prontos para enfrentá-los, já que o destino tem empurrado o país para grandes definições, sobretudo corajosas. Não podemos continuar contornando obstáculos, passando à margem dos desafios, como se os trovões e relâmpagos não fossem para os nossos céus.
Sobre as febres que hoje atormentam, para citar apenas uma entre as que vão levando a temperatura insuportável, figuram as famosas emendas parlamentares, não apenas pelo escândalo de jogarem livremente com bilhões de reais dos cofres públicos, mas porque estão condenadas ao financiamento de muitos projetos suspeitos; suspeição, sim, pelos próprios deputados confessada, quando resistem a demonstrar, com clareza, a finalidade do dinheiro, sua aplicação, as obras e serviços para os quais foram votadas. Um poder constituído, se legitimamente representa o interesse geral, não pode sentir-se desprestigiado ou ofendido em sua autonomia pelo fato de estar sendo cobrado a dar explicações quanto ao pouso final de uma fábula de dinheiro que não lhe pertence. A primeira virtude de legisladores e governantes é a transparência.
A recente novela dos desencontros da Câmara dos Deputados com o ministro Flávio Dino, reagindo a uma cobrança do Supremo Tribunal, trouxe, no enredo, explicações tortuosas, com evidentes sinais de escamoteamento, e, ao mesmo tempo, escancara uma verdade absoluta: as emendas parlamentares, que no Brasil gozam de poder distributivo jamais visto em qualquer parte do mundo, precisam passar por uma reavaliação profunda; moralizadora, sobretudo.
Afora esse grave defeito, preocupa saber que os mais recentes embates sobre o caminho das emendas, sem transparência e sem preservar o dever da rastreabilidade, aprofundaram o risco de se tornarem pivô de grave cisão entre os poderes Legislativo e Judiciário. Nas relações os desentendimentos vão se acumulando. Já por razões outras, antes do recente episódio, ministros e deputados vinham alimentando divergências. Não faria bem às instituições se a convivência entre os poderes evoluísse para animosidades ainda mais sérias.
Na semana passada, neste mesmo espaço, falou-se dos temores em relação à carga dos problemas que aguardam o bornal de Lula, no ano que começa amanhã, aos quais junta-se, agora, por iniciativa do presidente da Câmara, a denúncia de sua corresponsabilidade no trato e na condução das emendas, ônus que também pretende dividir com a Procuradoria Geral da República, sem que faltem estilhaços e respingos sobre o Senado, até agora poupado. O deputado Artur Lira saiu atirando, decidido a não ser o único baleado nessa novela.
Isto posto, não seria demais propor ao presidente Lula que também se esforce para a construção de um clima de harmonia, começando por discutir com o Congresso Nacional um novo modelo de emendas parlamentares em 2025. O que faria bem, em primeiro lugar, ao próprio Executivo, porque é ali que estão os ralos por onde escorrem os 50 bilhões tão aguardados pelos deputados para as festas de fim de ano.