Esses tempos difíceis
O apagar das luzes de um ano que se fecha sob o clima de justificadas apreensões, sinaliza, por isso mesmo, que o seguinte, o 2025, vai chegar com a promessa de desafios ainda mais pesados para o presidente Lula, independentemente de suas declarações otimistas, que, muitas vezes, perturbam a realidade dos fatos. Já o dezembro no fim do tempo mostrou que ele e, por extensão, o governo inteiro esbarram em questões importantes. Quase todas na dependência da capacidade de encarar tempestades.
Já durante breve internação hospitalar, ele não escapou de alguns testes, como a disparada do dólar e a sensível desidratação de um conjunto de medidas destinadas a conter custos. Certamente sabe que fica faltando ao governo a intenção de cortar na própria carne, e responder a velhas indagações de economia interna: o que fazer com tantos e caros ministérios?, como enxugar os cartões de crédito que transitam pelos gabinetes?, e o jeito de eliminar benefícios e viagens excessivamente dispendiosos? Falta, portanto, o imediato dever de casa, não sem grandes sacrifícios – sabe-se -, porque logo vão chegar as volumosas contas do ano pré-eleitoral. Na temporada de caça aos votos é inevitável a elasticidade das verbas.
A carga fiscal entra no novo exercício com expectativas acumuladas. E, já agora, o discurso oficial não tem como repetir a arenga de que o Banco Central, suspeito de ser manobrado pelo bolsonarismo, é culpado único pelos pecados e mazelas. Os novos dirigentes da instituição foram indicados pelo presidente Lula, e deixam claro que os juros sobem, e subirão sempre que recomendar a política anti-inflacionária. O BC não abre mão da autonomia, suas decisões serão técnicas, imunes a maiores interferências político-partidárias, goste ou não goste o Palácio do Planalto.
Esse é um problema. Outro, do qual se pode esperar agravamento, por causa da prática sistêmica nos momentos de apertos políticos, é a consolidação do modelo praticado nas relações com o Congresso Nacional, onde transita, com vigor, a moeda-emenda parlamentar, usada para garantir votos em plenário. Nos últimos dias, ela esteve em alta e cotações semelhantes ao dólar especulado… Na verdade, criou-se a rotina de dar e receber; e nisso viciam-se os que vendem e os que compram. Para 2025, nada sugere que seja diferente, mesmo que venha algum suave avanço moralizador, como a rastreabilidade do roteiro das verbas indicadas por deputados e senadores. Vamos assistir à repetição da prática, por mais que isso seja indesejável.
Avizinhando-se o ano eleitoral, quando Lula desejará lançar sua própria sorte nas urnas, para si ou para quem indicar, os apetites serão renovados. Porque os embates eleitorais, não é novidade, em muitos casos prosperam até com despudor, e nessa hora o presidente tem de gozar de boa saúde, porque interesses em conflito, se não sangram, asfixiam. No caso dele, como premissa, tem de começar ajustando o caminho das alianças de esquerda na Câmara, onde conta com insuficientes 130 votos fiéis, obrigando a articulação palaciana a pedir constantes socorros a adversários. A base do governo expõe fragilidades, e chega ao novo ano arranhada. O PT, principal partido governista, mostra-se publicamente hostil à política econômica, condenada por se desviar dos objetivos partidários. Surpreendido com a companheirada no mau humor, em 2024 Lula limitou-se a paternais apelos à unidade partidária, o que não foi bastante.
A direita também padece de inseguranças, mas goza da vantagem de não ser cobrada, porque não é dona do poder em Brasília.
Com desdobramento inevitável para os próximos meses, há que se contabilizar a relação pouco produtiva do governo central com os governadores, a começa pela derrota que impuseram ao projeto nacional da segurança pública, rico em detalhes, preparado pelo ministro Lewandowiski. Com isso, desceu mais um degrau na escada do desprestígio o nosso pobre federalismo. Não bastasse, recentemente os estados reagiram à volta do imposto para danos pessoais causados por veículos em vias terrestres. O projeto, com todos os sinais da influência dos palácios estaduais, sofreu humilhante derrota na Câmara. Nos principais estados, o prestígio do presidente deixa a desejar. Outro desafio a enfrentar.
Pois bem, não bastasse ter de andar por caminhos sinuosos, por ele mesmo criados, o governo brasileiro tem, pela frente, a difícil convivência com o Donald Trump, novo presidente dos Estados Unidos. Lula não gosta dele, mas não poderia reclamar falta de reciprocidade.
(Consta que, diante do acúmulo de problemas, desafios e atropelos a primeira-dama Janja promoveu sessão de candomblé no palácio presidencial, para que os orixás deem jeito no Brasil. Em junho, por alguma dificuldade com o dólar, recorreu a eles, e, piedosamente, teve sucesso. Agora o peso das dificuldades é muito maior. Mas nada que assuste. O ministério tem índios, para chamar os pajés, e evangélicos do missionário RR Soares e do apóstolo Valdomiro, capazes de milagres por atacado e a varejo).