Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
E os ‘campeões nacionais’, apoiados pelos generosos financiamentos e participações acionárias do BNDES, são os campeões de 2024
Publicado em 05/01/2025 às 07:38
Alterado em 05/01/2025 às 07:54
Com o Congresso iniciando as férias de janeiro, embora já estivesse de folga desde 20 de dezembro, ainda ecoam os escândalos das emendas PIX, que o diligente ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, tentou brecar, exigindo transparência e os nomes dos proponentes, dos beneficiários e a destinação. Mas a pressão dos presidentes das duas casas do Congresso sobre o governo Lula (que precisa de apoio dos respectivos presidentes para aprovar matérias de seu interesse e vetar as que não agradam) deixou tudo como está para ver como fica. Inclusive os R$ 171 milhões de emendas para parentes à frente de prefeituras pelo Brasil afora.
Com o recesso da política, caro leitor, acredito que você já tenha ouvido falar muito dos negócios “campeões nacionais” que teriam sido apoiados pelos generosos financiamentos e participações acionárias do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tais operações, muito criticadas nos governos Lula e Dilma, foram demonizadas e praticamente extintas na gestão do BNDES no governo Bolsonaro. Para marcar a guinada, a gestão do engenheiro Gustavo Montezano (17 de junho de 2019 a 1º de janeiro de 2023) batizou o desmonte de “fábrica de projetos”. Na minha experiência de 52 anos de cobertura econômica, andei procurando, na época, os escândalos em projetos que um banco de fomento como o BNDES aprovava e não encontrei nada de extraordinário. Assim como a abertura da “caixa preta” não trouxe nenhum escândalo novo.
Montezano substituiu ao economista Joaquim Levy, por pressão do ex-presidente que não se conformava com a cautela de Levy em abrir a chamada “caixa preta” de empréstimos e apoios do banco. É que na gestão de Paulo Rabello de Castro, no governo de Michel Temer, houve uma devassa nas operações do BNDES, e o alentado relatório, chamado de “livro verde”, também nada encontrou. Mas o governo Bolsonaro sapateou em torno dos financiamentos de exportação de serviços às obras das empreiteiras no exterior – e, como já era mostrado, há anos, no site do banco, encontrou tudo detalhado, incluindo os devedores em atraso de sempre (Venezuela e Cuba à frente de Moçambique). A tal “fábrica de projetos” se esmerou em apressar privatizações (como a da BR Distribuidora e da Eletrobras), nas quais, como num jogo de pôquer, a União, que era o acionista controlador, pediu “mesa” e deixou “jogadores” privados seguirem no jogo, para pingar ou dobrar apostas e assim tirar o controle da União da BR e da Eletrobras. A Petrobras seria a próxima, se Bolsonaro fosse reeleito.
Mas isso é questão para outra coluna. O que eu queria tratar aqui é do incrível desempenho, em 2024, na B3 – a bolsa de valores do Brasil –, das ações dos chamados “campeões nacionais”. Num ano em que o Ibovespa (o índice ponderado das 86 ações de 83 empresas que são renovadas a cada ano – a renovação se deu dia 2 de janeiro e vale até 3 de janeiro de 2025) caiu 10,36%, fechando em dezembro a 120.283 pontos, atropelado pela alta do dólar em todo o mundo em reação ao protecionismo de Donald Trump, que vai elevar a inflação nos Estados Unidos e já forçou o Federal Reserve Bank a ser mais conservador nos planos de baixar os juros (a meia trava ocorreu em maio de 2024, detonando uma gangorra de moedas no mundo, com o dólar pondo quase todo o mundo de “castigo”), e a subida de juros no Brasil para conter o dólar.
O comportamento do Ibovespa tem muito a ver com o desempenho das ações com maior liquidez e peso no índice: Vale ON tem peso de (11,333%), seguido de Petrobras PN (7,770%); Itaú Unibanco (7,279%); Petrobras ON (4,682%) e Bradesco PN (3,573%). Cinco ações representam mais de 42% do Ibovespa. Vale ON teve queda de 23,72% nos últimos 12 meses até 3 de janeiro de 2025. Petrobras PN avançou 9,89%, superando os ganhos de 3,54% de Petrobras ON. Bradesco PN caiu 28,4% (o último impacto foi a falência da Sete Brasil, com dívidas de R$ 36 bilhões, da qual era um dos credores, ao lado do BTG-Pactual, do Santander e dos fundos de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, CEF e Petrobras). O Itaú Unibanco, que não entrou na aventura da Sete Brasil, idealizada em 2010 por André Esteves, principal acionista do Pactual, só teve perda de 2,94% nas ações PN até 3 de janeiro deste ano.
E os campeões são...
E os campeões são, pela ordem: Embraer, cujas ações ON acumulam valorização de 170% nos últimos 12 meses até 3 de janeiro de 2025. Vale observar que a companhia brasileira para a qual o BNDES sempre atuou, desde os governos de FHC, como fazem o Eximbank americano e o equivalente japonês, no financiamento às exportações, no caso, com créditos a longo prazo ao comprador de seus aviões, escapou praticamente ilesa da queda de um jato no Azerbaijão (o presidente russo, Vladimir Putin, admitiu que pode ter sido abatido pela artilharia russa) e ainda saiu beneficiada com o abalo da Boeing após o terrível acidente na Coreia do Sul, no fim do ano passado. Depois da Embraer, vale destacar a alta de 91,73% nas ações ON da BRF. Trata-se da fusão entre os frigoríficos Sadia e Perdigão, patrocinada pelo BNDES na crise financeira mundial de 2008. O BRF hoje exporta carnes de frango, suínos e bovinos para três dezenas de países.
Na crise de 2008, o BNDES entrou em campo para patrocinar outra fusão de duas grandes empresas nacionais de celulose (a Aracruz e a Votorantim) que tinham sido arrastadas no contrapé em “hedge” de exportação (o dólar disparou na direção contrária em que se protegeram). Surgiu a Fibra, depois comprada pela Suzano, que virou a maior exportadora de celulose de eucalipto do mundo. Pois as ações ON da Suzano acumulavam valorização de 14,83% nos 12 meses terminados em 3 de janeiro. E os papéis de Klabin, outra fábrica de celulose apoiada pelo BNDES, valorizaram 19% no mesmo período.
Mas outros dois “campeões nacionais” demonizados pelo apoio do BNDES também se destacaram: os papéis ON do frigorífico Marfrig, um dos maiores exportadores de carnes do mundo, subiam 79,51%, e estavam à frente da valorização de 51% da JBS (Friboi dos irmãos Batista).
Em compensação, excluído o caso das companhias de energia, onde as perdas são gerais (Eletrobras ON perde 17% e as PNs caem 15%, Equatorial ON desvaloriza 23,26% em 12 meses e Engie ON perde 18,95%), empresas dos paladinos da privatização, que eram críticos ferrenhos do apoio do BNDES, amargam perdas. Como a Localiza, de Salim Mattar, que foi Secretário de Desestatização do governo Bolsonaro (deixou o governo em 2020): caiu 44,49% no período de 12 meses. Rubens Ometto, um gigante do açúcar e do álcool acumula desvalorização de 56,45% nas ações da Cosan ON (que atua também na distribuição de gás natural em São Paulo) e a Raízen, parceria da Cosan com a Shell na rede de combustíveis, tem queda de 47,59% nas ações PN.
Por que o BNDES não é criticado no agro?
Agora, uma pergunta que não quer calar: por que os milionários e bilionários do agronegócio, que recebem generosos financiamentos com juros baixos a médio e longo prazos do BNDES para comprar super tratores, colheitadeiras de última geração e bancar a construção de silos para armazenagem de grãos das safras, além de caminhões, não criticam a ação de fomento do maior banco nacional?
O fiscal ia ser péssimo, mas...
O déficit primário (receitas menos despesas, sem considerar o mais pesado custo dos juros da dívida pública) de R$ 6,6 bilhões em novembro foi um pouco pior que as expectativas do mercado. Mas, a análise do Departamento de Estudos Macroeconômicos do Itaú sobre o desempenho do setor público consolidado mostra que o problema fiscal não era tão grande como diziam os analistas para justificar a escalada do dólar (mais ligado às ameaças de aumento de tarifas por Trump do que por supostos desequilíbrios fiscais). O Itaú diz que, “na definição do Banco Central para o déficit (conceito abaixo da linha), o governo central (Tesouro + INSS + Banco Central) registrou déficit de R$ 5,7 bilhões, melhor que nossa estimativa de um déficit de R$ 6,4 bilhões”.
Mas não é só. O Itaú constata que “a dívida bruta do governo geral recuou de 78,6% do PIB para 77,7% do PIB em novembro após revisão altista do PIB (ou estável em 77,8% com a série anterior), enquanto a dívida líquida do setor público consolidado caiu de 61,5% para 61,2% do PIB no mês. Excluindo “swaps”, o déficit nominal acumulado em 12 meses recuou de 9,0% para 8,7% do PIB entre outubro e novembro, enquanto as despesas de juros permaneceram em 7,1% do PIB no mês”.
E ainda arremata: “Apesar de o governo estar se aproximando do cumprimento do limite inferior da meta de resultado primário deste ano [0,25%] devido à forte arrecadação, os riscos fiscais continuam elevados, considerando a percepção de que as despesas obrigatórias crescendo acima do limite do arcabouço fiscal impedirão seu cumprimento até 2026 e a dificuldade em obter uma trajetória de convergência de resultados primários”.
Ué, não iam estourar as contas de 2024, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometia cumprir no limite? E o governo trabalha com a previsão de fechar 2024 com déficit primário entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões, o equivalente a 0,1% do PIB, bem abaixo dos R$ 28 bilhões (0,25% do PIB) autorizados no Arcabouço Fiscal pelo Congresso. A política keynesiana de Haddad (crescer com círculo virtuoso para gerar mais receitas e reduzir os níveis de endividamento) dá urticária nos ortodoxos da Faria Lima.
Veja essa opinião do Itaú: “o pacote de contenção de gastos recém-aprovado pelo Congresso pode ser insuficiente para garantir o cumprimento do arcabouço até 2026, com poucas mudanças estruturais capazes de alterar a dinâmica recente das despesas. Estimamos uma economia potencial de R$ 54 bilhões em 2 anos, sendo R$ 30 bi em 2026, abaixo da necessidade estimada de R$ 40 bi. À frente, será importante acompanhar se novas medidas estruturais de controle de gastos serão implementadas, além dos riscos de deterioração de resultado primário associados à proposta de isenção do imposto de renda”. Vejam que o furo no pacote fiscal agora já é transferido de 2025 para 2026. Até lá, há praticamente 24 meses para serem tomadas medidas preventivas.
Para o Santander, o pacote de ajuste fiscal aprovado pelo Congresso, “apesar da manutenção de boa parte dos R$ 70 bilhões em cortes de gastos propostos inicialmente, o montante efetivo deve ficar ao redor de R$ 50 bilhões”. É ver para crer. Até aqui os piores cenários não se confirmaram.
Maior imposto dos ricos cobriria os déficits
Os cálculos são do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal): a isenção do IR para quem recebe até R$ 5.000,00 por mês, aliada à desoneração significativa dos que ganham entre R$ 5.000,01 e R$ 7.000,00, custaria aos cofres da União cerca de R$ 35 bilhões, mas beneficiaria com mais poder de compra pouco mais de 16 milhões de brasileiros da classe média, cujo aumento de consumo movimentaria a economia e elevaria a arrecadação de impostos, já compensando parte da isenção.
Mas a política “Robin Hood” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de compensar a perda de receita no alívio da classe média, mediante alíquotas mais efetivas (10% de aumento) para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais em renda – o que abarcaria juros sobre capital próprio das empresas em que são sócios, dividendos e rendas de aluguéis -, já igualaria o jogo, com justiça fiscal. Esse imposto extra atingiria 160 mil pessoas ou 1% em relação ao grupo de 16 milhões aliviados mensalmente nas contas com o leão.
Para os ricos, a alta de 34% no café, de 21% no leite, de 31% no óleo de soja, de 53% na laranja e de 63% na tangerina quase não faz cócegas, mas dá urticárias na classe média. Já uma tributação mais balanceada incomoda os mais ricos, que até 2023 estavam isentos em fundos exclusivos de bilionários ou investimentos “off-shores”. Com o aumento dos juros, a maior tributação é mais do que justa, para evitar que os 1% mais ricos concentrem ainda mais a renda do país.
Segundo os cálculos do Sindifisco, a taxação de renda mais alta com a alíquota será cobrada sobre soma de todas as rendas. A proposta da Fazenda é que o Rendimento bruto ao ano teria acréscimo de Imposto mínimo nas seguintes faixas: R$ 600.000 zero; R$ 720.000 2%; R$ 840.000 4%; R$ 960.000 6%; R$ 1.080.000 8%; e R$ 1.200.000 10%.
Ou seja, a combinação da isenção para quem ganha até R$ 5 mil mensais com um instrumento que garanta um pagamento mínimo de alíquota efetiva para os extratos mais abastados da população garantiria a neutralidade fiscal (as obrigações devidas pelo governo à sociedade e aos contribuintes seria bancada pelo maior aperto fiscal sobre os mais ricos – como é na Europa e nos Estados Unidos e como foi desenhada a reforma tributária que aliviou os impostos em cascata sobre o consumo, que onerava o consumidor.
A proposta do Sindifisco
O Sindifisco tem uma proposta ainda mais ousada: igualar as alíquotas de tributação sobre as rendas dos milionários à mesma percentagem de IR paga por um professor universitário. Se aplicada a alíquota de 12,8%, o “incremento na arrecadação poderia ser suficiente para custear a segurança pública no Nordeste e no Centro-Oeste”, assevera os cálculos do Sindifisco. Que vai além: se a reforma do Imposto de Renda (IR) proposta pelo governo federal, anunciada pelo ministro Haddad no final de novembro, fosse aprovada no Congresso Nacional, seria possível beneficiar 16,1 milhões de contribuintes sem diminuir a arrecadação federal.
Na hipótese da alíquota de 12,8% para compensação das perdas de arrecadação com a isenção, se o governo federal propusesse alíquotas afetivas de progressão linear que complementam as já atuais contribuições, começando com aqueles que ganham R$ 600 mil anuais em 0% e terminando em 10% de alíquota efetiva para os que recebem, pelo menos, R$ 1,2 milhão, teríamos um incremento na arrecadação anual de R$ 41,06 bilhões.
A alteração na cobrança iria atingir, aproximadamente, 160 mil declarantes, que representam os mais altos níveis de renda do país. Atualmente, essa parcela da população paga percentuais que, em muitos casos, estão significativamente abaixo de 10%, mesmo em faixas de rendimentos extremamente elevadas. Uma autêntica política “Robin Hood”, tirar mais de 160 mil para isentar 16,1 milhões.
Para se ter uma ideia, uma pessoa com rendimentos de R$ 24,5 milhões anuais contribui com Imposto de Renda referente a apenas 5,12%, menos da metade dos 11,34% que pagam contribuintes que ganham R$ 280 mil por ano. “O exercício que propomos deixa claro que não há perda de arrecadação. A opção pela utilização de mecanismos que deixam o sistema tributário mais progressivo é benéfica para toda a sociedade e impulsiona a economia. Não à toa o princípio da capacidade contributiva está na nossa Constituição Federal”, afirma o presidente do sindicato, Dão Real.
Caso a proposta do governo federal atingisse a alíquota efetiva máxima de 12,8% para os milionários, o mesmo que paga, hoje, um professor universitário, o país poderia ter uma arrecadação adicional anual de R$ 35,5 bilhões. Mas é por isso que tanto se criticam os gastos sociais e não os altos juros que beneficiam os rentistas da classe média alta e os bilionários gestores de fortuna que surfam na onda dos altos juros com taxas de administração.