COISAS DA POLÍTICA

Mercado se cala às falas de Trump ao Fed, mas não admite que Lula critique o BC?

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Publicado em 26/01/2025 às 08:06

Alterado em 26/01/2025 às 08:35

Condôminos da Faria Lima: tchutchucas com Trump, tigrões com Lula Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Imagina se fosse o presidente Lula quem dissesse, claramente, essa frase, perante a nata do mercado financeiro e do empresariado: “Vou exigir que os juros caiam imediatamente e, da mesma forma, eles deveriam estar caindo em todo o mundo”. Os porta-vozes do mercado financeiro viriam com quatro pedras na mão para acusar o presidente da República de estar tentando interferir na independência do Banco Central em relação ao poder Executivo. Isso ocorreu várias vezes na gestão de Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro em 2019 e que, em fevereiro de 2021, com a Lei 179 que deu independência ao Banco Central do Brasil, teve o mandato garantido até 31 de dezembro de 2024. Lula era sempre criticado por tentar interferir da “independência” do Banco Central, quando, na verdade, faltou ao BC de RCN trocar figurinhas com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para saber o que iria fazer o governo na política fiscal e na delicada recomposição dos impostos cortados eleitoralmente por Bolsonaro (ambos com impacto na demanda e na inflação). Mas quem disse essa frase, diretamente da Casa Branca, foi o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no telão transmitido aos participantes do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça).

Não chega a ser novidade Trump fazer pressão contra as taxas de juros. Além dos interesses gerais da economia e da população, ele, como um grande empresário do ramo imobiliário, deseja juros os mais baixos possíveis. Juros altos travam a economia, o consumo e os investimentos. E são os inimigos dos mercados de ações e imóveis. Por isso, já na largada, Trump repetiu a mesma forma de pressão que aplicava ao Federal Reserve Bank (o BC dos EUA), com pouco efeito aparente em seu primeiro mandato, quando bem que tentou recuperar o tombo do mercado imobiliário com a crise financeira mundial que teve origem no mercado secundário de hipotecas, em 2008, embora anuncie medidas que podem gerar inflação e determinar cautela do Fed nos juros. O estranho é que não se ouviu, no mercado financeiro brasileiro, dos porta-vozes que execram Lula qualquer reparo à interferência de Trump.

O mercado financeiro, de um modo geral, se deixa levar pela cartilha ortodoxa monetarista. O mandato do Fed nos Estados Unidos tem três pontos básicos: garantir a estabilidade da moeda (e da inflação), garantir o bem-estar social e o pleno emprego, mas sem que uma ponta desequilibre a outra. No Brasil, além de “garantir a estabilidade do poder de compra da moeda” (e da inflação), o BC deve “zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”. É o que deseja o presidente Lula. Mas o mercado financeiro acredita que tudo se resolve pela taxa de juro (de preferência subindo quando suas apostas são na mesma direção). O mercado financeiro é composto por compradores e vendedores de posições nas apostas nos mercados futuros. Uns apostam no pior, outros na posição contrária, geralmente acompanhando as posições do BCB ou do Fed.

Tanto Trump, quanto Lula e até Bolsonaro por meio de seu ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, um monetarista raiz/ortodoxo, aluno de Milton Friedman, não apostam todas suas fichas na política monetária para controlar a inflação. Guedes cortou diretamente os impostos federais e estaduais dos combustíveis, da energia elétrica e das comunicações, entre 1º de julho e 31 de dezembro de 2022, para tentar reeleger Bolsonaro. Não adiantou. A inflação, que estava em 12% ao ano e o Banco Central não conseguia domar com a elevação dos juros, encolheu para 5,72% em dezembro, mas ainda estourou o teto da meta da inflação (5,00%) e não impediu a derrota do presidente e a eleição de Lula. Agora, com o país assolado por pressões inflacionárias causadas por desastres climáticos domésticos (enxurrada no RS, estiagem e incêndios no Sudeste e Centro-Oeste) e no exterior (seca na Ásia que quebrou as safras de café da Indonésia e do Vietnã, o 2º produtor mundial, e de açúcar na Índia) e pela pressão da escalada do dólar ante as ameaças tarifárias de Trump, a inflação dos alimentos à domicílio somou 8,22% no ano passado, quase o dobro da inflação oficial de 4,83%.

Muito palpite e pouca ação

Mas o pior que o governo pode fazer é tentar ter pressa e meter os pés pelas mãos para tentar baixar os preços dos alimentos. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) errou ao não garantir estoques no mercado de soja em grão, ou não perceber os problemas externos do café, que subiu 39% no ano passado. Sem estoques, que se evaporaram de vez quando o dólar disparou no último trimestre, o óleo de soja subiu 21% nos supermercados. Foi menor que o desastre do MAPA na gestão Bolsonaro, quando o óleo de soja subiu 98% até setembro de 2022 porque toda a safra tinha sido vendida e o país teve de importar soja para fazer óleo. A queda de preços dos alimentos deve se acentuar de março em diante, com a entrada no mercado das safras de soja e milho. Vão baixar os preços das rações para aves, suínos (e concorrer com a carne) gado leiteiro e bovino em confinamento de engorda. E março tende a ser o pico dos aumentos de juros (1%) a cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom, que se reúne dias 29 de janeiro e 19 de março). Se a cotação do dólar continuar em queda (sempre disse aqui que a causa era o medo de Trump, não problemas fiscais), o pior terá passado e a inflação tende a caminhar mais perto do teto da meta (4,50%).

Quando se dirige um carro é preciso olhar o que está à frente do para-brisa), mas cuidar do que está atrás (pelo retrovisor) e o que se passa à esquerda e à direita (sempre surge uma moto inesperada). Dirigir um país é algo semelhante, com surpresas à direita e à esquerda. Mas o governo parece estar muito fixado no que pode divisar com o farol alto via para-brisa (2026). O susto com a alta dos preços pode ter vindo de informes do IBGE. Eles surgem duas vezes por mês. Ao longo de 12 meses, os preços dos alimentos têm subido além da inflação (em 2023 foi o contrário: com a supersafra de grãos para uma inflação de 4,62%, os preços da Alimentação e Bebidas subiram só 1,03%. E uma grande ajuda veio da queda de 9,37% no preço da carne. Outro grande empurrão para baixo veio da queda de 14% nos óleos e gorduras. As donas de casa e consumidores em geral percebem os movimentos a cada ida à feira ou aos supermercados. Só os técnicos dos ministérios da Agricultura Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar parece não terem se dado conta de que, na metade do ano, os preços do café e do óleo de soja já subiam bem além do IPCA. No último trimestre, com a escalada do dólar, a carne que atravessou em baixa o 1º semestre disparou e fechou o ano em alta de 20%, o óleo de soja subiu mais de 20%, e o leite longa vida ficou 18% mais caro devido aos impactos na estiagem na produção leiteira.

É estranho que quando o presidente Lula fez uma visita à China, em fins de março de 2023, para marcar um desagravo do governo brasileiro aos insultos do governo Bolsonaro ao maior parceiro comercial do Brasil, responsável por mais da metade do saldo da balança comercial do país, ele levou uma comitiva recorde de ministros, políticos empresários e representantes da sociedade brasileira. Na comitiva estava o líder do MST, João Pedro Stedile, e a expectativa era de que os trabalhadores da agricultura familiar fossem aprender com as cooperativas chinesas técnicas de cultivo intensivo de alimentos básicos. Infelizmente, não se viram iniciativas do Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado por Paulo Teixeira, para atrair a Embrapa e a Emater nos estados para desenvolver espécies de sementes e tecnologia de cultivo para as pequenas lavouras de tubérculos e legumes, hortaliças e verduras e frutas. Na China, a revolução dos maquinários gigantes que fizeram a produtividade das grandes lavouras de soja, milho, algodão, sorgo e girassol darem um salto no Centro-Oeste do Brasil, já chegou à pequena lavoura. O que o governo precisa fazer é atrair esses fabricantes para o Brasil. Na base da enxada, sem assistência técnica adequada e máquinas que fazem o trabalho render, não há como a pequena lavoura ser altamente rentável e dar um salto de produtividade – garantindo preços mais baixos e estáveis para hortaliças e verduras, frutas e legumes ao longo do ano. O Brasil é um grande produtor e exportador de frutas, mas este ano, uma estiagem na Bahia arrasou a produção de bananas, cujos preços há muito perderam a expressão “a preços de banana em fim de feira”. Nem na hora da xepa, as bananas avulsas, despencadas, estão baratas.

No mais, é melhor ouvir mais as palavras sensatas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O que vai fazer os preços dos alimentos recuarem ou subir menos são dois fatores principais: a entrada da safra de grãos, que começa a ser colhida este fim de mês (arroz e soja no Sul) e soja e milho no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, até março-abril. O outro fator é o recuo do dólar, que já caiu mais de 5% nos últimos dois meses. Quanto menos barulho o governo fizer – com palpites desencontrados como perigosos, por darem margem a más interpretações, como no caso do PIX, melhor. Um ministro da Fazenda respeitado dentro do governo é o melhor plano anti-inflacionário.

A Paz custa bem menos

Lula já propôs, em fins de 2023, quando o Brasil presidia o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, um cessar-fogo entre Israel e o Hamas na faixa de Gaza (veto dos EUA impediu que se abreviasse em mais de um ano o sofrimento e o morticínio de palestinos). A resolução intermediada pelas administrações Biden e Trump e os governos do Catar, Egito, Arábia Saudita e as representações do Hamas e do governo de Israel, traduzem em bom português o preço da Paz. O melhor investimento para baratear preços é apostar na diplomacia para resolver conflitos. Lula sabia que alimentos e combustíveis baixariam os preços com um cessar fogo duradouro, como queria também entre Rússia e Ucrânia (um dos maiores produtores de combustíveis e um grande produtor de cereais). Trump assumiu a ideia. E Bolsonaro, toscamente, tentou dissuadir Vladimir Putin a não invadir a Ucrânia, em viagem a Moscou na primeira quinzena de fevereiro. Chegou a dar entrevista dizendo que tinha convencido Putin a não invadir a Ucrânia. O que ocorreu em 23 de fevereiro.

A guerra, com o posterior boicote dos países da OTAN ao gás russo, provocou uma escalada dos preços dos combustíveis e dos alimentos. Isso foi fatal às pretensões eleitoreiras de Bolsonaro, pois a vigência do PPI (sistema de paridades de preços internacionais) da Petrobras, criado em 2017 no governo Temer, forçava ajustes imediatos de preços internos dos combustíveis acompanhando as cotações internacionais e a variação do dólar (que também disparou na época). Depois de trocar três presidentes da estatal, no começo de 2022, Bolsonaro incumbiu Guedes de fazer a maior intervenção nos preços. Lula prometeu na campanha “abrasileirar” os preços usando mais o petróleo leve do pré-sal nas refinarias da Petrobras que passaram a operar a plena carga, e os preços não têm subido tanto. Sorte da população, apesar da grita do mercado financeiro, sob o argumento de que o “lucro da Petrobras iria cair” – o que não ocorreu. No IPCA-15 de janeiro a gasolina subiu 0,53%, mas a principal causa foi a alta de 1,56% do etanol (o álcool anidro entra em 27% na gasolina comum e faz o preço subir na bomba mesmo sem reajustes nas refinarias da Petrobras).

Trump, por sinal, copiou Lula quando apelou à Arábia Saudita, maior produtor de petróleo entre os aliados dos americanos, a investir mais para aumentar a produção e baratear os preços do petróleo. Preços mais baixos aliviam os orçamentos das famílias no Ocidente, África e Ásia, mas reduzem as receitas da Rússia, cuja produção rivaliza com a da Arábia e a americana, quando os planos de “drill baby drill” que sacramentam a saída do Acordo de Paris (e salve-se quem puder) reativarem a exploração de petróleo e gás nos territórios atuais dos EUA. Ou onde “Tio Sam” pisar suas botas. Trump usa a ameaça de queda de preços para forçar Putin a trocar o campo de batalha pela mesa de negociação na Ucrânia.

Para não dizer que não falei em política

Na última semana do recesso do Legislativo, uma briga de foice deve se instalar nos bastidores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para a eleição da composição das mesas diretoras das duas casas do Congresso, sábado, 1º de fevereiro. Na Câmara, não se espera surpresas: a eleição do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) está sacramentada; no Senado, Davi Alcolumbre, senador pelo União-AP, é “pule de dez”. As cabines de votação (voto eletrônico) foram instaladas na semana que passou.

O PL de Jair Bolsonaro e Valdemar Costa Neto está fazendo força para pegar um lugar que seja nas mesas diretoras da Câmara e do Senado. Na última legislatura ficou de fora, depois que apresentou a candidatura própria do senador Rogério Marinho (PL-RN), derrotado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Um detalhe, Hugo Motta e Arthur Lira (PP-AL), que volta à planície depois de reinar quatro anos (dois com Bolsonaro e dois com Lula) no Planalto, são crias do ex-presidente da Câmara. Eduardo Cunha, que conduziu o “impeachment” contra a ex-presidente Dilma. Todo cuidado é pouco.

Os resultados da eleição e da composição das mesas podem ter influência no processo de reforma do ministério Lula, que só aguarda a definição da dança das cadeiras partidárias.

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