Se governo só mirar 2026 pode perder foco de 2025
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Se o governo Lula ficar obcecado por ter bons índices de popularidade em 2026, ano de eleição, pode perder o foco da necessária pavimentação da travessia até outubro do ano que vem, que depende do desempenho em 2025. Neste sentido, a trapalhada sobre a Instrução Normativa da Receita Federal, baixada em setembro de 2024 e cuja vivência, este ano, foi distorcida na postagem do senador Cleiton Gontijo de Azevedo, o Cleitinho do Republicanos-MG, no dia 6 de janeiro, com insinuações de que a Receita queria taxar as transações via PIX. A veia foi ainda mais explorada pelo também mineiro, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL), que estimulou golpistas a simular autuações da Receita contra comerciantes e estes já cobravam taxa extra para as transações via PIX. O Congresso está em recesso, mas os políticos operam firme nas redes sociais, com isso de robôs para turbinar a audiência. Com uso a Inteligência Artificial (que faz até gato dançar e cachorro falar), ativistas digitais fizeram vídeo no qual o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admite a taxação. Desde a derrama mineiro é contra pagar mais impostos. Mas tudo era mentira deslavada. Que colou em muitos casos com o uso da IA (imagina o tiroteio na campanha de 2026 sem mediação das redes sociais!).
Em vez de esclarecer a questão e informar que era uma ampliação natural das informações financeiras semestrais que bancos e financeiras são obrigados a reportar à Receita, que seria estendida às instituições de pagamento (aquelas que fornecem maquininhas usadas por comerciantes e prestadores de serviços nas vendas por PIX e até cartões de débito e crédito, ou seja, poderá pegar na malha fina transações acima de R$ 5 mil de pessoas físicas e R$ 15 mil de pessoas físicas que não tenham lastro fiscal ou na renda, o governo Lula, com a ideia fixa de 2026, mirou apenas na popularidade abalada. E, numa evidência de que parece não ter convicções das medidas cogitadas por sua área econômica, revogou a Instrução Normativa através de Medida Provisória em que repisa ser o PIX um meio de pagamento equivalente ao dinheiro (isento de taxas) e afirma que não haverá tributação nas transações via PIX.
Vale lembrar que a inclusão das movimentações do PIX e dos cartões de crédito acima de R$ 5 mil mensais permitiria ao governo cruzar dados não só para ver quem eventualmente estaria fugindo de cumprir suas obrigações anuais com o Imposto de Renda (isento até R$ 5 mil mensais na proposta do governo). Poderia também permitir um expurgo de pessoas cadastradas no Bolsa Família, no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e até no seguro-desemprego, mas que estavam faturando muito acima no PIX e gastando a rodo no cartão de crédito. Seria a possibilidade de cortar os duplos benefícios de muitos espertinhos. Uma questão de justiça fiscal e social quando o governo estuda passar um pente fino no Bolsa Família, no BPC e no seguro-desemprego.
Em suma, foi uma tremenda trapalhada que mostrou o cartão de visitas do novo ministro da Comunicação, o baiano Sidônio Palmeira. Já no discurso de posse, Sidônio mirou as “fake News”. Agora, ao revogar uma medida que já completara 100 dias, o governo além de indicar que a biruta de sua orientação será a dos ventos da popularidade que desembocam nas urnas, acabou por dar um tiro nos pés do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Seria uma intriga por Sidônio ser ligado ao ministro da Casa Civil, o ex-governador da Bahia, Rui Costa, que disputa com Haddad a postulação de eventual regra três para uma eventual substituição de Lula em 2026?
Se for isso, deixa o ministro da Fazenda, que precisa ter credibilidade total do governo, com sua autoridade ainda mais abalada.
O mercado financeiro, que nunca viu com bons olhos a reforma tributária conduzida pela equipe de Haddad, não perde oportunidade para criticar o ministro. A reforma, aprovada esta semana por Lula, está aliviando o maior peso da carga tributária do país das cotas do consumidor e ampliando a taxação sobre milionárias e bilionárias isenções que beneficiavam o mercado financeiro (as operações de fundos “off-shores” em paraísos fiscais passaram a ser taxadas, assim como os fundos exclusivos de bilionários no país) e aproveitaram o segundo capítulo da reforma tributária – a do Imposto de Renda, com criação de novas alíquotas para alcançar rendas de dividendos e juros sobre capital próprio de empresas na declaração de renda (até aqui são isentas) - para torpedear a ideia de isentar os assalariados com renda mensal até R$ 5.000 (16 milhões de pessoas que recolheriam menos IR, mas contribuiriam com a arrecadação nos impostos sobre consumo de bens e serviços), para disseminar a tese de que o governo estava ampliando irresponsavelmente os gastos. Na verdade, a maior tributação sobre os 160 mil mais ricos compensaria a isenção a 16 milhões da classe média. Mas a tática “Robin Hood” foi jocosamente chamada de “Taxadd”.
A tese fiscal do mercado
Ao longo do ano passado, sobretudo depois de maio, quando o Federal Reserve Bank mudou seus planos de iniciar a baixa dos juros, o que gerou uma gangorra cambial das principais moedas contra o dólar, situação que se amplificou com o favoritismo e a vitória de Donald Trump, que ameaça elevar tarifas de importação contra produtos chineses, o mercado passou a imagem de que a valorização do dólar no Brasil tinha por base um desequilíbrio fiscal. Este vinha, ao contrário, se reduzindo. O mercado jamais acreditou nas promessas do Arcabouço fiscal e não dava fé às possibilidades de crescimento de receitas/reduções de isenções e subsídios, prometidas por Haddad para estreitar o fosso entre as despesas e as receitas.
Mas o fato é que com o maior alcance da tributação sobre quem antes era isento (sem aumentar a carga tributária em relação ao PIB), a receita foi crescendo mês a mês. Com o forte desempenho da indústria e do setor de serviços era visível, a cada mês, a melhora do desempenho fiscal do governo. No primeiro semestre, o pagamento do 13º em maio e junho ampliou o déficit do INSS, mas o estímulo fiscal keynesiano do pagamento dos R$ 130 bilhões de precatórios caloteados por Bolsonaro desde fins de 2021 e a antecipação aos aposentados fizeram a roda da economia girar mais e crescer além do esperado no 2º e 3º trimestres. O aumento da arrecadação e a redução do rombo do INSS no segundo semestre terminaram por encolher o déficit público primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida pública) aos níveis do Arcabouço Fiscal. O Ministério da Fazenda já adiantou que o déficit do governo central (governo federal, Banco Central e INSS) ficará abaixo de -0,2% do PIB em 2024.
É até engraçado acompanhar as análises mensais do Itaú. O maior banco privado do país, o líder da Faria Lima, sempre foi crítico ao ajuste fiscal e punha em dúvida o cumprimento das metas. Em novembro do ano passado, depois de ter previsto rombo de 0,8% do PIB no primeiro semestre para 2024, ao fazer a revisão da política fiscal, o Itaú assinala que “o pacote de contenção de gastos recém-anunciado pelo governo foi aquém do esperado e pode ser insuficiente para garantir o cumprimento do arcabouço até 2026”. Ainda assim, diz: “Mantivemos a projeção de resultado primário de -0,4% do PIB em 2024 e revisamos a projeção de 2025 para -0,7% (de -0,8%), incorporando receitas recorrentes devido ao mercado de trabalho aquecido”. Mas o banco, que pusera em dúvida o aumento do esforço fiscal, defendido desde agosto pelo mercado financeiro, quando ficou claro que ia haver alta da taxa Selic, que remunera a maior parte da dívida pública (reforço fiscal para bancar os juros dos investidores), já começa a colocar em dúvida a eficácia do ajuste fiscal para 2025, e sobretudo 2026: “A percepção de risco doméstico tem aumentado com a expectativa que o crescimento elevado das despesas obrigatórias dificultaria muito o cumprimento do arcabouço fiscal em seu formato vigente até 2026. Estimamos que, para cumprir o arcabouço em seu formato original, é necessário um ajuste de despesas de pelo menos R$ 60 bilhões, sendo R$ 25 bilhões em 2025 e R$ 35 bilhões em 2026”.
Pois, em estudo postado no dia 14, terça feira, depois de reconhecer que os números do déficit fiscal serão menores em 2024 e podem se reduzir este amo, o Itaú - quase como na famosa corrida em que se pendura uma cenoura à frente da cabeça do coelho, para forçá-lo a sempre correr mais - agora diz que é necessário um novo esforço fiscal, ante a perspectiva de dólar elevado no governo Trump que força o Banco Central a subir mais os juros. E isso, além de reduzir o crescimento da economia e das receitas, aumenta os gastos com juros, numa assimetria que pede mais sacrifício fiscal. Assim, o Itaú pede novo esforço fiscal:
“Na nossa visão, é necessário gerar uma melhora das expectativas sobre a trajetória fiscal para reverter a recente piora das condições financeiras. Uma alternativa seria, como mencionado, fazer um reforço dos parâmetros do arcabouço fiscal, o que diminuiria a alta esperada da dívida pública para os próximos anos”.
“Recalibrando o ajuste: medidas para alterar o limite de despesas para 1,5% ao ano e ganhos decorrentes A redução do limite superior do crescimento de despesas de 2,5% para 1,5% melhoraria significativamente a perspectiva de estabilização da dívida. O anúncio dessa estratégia mais ambiciosa deveria vir acompanhado por medidas estruturais de economia de despesa que lhe deem consistência e credibilidade (o banco lista mais 10 medidas, além do que já foi aprovado em dezembro)”.
(I) Limitar ganho real salário-mínimo a 0,6% (II) Adiar em 3 anos reajuste dos servidores públicos (III) Mudanças das regras do seguro-desemprego (as três por Leis Simples) (IV) Alteração público abono salarial em 2026 (V) Limites Saúde e educação crescem 0,6% (VI), ambas por PEC; Regulamentação Supersalários (VII) Extinção parcial de estatais dependentes do Tesouro* (VIII) Redução gradual emendas parlamentares** (as três medidas por Leis Simples) e duas medidas administrativas para (IX) Focalização de Subsídios*** (X) Focalização do Minha Casa Minha Vida (MCMV)***
“Com isso, seria possível estabilizar a dívida bruta em 85-90% do PIB por volta de 2030, frente a 117% do PIB em ao menos 2048 na regra atual, e reduzir os aumentos anuais esperados de 4 p.p. para em torno de 2 p.p. por ano. Além disso, o ajuste mais intenso diminuiria a plausibilidade de cenários em que a dívida não estabiliza, dado que o novo limite superior de expansão seria, no cenário mais pessimista, igual ou talvez até um pouco inferior ao crescimento potencial do país”. Já o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, um crítico ferrenho do Arcabouço, foi mais longe e pediu esta semana um ajuste fiscal extra de 2% do PIB.
Como se vê, o mercado financeiro, que tanto reclama quando vem alguma medida da Receita para estabelecer isonomia fiscal, não se cansa de propor sacrifícios para programas sociais e não poupa nem mesmo os altos salários do funcionalismo público e as emendas parlamentares para sobrar dinheiro para bancar os juros.
De olho em Trump, BC faz operação especial nesta segunda
O Banco Central, sob o comando de Gabriel Galípolo, parece estar mais vigilante quanto aos impactos de uma disparada do dólar após a posse de Donald Trump, se forem aplicados, de imediato, os choques tarifários sobre produtos chineses, mexicanos, canadenses e de quem estiver fazendo concorrência com a parte obsoleta das indústrias americanas. Na sexta-feira, para tranquilizar o mercado de dólar, que, depois de abrir a R$ 6,0551, tinha caído até R$ 6,0266, mas voltara a subir até R$ 6,0905, o BC anunciou que fará dois leilões de oferta de dólar logo na abertura do mercado, no dia 20, no valor de US$ 1 bilhão cada. É a primeira intervenção preventiva na gestão Galípolo. O costume do BC é só intervir no mercado em casos de “disfuncionalidade”. O choque de tarifas distorce o mercado há três meses.
A verdade é que as “espertas” matrizes dos diversos países, que agora querem protecionismo contra a China, quiseram dar o pulo do gato ao transferir suas manufaturas para a China, visando lucrar com a mão de obra barata, os baixos juros e impostos reduzidos; foram engolidas pela própria esperteza. Os chineses, que investem muito na formação de engenheiros e técnicos, copiaram e aperfeiçoaram a produção dos manufaturados. Com o selo “made in China”,exportaram quase US$ 1 trilhão no ano passado e vêm engolindo pretensos “experts”.
Um dos que sofreram com a concorrência foi a Tesla de Elon Musk. Sua operação na China perdeu a concorrência para os veículos elétricos da BYD e da GWM. Musk se aliou a Trump buscando dupla proteção: taxação contra os veículos elétricos chineses e incentivos para produção, com competitividade, na fábrica da Tesla que criou no Texas (quando mudou para a China a Tesla era instalada na Califórnia e dava prejuízo). Por sinal, a semana anterior à posse de Trump foi ruim para Musk. Na quinta-feira, um foguete da Starship explodiu pouco depois do lançamento. Parece castigo por ter soltado foguetes antes da hora. Mas é que estava fustigado pelo sucesso, dois dias antes, do lançamento de foguete da Amazon, de Jeff Bezos.
O fiasco de Rubem Ometto
O empresário Rubens Ometto, dono da Cosan, um conglomerado que fez fortuna no plantio da monocultura da cana-de-açúcar em São Paulo e se espalhou por outros estados e outros negócios (é dono da Raízen, parceria com a Shell na rede de postos Shell, dono da Moove, que produz o óleo Mobil no país, controla a Rumo Logística, a maior rede ferroviária do país, e atua na distribuição de gás com a Compass) acaba de colher um baita prejuízo esta semana quando teve de vender, por R$ 9,1 bilhões, 173 milhões de ações ON da Vale, que lhe davam 4,05% do controle da gigante mineradora, para evitar um endividamento em bola de neve de seu grupo. As ações da Cosan e a Raízen estiveram entre as 10 maiores baixas do Ibovespa no ano passado.
Ometto, que era um entusiasta do governo Bolsonaro (como já fora de todos os governos que deram força ao Proálcool, em 2007 foi celebrado pela revista Forbes como o “primeiro bilionário do etanol”) investiu, em setembro de 2022, mais do que R$ 10 bilhões (a preços atuais) em 5% das ações ON da Vale. Ele apostava em um 2º mandato de Jair Bolsonaro e na manutenção de vantagens para a mineração (mesmo com sacrifício do meio ambiente e de reservas indígenas) e na continuidade da política de paridade dos preços internacionais (PPI) usado pela Petrobras para reajustar os preços dos combustíveis.
O sistema ia mais ou menos bem, dentro dos planos do governo Bolsonaro de privatizar a Petrobras. Primeiro, com a venda de 50% do parque de refino para estabelecer concorrência. Ometto chegou a estudar a compra de uma refinaria. Mas, a única das grandes em oferta que foi vendida foi a pioneira Landulpho Alves, na Bahia, para o grupo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos. Até que houve a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. Com a retaliação dos países da Otan ao gás e petróleo russo, tanto os preços dos combustíveis quanto os dos alimentos (a Ucrânia era o maior produtor da Europa) dispararam e começaram a ameaçar a reeleição de Bolsonaro. Três presidentes da Petrobras foram trocados por aplicar o PPI e provocarem o mesmo efeito de jogar gasolina (reajustada) na inflação. Por fim, vendo que o Banco Central não controlaria uma inflação importada com juros (esfriaria a inflação e as chances de reeleição), o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou de lado a ortodoxia e cortou os impostos federais e estaduais (ICMS) dos combustíveis, energia elétrica e comunicações, entre 1º de julho e 31 de dezembro de 2022.
Ometto não reclamou porque era uma tática para reeleger Bolsonaro que ampliaria o liberalismo no 2º mandato com a provável privatização da Petrobras, nos moldes como fizera com a Eletrobras: com o controle mínimo da União, haveria uma chamada de capital, na qual a União pediria mesa e os acionistas privados (estrangeiros e nacionais) assumiriam o controle. Mas deu Lula, que prometeu, na campanha “abrasileirar” os preços dos combustíveis. Dito e feito. Desde maio de 2023, na administração de Jean Paul Prates, a Petrobras arquivou o PPI e passou a usar o petróleo mais leve do pré-sal para ser processado em suas refinarias. Antes, operando a menos de 70% da capacidade, elas atingiram no ano passado o recorde de 93,2% da capacidade instalada, com uso de 70% do óleo do pré-sal.
A inflação só não explodiu em 2023 e 2024, com a necessária volta dos impostos cortados por Guedes, ainda que a níveis inferiores aos de antes, e os choques climáticos (chuvas no Rio Grande do Sul, secas e incêndios no Sudeste e no Centro-Oeste e estiagem na Ásia que quebrou a safra de café do Vietnã, o 2º maior produtor de café do mundo) porque o “abrasileiramento” dos preços pela Petrobras segurou mais a inflação que o Banco Central ao elevar os juros com Roberto Campos Neto. Mas a situação não foi boa para Ometto. Sem a subida (sem limite) da gasolina e do diesel, o etanol, às vezes, perdia competitividade. Ainda assim, a alta de preços do etanol empurrava o preço da gasolina para cima, pois entra com 27% de composição da gasolina comum. Apertado nas margens de lucros, com a subida dos custos, Ometto vendeu, no ano passado, 1% da posição da Vale e se queixou diretamente, em outubro, a Campos Neto, a quem era chegado, pela alta dos juros em marcha.
Sua aposta na Vale, com alavancagem no endividamento de todo o grupo, fora um fiasco, porque a desaceleração da construção civil na China reduziu a demanda e os preços do minério de ferro. Antes que o Banco Central determinasse nova alta da Selic programada para 29 de janeiro se efetivasse, saiu da posição em Vale. O BTG-Pactual calculou que ele tenha perdido bem mais de R$ 1 bilhão, pois a posição fora financiada. Mas Ometto saiu dando entrevistas como se tivesse feito uma bela operação de retirada da Vale ainda criticou o governo Lula (ora, suas maiores críticas foram feitas à escalada dos juros, pelas digitais de Campos Neto). Ora, correr riscos é a regra do jogo para os empreendedores. Nem sempre dá certo e nem sempre os governos podem ajudar...