
Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - gilberto.cortes@jb.com.br
COISAS DA POLÍTICA
Como fazer a política sob a inspiração de Francisco?
Publicado em 27/04/2025 às 08:11
Alterado em 27/04/2025 às 11:37

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O Papa Francisco era, de fato, um líder de inspiração mundial. Seu funeral em Roma teve o comparecimento de mais de 50 chefes de Estado, além de reis e políticos de diversos países. A delegação brasileira, chefiada pelo casal presidencial Lula e Janja, somava 20 representantes, incluindo ministros, os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Luiz Roberto Barroso, e do Poder Legislativo, senador Davi Alcolumbre (União-AP), além do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).À parte a admiração de outras 150 mil pessoas que não couberam no espaço do Vaticano, as palavras do cardeal Giovanni Battista-Re, responsável pela leitura da homilia, que lembrou a preocupação do Papa com os mais pobres e mais humildes e a preservação do meio ambiente, destacaram, o verdadeiro significado do espírito cristão, com uma frase do Pontífice argentino que poderia ser dirigida a Donald Trump, mas a todos os governantes: “ 'Construir pontes, e não muros' é uma exortação que ele repetiu muitas vezes” — reafirmou Battista-Re.
Espero que os representantes da classe política e dos poderes que estiveram na seleta delegação do voo presidencial tenham sido impregnados pelo espírito e a prática do argentino Jorge Mario Bergoglio, que seguiu à risca o nome e prática de São Francisco de Assis. Um dos trechos da tocante “Oração de São Francisco” diz que “é dando que se recebe” (oferecendo amor e caridade aos necessitados e protegendo o meio ambiente e os animais, que se recebe a Graça Divina). Mas a classe política brasileira abastardou o ensinamento de São Francisco, transformando o “é dando que se recebe” numa infame troca de favores entre os políticos e os gestores do Estado, como pregava Roberto Cardoso Alves, o falecido deputado paulista conservador que foi o criador e líder do “Centrão” durante a Assembleia Nacional Constituinte.
O mundo gira e a Lusitana roda. Ao fim da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, tivemos, em outubro de 1989, a primeira eleição direta para presidente da República em 29 anos (a de 1965 foi suspensa pelo golpe militar de 31 de março/1º de abril de 1964). Foi eleito Fernando Collor de Mello (PRN-AL) contra Luís Inácio da Silva (PT-SP). Collor confiscou a poupança nacional por dois anos, sofreu processo de “impeachment” por corrupção passiva em 1992, e renunciou mal tinha sido instaurado o processo no Senado Federal, sob a presidência do STF. Mas ao fim e ao cabo do processo de corrupção, não se dispunha dos meios de prova atuais (computadores e celulares que podem ter as memórias remotas devassadas) e ele não foi condenado por falta de convicção dos juízes em relação ao conjunto probatório. O período de oito anos da inegibilidade passou, Collor voltou à vida pública, mas o tempo não curou sua compulsão pela corrupção. Foi apanhado em meio às investigações da Lava-Jato se beneficiando de falcatruas na BR Distribuidora (a mesma que em seu governo, com o auxílio do ex tesoureiro PC Farias, tentou obrigar a Petrobrás, dona da BR, a dar facilidades ao empresário Wagner Canhedo, um goiano dono de frotas de ônibus que privatizara a Vasp, do governo de São Paulo). O então presidente da Petrobrás, Luís Otávio da Motta Veiga, se opôs e denunciou a manobra. Motta Veiga saiu da estatal, mas ajudou a demolir a imagem do “caçador de Marajás”. Pois o novo processo contra Fernando Collor levou mais de 10 anos para ser concluído (a defesa protelava a sentença final com sucessivos embargos), mas chegou ao fim. Collor está recolhido a um presídio em Alagoas.
Há quem veja o episódio Collor como premonitório do destino do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. O andamento do seu processo na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, com cinco acusações por liderar as manobras contra o Estado Democrático de Direito e tentar impedir a posse de Luís Inácio Lula da Silva, que o derrotara em 30 de outubro de 2022, não teve seguimento porque ele iniciou um périplo de viagens pelo país (o que já dificultava a citação pessoal por um oficial de Justiça). Sem o devido cuidado com a dieta prescrita para quem sofreu tantas intervenções cirúrgicas de reparação das sequelas da facada de setembro de 2018, que ajudou a turbinar sua eleição a presidente), passou mal no interior do Rio Grande do Norte, foi transportado às pressas para hospital de Natal. De lá, depois de medicado, seguiu para Brasília, onde foi novamente operado em hospital da Rede D’Or.
Recolhido à UTI, o irrequieto paciente, para reforçar a cruzada pela sua anistia e dos milhares que seguiram sua orientação no atentado à Democracia de 8 de janeiro de 2023, logo tratou de ter um quarto todo seu para fazer “lives” e proselitismo político no hospital, enquanto o escudeiro da cruzada pelo perdão, o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcanti (RJ), um fiel aliado do pastor Silas Malafaia, tentava dar prioridade ao Projeto de Lei para anistia aos participantes dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. As tentativas, que incluíam a coleta de assinaturas de evangélicos de todos os partidos (Cavalcanti era líder da “bancada evangélica”), conseguiram amealhar inscrições de deputados de partidos que apoiavam o governo. Criou-se um quiproquó que forçou o governo a acionar as lideranças dos partidos com assento no Ministério ou contemplados com cargos no 1º e 2º escalões. Muitas assinaturas foram retiradas e o PL perdeu o sentido da urgência. Não era da Oposição (mas sim do maior partido de oposição), e sua urgência era só para tentar parar o andamento do processo do STF contra Jair Messias Bolsonaro. Mas este tanto fez “lives” com desenvoltura no quarto do hospital – com cenário de uma UTI cenográfica, mas não real para uma entrevista ao SBT –, que o relator do caso na Primeira Turma, constatando a evolução do quadro clínico do paciente, ordenou a oficial de justiça a colher sua assinatura na citação no próprio quarto do hospital. Foi o bastante para uma nova encenação de Bolsonaro, pois sabe que após sua assinatura, correm cinco dias para a defesa apresentar sua contestação às acusações. Para quem está transformado em réu desde 26 de março, era tempo para seus advogados de defesa já terem organizado a linha de contestação. Reclamar do prazo decorrido da citação torna-se irrelevante. Só teatro.
No Congresso, o ano começa em maio
O fato é que o mês de abril termina nesta quarta-feira, dia 30. Como dia 1º é feriado, a semana do Congresso – que começa na terça e se encerra quinta-feira à noite - estará praticamente perdida. Por dever de ofício, o Congresso tem de se manifestar sobre o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026, apresentado há uma semana pelo governo Lula. A rigor, considerando que janeiro era mês de férias da Câmara e do Senado, que estavam em recesso desde 20 de dezembro, os senhores deputados e senadores voltaram a Brasília em 1º de fevereiro, um sábado, para a eleição das mesas diretoras das duas casas do Congresso. Foram eleitos Hugo Motta (Republicanos-PB) para suceder a Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, e Davi Alcolumbre (União-AP) para suceder a Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na presidência do Senado e do Congresso. Fevereiro transcorreu sem o preenchimento das presidências e relatorias das diversas comissões temáticas das duas casas. Veio o Carnaval e os trabalhos não engrenaram em março, que terminou sem a votação do Orçamento Geral da União de 2025 (não concluído antes do recesso de dezembro). Em abril, veio o rolo compressor do PL da anistia, que ficou mais conhecido como o “PL da anistia do PL”, que ameaçou travar a pauta.
Portanto, o ano Legislativo só vai começar na próxima semana, com os senhores deputados e senadores devendo muito serviço aos contribuintes. Além da apreciação do Projeto de Lei da isenção do Imposto de Renda para quem ganha R$ 5 mil, a partir de janeiro de 2026, o governo também definiu uma tributação mínima de 10% para alta renda (uma renúncia de R$ 27 bilhões para 10 milhões de pessoas com renda mensal até R$ 5 mil e descontos proporcionais até a faixa de R$ 7 mil), haveria a compensação com o aumento da tributação para os super-ricos, um grupo de 141 mil brasileiros que ganham acima de R$ 600 mil por ano, o que equivale a 0,06%. Dos brasileiros que pagam IR, 90% estarão livres da nova tributação. Entre os que pagam IR, 65% estarão fora do novo escalonamento para grandes fortunas, que inclui rendas de dividendos. Já os 141,4 mil contribuintes (0,13% do total) passarão a contribuir pelo patamar mínimo.de 10% (eles pagam menos de 1,50% atualmente. A tributação mínima das altas rendas possibilitará ampliação de receita de R$ 25,22 bilhões, além de R$ 8,9 bilhões vindos da tributação de 10% na remessa de dividendos ao exterior (só para domiciliados no exterior).
A relatoria do projeto cabe ao ex-presidente da Câmara, Arthur Lira. Quando presidiu a Casa (dois anos do governo Bolsonaro e dois anos do governo Lula, Lira abusou do “tratoraço” para impor urgência às pautas que lhe interessavam. Agora, ele não esteve na comitiva de Lula para a despedida ao Papa (estava na viagem ao Japão e ao Vietnã) e pode não ter sido impregnado pelo espírito de Francisco na opção preferencial pelos mais pobres. E o Congresso, que poderia também rever seu absurdo quinhão de R$ 50 bilhões no Orçamento Secreto e cortar boa parte dos R$ 620,8 bilhões em subsídios e renúncias fiscais do Orçamento para 2026, em vez de praticar a justiça fiscal, costuma comungar da cartilha da Faria Lima, que pede cortes nos programas sociais e a preservação dos ganhos com os maiores juros reais do mundo.
Trump lembra Jânio Quadros
Donald Trump completa 100 dias de sua errática e errônea presidência na próxima quarta-feira, 30 de abril. Cumpriu com avidez as promessas que fizera na campanha (e que os mais argutos analistas políticos e economistas alertavam ter efeito bumerangue - se voltariam contra a própria economia americana, que pretendia proteger com os choques tarifários e a deportação de imigrantes tidos como ilegais) para abrir espaço para o renascimento da indústria e do emprego para os americanos. Os desastres no mercado de capitais (não apenas pela derrocada das ações nas bolsas), mas, sobretudo pela perda de confiança no dólar e nos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, que levaram o secretário do Tesouro, Scott Bessent, a pedir urgentes recuos nos tarifaços deixaram praticamente na estaca zero o plano Trump.
Além de desconfiança contra o dólar e os Estados Unidos, o próprio eleitorado de Trump está atônito e desorientado com suas medidas. Uma pesquisa realizada esta semana pelo jornal “The New York Times” e o instituto de pesquisas Siena revelou que em resposta a um questionário de múltipla escolha (e resposta), 66% dos entrevistados classificaram o governo Trump como “caótico”; 59% como “assustador” e 48% como “excitante”- não necessariamente no melhor sentido.
Pois lembro do terremoto que foi a eleição e os primeiros meses do governo Jânio Quadros. Eleito pela coligação UDN-PTN em 1960, com o símbolo da vassoura contra a corrupção, Jânio proibiu, de imediato, a briga de galo, as corridas de cavalo nos dias da semana (só sábados, domingos e feriados), o desfile de misses de maiô e o biquini. Caiu no ridículo, pois era um devasso na vida real e parecia uma prostituta velha tentando impor moral no bordel.
Desorientado (como Trump), uma imagem que marcou seu governo, que terminou em 25 de agosto de 1961, com menos de sete meses (a posse foi em 31 de janeiro de 1961, quando fiz 11 anos), foi a foto do grande fotógrafo do Jornal do Brasil, Erno Schneider, com o presidente virando-se com os pés trocados (quase um caipora), publicada no JB em 21 de abril de 1961.
As diferenças para Trump, além do preto e branco, seriam os sapatos polidos, mas os pés trocados, um terno com sobretudo azul comprido, a gravata vermelha e o topete esvoaçante, mas sem rumo. Como está parte do mundo, esperando um novo recuo do tarifaço de Trump contra a China, que está paralisando as cadeias produtivas em diversos países e nos EUA.